Friday 27 June 2008

CELSO MANGUANA: O POETA LAUREADO DA MINHA GERACAO PARIU FINALMENTE!

APRESENTAÇÃO DO LIVRO DE CELSO MANGUANA

PÁTRIA QUE ME PARIU

POR: LUIS CEZERILO

Com mestria, o “agricultor de seus verdes” chega à messe. Sendo um sopro na aragem, enforca-se. Tal atitude faz nascer a Poesia fruto da cópula do poeta com sua amada companheira - a palavra. Na inspiração, desenvolve-se o embrião, eis o momento do parto: o poeta traz hoje ao mundo a sua filha e baptiza-a de Pátria que me pariu.

Segue à risca o que foi ordenado ao homem - “crescei, multiplicai e enchei a Terra”, para privilégio nosso, o poeta Celso Manguana enche o planeta com frutos de sua relação e torna mais bela assim a Literatura Moçambicana.

Johann Wolfgang Von Goethe lembrava:

O maior mérito do homem consiste sem dúvida em determinar tanto quanto possível as circunstâncias e em deixar-se determinar por elas tão pouco quanto possível. Todo o universo está perante nós como uma grande pedreira perante o arquitecto, o qual só merece esse nome se com a maior economia, conveniência e solidez constituir, a partir dessas massas acidentalmente acumuladas pela Natureza, o protótipo nascido no seu espírito. Fora de nós, tudo é apenas elemento. Sim, até posso dizer: tudo o que há em nós também. Mas no fundo de nós próprios encontra-se essa força criadora que nos permite produzir aquilo que tem de ser e que não nos deixa descansar, nem repousar, enquanto não o tivermos realizado, de uma maneira ou de outra, fora de nós ou em nós.

As apresentações, no mais das vezes, se colocam no lugar da fala intermediária. É o discurso de outrem que, via de regra, se institui como discurso autorizado para discorrer sobre um conjunto de escrita consubstanciada numa obra, num livro. Para além de óbvio que esta afirmação revela, devemos nos ater ao cuidado que ela exige. Roland Barthes já chamaria a atenção de elas, as apresentações, se revestirem de uma intenção ética e moral: na impossibilidade doa autores se apresentarem por si mesmo, o escritor é interditado deste momento de sumária apresentação sobre os seus feitos. Ele convenientemente silencia, e se abre assim a interpretação. Se tal afirmação nos é permitida, teremos que admitir que se trata de um desafio Arriscado, porém necessário.

O que um poeta pensa do mundo e dos seus habitantes está nos livros que escreve, por mais que ele insista que é apenas um narrador e que não se responsabiliza pelas acções e opiniões das suas personagens. Não adianta o poeta esconder-se, pois, todo o poema é a favor ou contra, e uma mudança de parágrafo pode ser uma tomada de posição em relação ao que o poeta pensa da sua sociedade. Confessou-me, o amigo Celso nos raros mas preciosos silêncios da nossa convivência:

Sou um homem mal-enganado e sempre houve a suspeita de que sou subversivo e a favor de determinadas coisas que eles, os donos do Poder entendem como subversivas. Não participo na política por falta de talento e de gosto. O partido é uma imposição, uma prisão, e eu prefiro pensar em termos de Liberdade.

Como podemos observar o poeta considera que o compromisso com a liberdade, além da sua fascinação com o trágico e o cómico das relações humanas e os mistérios da memória e da criação, é tão claro aqui quanto na sua poesia.

Neste breve momento de estar na poesia de Manguana, tomamos Penélope e a Aranha como metáforas – desgastadas e vigorosamente vivas – da constituição da sociedade moçambicana como um grande texto. A metáfora neste sentido encontra-se num sintagma em que aparecem contraditoriamente a identidade de dois significantes e a não identidade de dois significados correspondentes ou na transferência analógica de denominações segundo Benveniste.

Minhas Senhoras,

Meus Senhores

Pátria que me pariu é um texto que nos leva a tecer na urgência e displicência do nosso quotidiano vivido sem método e sem ciência, e que se transforma em vontade de uma época, expressando um espírito unificador que permite a identificação de diferentes experiências vivenciadas pelo poeta e pelo país do Rovuma ao Maputo.

Este tecido multicolorido, colcha de retalhos de “eus”, do eu lírico, estilhaçados de uma modernidade tardia, plural e contraditória torna a poesia de Manguana complexa, rica e singular a tudo que já se pôde viver e morrer em Pátria, e porque não, Mátria.

Chegaste/já não quero ouvir falar de pátrias/nem de pitas/tenho uma Mátria/Já não tenho que escrever/tenho que amar/eu tenho uma Mátria/minha Mátria, meu amor/Meu amor minha Mátria/Quem tem Mátria não precisa de Pátria. (pág. 40).

Essa cultura do caos, da ausência e do limite, na poesia de Celso Manguana, joga-nos num universo dinâmico e extraordinariamente sedutor, entre tantos discursos, que ficamos a procura onde foi que nos perdemos a nós mesmos. Cito: Pátria/quero só uma/o lugar de morte/A nenhuma cidadania/pertenço/conheço/três lugares de exílio/O amor, a memória/ a loucura. (pág. 10)

Manguana conduz-nos a desafios plurivocais do nosso tempo, questionando a ética que o requer, o princípio que o orienta, o valor humano que o conduz – A Liberdade.

Na luz bruxuleante das urbanidades nacionais tudo o que podemos obter é o vazio de uma referência estável, como se a vida fosse um ponto desfocalizado na lente embaçada das nossas retinas de excesso de claridade: “não despeço, peço lume/charro aceso prossigo/para a morte, obviamente para a morte/minha Pátria. (pág. 11).”

