No âmbito de Integração Regional : Faculdade de Direito lidera harmonização legal na SADC - Prof. Doutor Gilles Cistac, Coordenador do processo, explica os passos percorridos para a materialização desta iniciativa
A FACULDADE de Direito da Universidade Eduardo Mondlane (UEM) está a liderar a elaboração de um projecto de criação de um Centro Regional de Estudos sobre Integração e Direito da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), de modo a simplificar o processo de Integração Regional. O documento, agora em fase de finalização da sua elaboração, vai ser submetido ainda no decurso deste mês à apreciação de mais instâncias universitárias e, em particular, ao Conselho Académico da UEM e ao Conselho Universitário que deverá aprová-lo em Novembro próximo. Maputo, Sexta-Feira, 3 de Outubro de 2008:: Notícias
O coordenador do projecto, Professor Doutor Gilles Cistac, disse em entrevista ao nosso Jornal que a ideia da elaboração do documento nasceu o ano passado, quando houve um debate bastante profundo na Imprensa local sobre a Integração Regional, na perspectiva da entrada em vigor da Zona de Comércio Livre. Referiu que como a Faculdade de Direito da UEM não podia ficar de fora elaborou este projecto como forma de aprofundar o assunto.
Para o efeito, segundo disse, a Direcção da Faculdade deslocou-se à Gaberone, no Botswana, sede da SADC, para estabelecer contactos com as autoridades desta organização e sobretudo para obter uma informação adequada sobre o seu funcionamento, visto ser difícil aceder a tal informação, em Moçambique.
Gilles Cistac, que é docente da Faculdade de Direito da UEM, disse que embora a informação sobre SADC esteja disponível no endereço electrónico da organização e não só, esta está, regra geral, em língua inglesa, o que discrimina outros idiomas da comunidade, nomeadamente o português e o francês. Devido ao facto, conforme assinalou, a população rural que não conhece ou domina aquelas línguas não entende nada sobre a medida.
“Depois da visita à SADC, a Faculdade decidiu, em Abril passado, organizar uma conferência internacional sobre as questões de Integração Regional e o Direito da SADC. Foi nessa conferência, que foi bastante importante, que se constatou que a SADC não tomou suficientemente cuidado da dimensão jurídica da Integração Regional”, disse.
Para Cistac, “a SADC concentrou-se, exclusivamente, nos aspectos económicos da integração deixando para trás outros aspectos como a dimensão social e cultural”.
A título de exemplo, apontou que no Tratado da SADC, não consta qualquer disposição sobre a Integração Jurídica, ao mesmo tempo que o próprio Plano Indicativo Estratégico da organização não aborda nada sobre a dimensão jurídica da integração, daí que, a visão foi “economicista”.
“Um processo de integração para a criação de uma comunidade não pode estar limitado a uma versão económica. Isso é uma falta de visão do processo da integração. É por isso que algumas pessoas não percebem bem o que é isso de integração, uma situação que, a continuar, pode pôr em causa o sucesso do processo”, disse.
Para ele, os tecnocratas e os políticos são os que conhecem o assunto. Para sustentar as suas declarações referiu que, em 2005, foram divulgadas algumas estatísticas sobre a Integração Regional e o resultado revelou um desconhecimento total do assunto, na maioria da população.
É que apenas 30 por cento da população moçambicana mostraram conhecimento sobre a integração na SADC. Tal já não acontece noutros países como a Namíbia e Botswana onde 85 e 65 por cento da população mostraram ter conhecimento em torno do assunto.
“Estamos numa situação crítica por falta da divulgação da informação e educação cívica das comunidades rurais”, disse. Acrescentou que foi tendo em conta estes aspectos que a conferência de Abril recomendou a criação de um centro de divulgação do assunto tendo a Faculdade de Direito da UEM sido encarregue de liderar o processo.
O referido centro tem como missão fazer uma reflexão sobre as melhores formas de harmonização e uniformização do Direito dos Estados membros da SADC em matéria do Direito Económico, tudo porque, actualmente, a livre circulação de pessoas e mercadorias implica direitos diferentes.
É dentro disto que a Faculdade de Direito da UEM vai trabalhar com uma rede de universidades dos Estados membros da SADC, tendo como horizonte harmonizar a legislação.
Depois da identificação dos ramos de Direito a uniformizar, como sejam o Comercial, de Investimento, Transporte, Fiscal, cada faculdade vai preparar uma lei-modelo. A informação vai ser partilhada nas universidades da SADC de modo a se aprovar, seguidamente, no Parlamento da SADC.
Por outro lado, o centro irá fazer estudos sobre aspectos técnicos do processo, trabalho a ser desenvolvido em parceria com organizações como a Confederação das Associações Económicas (CTA) no caso de Moçambique. Fará, igualmente, uma reflexão sobre a questão de integração dos objectivos da SADC nas agendas nacionais.
Conforme explicou-nos Cistac, a SADC aprova várias disposições, mas as mesmas não têm tido reflexo nos Estados-membros. “Se queremos fazer integração é preciso facilitar a integração nas agendas nacionais. Isso vai exigir muita metodologia no nosso trabalho, de modo a facilitar a integração que se deseja”, explicou.
