Saturday, 8 November 2008

Barack Obama: Um Negro na Casa Branca

A audácia do Sonho Americano
Por Milton Machel*
E fez-se história! Quarenta anos após o assassinato do Reverendo Martin Luther King Jr a 4 de Abril (de 1968), a nação que celebra a independência também a 4 (de Julho), este 4 de Novembro (mais um quatro) assinalou a eleição do primeiro negro Presidente dos Estados Unidos da América. Barack Hussein Obama é o inquilino número 44 da Casa Branca.
Não se trata de raça, trata-se de mudança. Foi nisso que os americanos votaram, na terça-feira, ao escolherem Barack Hussein Obama para seu Presidente no momento económico mais crítico da sua história desde os anos 30 do séc. XX.
Foram precisos 40 anos desde que Martin Luther King Jr foi assassinado, em Memphis (Tennessee), para a América ver um negro assumir o posto mais alto da Nação não sendo julgado (pelo voto) pela sua cor da pele, mas pelo conteúdo da sua mente e do seu coração.
40 anos após aquele reverendo activista dos direitos cívicos ter lançado a Campanha do Povo Pobre, a América escolheu para seu líder alguém que integra em si esse sonho americano aglutinador de várias identidades. Um homem cujo percurso de vida e personalidade perpassam todos os estratos sociais
americanos: de origem remediada, multi-étnico-raciais, homem de sucesso, política e economicamente, por virtude de sua inteligência e honestidade intelectual.
“Hoje, na noite do mundo e na esperança da boa nova, eu afirmo com audácia minha fé no futuro da humanidade. Recuso crer que as circunstâncias actuais tornem os homens incapazes de fazer uma terra melhor (...) Eu creio que a verdade e o amor incondicionais terão efectivamente a última palavra. A vida, ainda que provisoriamente derrotada, é sempre mais forte que a morte. Eu creio firmemente que, mesmo no meio das bombas que explodem e dos canhões que troam, permanece a esperança de um amanhã radioso”.
Estas são palavras de Martin Luther King Jr, proferidas há mais de 50 anos, que hoje calam fundo no seio dos americanos.
Refraseadas nos discursos de Obama, no seu apelo à mudança em que todos são participantes, aquelas palavras ecoaram pelos votos depositados pelos americanos de forma categórica em Barack Obama – que toma assim o testemunho de devolver a utopia à América.
Numa América ferida no âmago do sistema (neo-liberalismo e intervencionismo) - com a crise do “sub prime” e as guerras perdidas de Bush-filho contra o terrorismo – as grandes mentiras que sustentaram o militarismo, a desonestidade e espírito especulativo da mercadologia abriram os olhos dos americanos para a urgência e pela emergência de uma nova liderança: Obama é tributário do compromisso dos americanos com um outro futuro.
Obama toma o leme de uma América que esconde para o Mundo os seus mais de 36 milhões de pobres, em que 47 milhões de pessoas estão excluídas do sistema de saúde. Obama terá de conduzir a luta contra o racismo, o excessivo materialismo (que agrava a pobreza) e o militarismo como legado da Campanha do Povo Pobre lançada em 1968 por Martin Luther King Jr.
O manifesto de Obama é o assumir do chamamento do reverendo e Nobel da Paz de 1964: “Se não podes voar, conduz; se não podes conduzir, corre; se não podes correr, caminha; se não podes caminhar, rasteja.
Mas continua em movimento. Segue em frente”.
Obama mobilizou ao longo da sua campanha aqueles que se sentiam excluídos, aqueles que se viram frustrados com o sistema, restaurou a paixão pela política nos jovens e deu-lhes o poder de decisão: “Mudança, Nós Podemos.”
Liderança à Obama
A campanha às presidenciais norte-americanas foram um momento de revelação como a América não assistia há muito. Quiçá, nem John Fitzgerald Kennedy (JFK) e nem mesmo Bill Clinton terão devolvido a esperança e movido a audácia, pela mudança, como Obama o fez nesta campanha.
A América conheceu um homem que lidera pela inclusão. No filme de campanha, Obama quando reunido com a sua equipa, ele preza a contribuição de todos os participantes, interroga os silenciosos – quer extrair todas as ideias possíveis. Se alguém teoriza, ele questiona como tal teoria se traduz no terreno.
Ele orquestra o debate, joga os participantes uns contra os outros e depois destaca as áreas de concórdia.
Constantemente, Obama explica de novo as contribuições de outros por suas próprias palavras, invariavelmente, mais eloquentes. No fim da sessão, o seu ponto de vista permanece um mistério, e sua decisão final algumas vezes é uma surpresa para todos os que estiveram presentes.
Mas os seus defensores dizem que a reticência de Obama é tão intelectual como táctica. Ele é um contextualista por natureza que desconfia de generalizações. A sua experiência de vida em locais tão diferentes, em tenra idade, fê-lo realizar que as mesmas soluções não funcionam em todo os lugares.
Meticuloso Obama é tido como um deliberador sereno, fluente comunicador, um professor faminto de perícia académica mas com pouco interesse pela abstracção. Obama não é de decisões rápidas, nem de abandonar um plano cuidadoso. Obama privilegiará o consenso, excepto quando o achar desnecessário. E a sua
inclinação à vida inteira pelo controlo irá provavelmente traduzir-se numa Casa Branca disciplinada.
A história de Obama é reveladora desse ser deliberador comedido. Desde os seus dias como organizador (mobilizador) comunitário, em que passava as noites a preencher (organizar) registos diários. Durante os seus sete anos como senador estadual, ele tomava o tempo a conduzir entre Springfield e Chicago para a contemplação, e recusava ter motoristas, cuja presença perturbaria o seu ritual. Uma boa sessão de ginásio garante um Obama preparado para as tarefas do dia.
Para tomar uma decisão, Obama tem um percurso meticuloso: faz pesquisa aturada, consulta especialistas, projecta todos os cenários, inventa um plano, prevê objecções, ajusta o plano, e mal este esteja pronto mantém-se fiel a este. Foi assim que nas primárias ele derrotou a senadora Hillary Clinton, que foi tentando sempre novas mensagens para cativar o eleitorado, enquanto Obama mudava ligeiramente.
De organizador comunitário, em que acreditava que a mudança viria dos cidadãos de baixo para cima;
passando por professor de história legal, quando compreendeu que o liberalismo das leis americanas não são o garante da justiça social; Obama chega ao topo da política americana (quiçá mundial) com a audácia e o desejo por uma ampla renovação social.
Obama aos olhos de Amin Maalouf A ponte do afecto