Por isso mesmo quando me dei ao abrigo na poética de Celso Manguana, captada na teia da presente obra Pátria que me pariu observamos que se poderia escolher a diversidade da linguagem e da história, deixando que os poemas pudessem falar por si mesmos da sua finitude, incompletude e esperança, que é uma forma possível de dizer segundo o autor:

No seu Mercedes C Class /o patrão sabe/do novo preço do chapa?/Sabe?/ (Pág. 28).”continua, “Sangue muito sangue/estrume talvez/para regar as causas/só as causas justas /Mas sonhamos só a meia haste. (pág. 17);” esperançado reclama: “quem tudo chorou merece ser feliz/um minuto só porque num minuto há tempo bastante para amar/deixar de amar e voltar a amar. E ponto”

Não pretendemos, sob qualquer pretexto, promover ou estimular classificações estanques, pois, Celso Manguana não cabe certamente em categorias particulares e não enclausura sua poética neste ou naquele gênero e ao ler a presente obra, testemunhamos uma constante diluição das fronteiras textuais: poesia realista, cultural, social, política e poesia lírica que compõem os traços da sua obra deste Delfim da poesia moçambicana

Como já dizia Roland Barthes, em o Rumor da Língua: a linguagem literária excede sempre qualquer esquema descritivo, escapa sempre às malhas grosseiras de metalinguagem técnica. De acordo com Leila Perone-Moisés, suas análises, as de Barthes, o conduziram a ver menos o que se encaixava nos modelos do que aquilo que os desmantelava.

Ainda para Perone-Moises, o texto literário tomado por esse autor não foi dominado pela necessidade de decifrá-lo, visto que foi o indomável que o seduziu e que provocou, em vez de uma simples grade de leitura do texto-objecto, a produção de um novo texto tão complexo e fascinante quanto aquele que lhe servira de pretexto. A tentativa de saber o que o texto literário significa revelou-se para Barthes como uma impossibilidade e um logro.

Contudo o texto escrito ultrapassa o mero acto de reter o dito. A tensão que se estabelece é, portanto, entre o “dizer original” e a inevitável abertura que sempre leva em conta a alteridade – o outro - a quem esse dizer, afinal, se destina. Este não corresponde ao que chamaríamos de um interlocutor originário, como alguém que tem diante de si a tarefa de compreender, imposta pelo próprio texto, pois como diz Gadamer, um texto não é um objecto dado, mas uma fase na realização de um processo de entendimento.

Truísmo à parte, Manguana é um homem de seu tempo, representando-o sob diversos modos. Em sua obra, misturam-se e separam-se, num jogo concomitante, o sujeito e o poeta. O filósofo Giorgio Agamben, em Profanações (2007), retoma a discussão sobre o par função-autor e autor, estabelecido por Foucault. Agamben lembra-nos que, para Foucault, a marca do escritor “residia na singularidade de sua ausência, aguardando-lhe, no jogo escriturário, o papel de morto.”(Agamben 2007:55).

À luz das considerações de Foucault, Agamben considera que um autor assinala uma só vez a vida que foi jogada na obra – e que foi jogada como obra. Para ele, o autor é um gesto, “tão-somente a testemunha, o fiador de sua própria ausência na obra, cabendo ao leitor, por sua vez, retraçar essa ausência como no infinito recomeço do jogo” (Agamben 2007: 55).

Sob esse ponto de vista, consideramos que em Celso Manguana a função-autor é exercida plenamente pois caracteriza “o modo de existência, de circulação e funcionamento de certos discursos no interior de uma sociedade”. (Agamben 2007: 56).

Numa espécie de convivência velada com a escrita de Celso, entrarão a compor uma sinfonia de racionalidade e intuição, dialogando inteligências solitárias de cuja solidão do eu lírico ninguém tem culpa, mas pela maravilha da escrita e do livro poderão reflectir sobre sentidos e silêncios das diversas pátrias no autor. Estamos aqui e agora fazendo a travessia do nosso tempo, e não nos esquecendo de que o dia precisa testemunhar a fatia de vida que nos cabe, inusitadamente a cada minuto.

No território fecundo de Pátria que me pariu, encerramos assuntos e especificidades variadas, mas todos trilhando o chão plástico da linguagem, dos discursos e da sociedade moçambicana que os produz, de modo a reiterar a relação vivificadora da poesia e das práticas sociais que à premeia.

Pátria que me pariu, apresenta-se como um mosaico de experiências de vida de Celso Manguana, e sobretudo, como vivência humana que entre um sonho e um pedaço do real continua o saudável e necessário espaço da produção literária moçambicana. Retomando a metáfora inicial desta apresentação onde o mapa rico, desenhado com os fios e dissimilares traços da aranha tecedeira, este livro guarda a imagem da unidade possível, não unívoca, mas plural e múltipla, aliás marca identitária do autor, no fio sensível dos nossos mestres Craveirinha, White, reafirmando a qualidade, o vigor e a solidez da produção da linguagem na literatura moçambicana.

À terminar diria uma Penélope a tecer o encantamento de seu tempo, o gosto de lembrar para esquecer, e assim ser possível reeditar a cada dia o sentido do amor e da liberdade: Empresta-me o teu ombro para que as minhas lágrimas corram/Lentamente/Sem pressa/Assim devagarinho até onde o amor é.

Assim sendo, convido o estimado leitor a inscrever-se nesse tecido.

Muito obrigado

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