Os trabalhos mais significativos podem iniciar em Novembro. Um dos passos mais importantes é a busca de recursos financeiros para a execução deste projecto. O coordenador do projecto deixou claro que a formação de quadros é, por outro lado, muito importante neste processo.
Entretanto, Cistac defendeu a ideia de se multiplicar os pontos focais que possam transmitir a informação das administrações para as comunidades locais. “É preciso adaptar a informação sobre SADC de modo a estar acessível às comunidades locais”, disse.
Paralelamente, segundo afirmou, os estudantes dos diferentes estabelecimentos de Ensino deviam ser mais informados sobre este processo, de modo a estarem a par do que está a acontecer. “O sucesso de um processo como este parte da população. Com mais pessoas informadas, mais consolidação terá o processo”, indicou.
A Faculdade de Direito da UEM (C. Bila)ESTADOS-MEMBROS DEVIAM TRANSFERIR PARTE DAS SUA SOBERANIA
Maputo, Sexta-Feira, 3 de Outubro de 2008:: Notícias
No seu entender, os Estados-membros da SADC deviam tomar coragem de transferir parte da sua soberania para o Parlamento da Comunidade como forma de simplificar o andamento do processo. “Não significa transferir toda soberania, mas os sectores onde a SADC deve tomar decisões muito rapidamente”, destacou.
Para ele, soberania não é um conceito fechado. “É porque seremos soberanos que podemos transferir parte da nossa soberania. Aliás, há países que estão nestas condições, tal é o caso de Senegal que, na Constituição, consagrou que o Governo pode conceder a soberania.
É uma questão fundamental porque o processo de integração foi constituído sobre os protocolos que são instrumentos de cooperação jurídica e não de integração jurídica. “Os protocolos preservam a soberania de Estado”, disse.
Continuando, afirmou que hoje, quando se ratifica um protocolo, o Estado não é obrigado a cumprir o protocolo. “Se olharmos para outras organizações de integração vimos que transferiram parte do seu poder soberano para organizações da comunidade e essas organizações podem aprovar, directamente, regulamentos. Quer dizer, tem um poder quase legislativo para aprovar legislação que pode ser aplicada directamente na ordem jurídica interna dos Estados-membros. Não é preciso ratificar nada”, argumentou.
Conforme explicou, tal está previsto nas Constituições e já existem países que estão em organizações que funcionam nestes termos. Exemplo concreto, segundo disse, é a União Económica Monetária dos Estados de África do Oeste e a Organização para a Harmonização do Direito Comercial, em África.
Os países-membros têm o mesmo direito, o que pode acontecer na SADC. Tal foi possível porque os governos fizeram sacrifício. É complexo, mas é possível, sobretudo nos processos de integração regional.
1. Fronteira de Namaacha (Arquivo)MOÇAMBIQUE PODE AVANÇAR NA CODIFICAÇÃO ADMINISTRATIVA
Maputo, Sexta-Feira, 3 de Outubro de 2008:: Notícias
Moçambique devia começar a pensar na codificação administrativa. Segundo disse Gilles Cistac, a codificação administrativa é um processo que não chega a ser complexo. Ele defendeu este facto tendo em conta a sua experiência na redacção de um Código de Justiça Administrativo de Burundi. Tratou-se de um Código escrito em língua francesa, num contrato estabelecido com o Ministério da Justiça do Burundi.
Com um financiamento da União Europeia, Cistac deslocou-se àquele país, numa primeira fase durante 10 dias. Tinha em vista manter contactos com magistrados, agentes administrativos e instituições que lhe facultassem a informação contenciosa, de modo a redigir o Código.
Segundo ele, a legislação burundesa sobre o procedimento administrativo contencioso era muito dispersa. Com efeito, no seu trabalho tinha de reagrupar e organizar a legislação de modo mais racional.
Foram três meses de trabalho tendo feito um comentário artigo por artigo da legislação processual. “Actualmente, o Burundi tem dois tribunais administrativos. Os mesmos proferiram vários acórdãos e havia necessidade de comentá-los”, explica.
Falando sobre a situação de Moçambique, Cistac disse que a mesma é diferente daquele país, porque aqui existem duas legislações, nomeadamente a Lei Orgânica do Tribunal Administrativo e a Lei do Processo Administrativo Contencioso. Porém, entende que cá é mais fácil.
“Apesar de termos duas leis podemos pensar num Código de Justiça Administrativo como uma parte sobre a organização da Justiça Administrativa, Tribunal Administrativo e incluindo já algumas normas relacionadas com os tribunais administrativos que constam da Constituição da República”, disse.
No nosso sistema jurídico vê-se claramente que a ideia do constituinte moçambicano era criar outras jurisdições administrativas a nível do país para facilitar o acesso dos recorrentes a esta jurisdição.
Aliás, na Constituição consta já esta possibilidade. O que é preciso, no seu entender, é implementar o que está disposto. A codificação pode introduzir os preceitos desta organização.
Em seguida é preciso proceder à reforma do processual, porque é urgente renovar esta legislação e, por outro lado, “criamos tribunais administrativos regionais ou provinciais, o que vai depender do legislador. Isso vai implicar uma alteração e introdução de algumas disposições sobre a repartição da competência material entre esses tribunais. Penso que podemos começar a reflectir sobre isso”, conforme assinalou.
ARSÉNIO MANHICE
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