Numa era em que se defende mas está longe de se traduzir na prática a tolerância como um valor cultural transversal em todos os domínios humanos, Barack Obama como que incarna aquilo que o escritor francolibanês considera os mediadores dos conflitos ou choques entre culturas, que geram Identidades Assassinas – estas forjam-se quando uns tentam afirmar a sua pela negação da do outro, pela negação da diferença.
Escritor que versa nas suas obras sobre a questão da identidade, na sua obra com aquele título, Maalouf defende que “a Identidade não pode ser compartimentalizada, não pode ser dividida em metades ou terças partes, nem tem um conjunto de fronteiras claramente definidas. Eu não tenho várias identidades, tenho apenas uma, produto de os elementos que enformaram as suas proporções únicas”.
Filho de um africano (queniano) negro muçulmano, e de uma branca americana, criado em parte na Indonésia – terra do seu padrasto igualmente muçulmano – e depois no Hawai pelos seus avós, Obama fez-se por pleno direito membro da comunidade afro-americana de Chicago (um dos berços da resistência radical dos negros oprimidos), e de ateu fez-se cristão.
Obama é um desses que Maalouf considera que, estando no cruzamento de linhas étnicas ou outras fracturas, “estas pessoas têm um papel especial a jogar: construir laços, resolver incompreensões, razoáveis com uns, moderados com outros, suavizando e resolvendo conflitos”.
Estes podem tanto ser elos, pontes, mediadores entre diferentes comunidades e culturas. Roubando o sugestivo título do escritor moçambicano Nelson Saúte, Obama pode ser A Ponte do Afecto numa América culturalmente divisada.
Símbolo da “Nação dos hifenizados”
A América de hoje, não esqueçamos, é uma “Nação de hifenizados”, aqueles que têm uma identidade híbrida (asiático-americanos; sino-americanos; afro-americanos; nigero-americanos). E Obama é um produto disso, lembre-se.
Obama orgulha-se de ver o Mundo através do olhos de outros. No seus livros, os best sellers “Dreams From My Father” (Sonhos do Meu Pai) e “The Audacity Of Hope” (A Audácia da Esperança), ele enxerta-se nas cabeças de seus familiares quenianos, mães adolescentes em Chicago, democratas reaganistas, farmeiros do Sudeste do Illinois e votantes cristãos evangélicos.
Reza a história que ele conseguiu ser presidente da Harvard Law Review (Revista Jurídica de Harvard) por ter defendido a discriminação positiva (afirmative action) num discurso que tão eloquentemente sumarizava as objecções a esta de modo que os conservadores sentiram que ele compreendeu as suas preocupações profundamente.
Questões de fé, aborto e raça são os campos de conflito que Obama pretende mediar, embuído de um compromisso filosófico profundo com o diálogo. Obama tem a audácia do sonho por um mundo que não seja a preto e branco. A História o dirá!
* Colaboração especial In Savana, Sexta feira, 07 de Novembro 2008

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