Monday, 14 April 2008

Canal Opinião: por Noé Nhantumbo,


Viagem do Mono ao Multipartidarismo

Dum lado a herança e as sequelas do outro lado a realidade

Beira (Canal de Moçambique) - As transições políticas em geral são complexas, dolorosas, lentas e muitas vezes inacabadas. O peso do fardo chamado de herança do passado é uma realidade presente todos os dias. Mesmo quando se diz o contrário, no íntimo e à superfície são visíveis as marcas deixadas pelo passado político em que se viveu. A democracia em construção no nosso país mostra exactamente isso em cada passo que dá. Se por um lado a adopção do modelo político democrático liberal foi uma imposição externa e um resultado directo de um conflito armado, por outro lado os beligerantes que acabaram assinando o acordo de paz, eram por natureza, forças políticas de filosofia diferente, pouco animada ou disposta a democratizar a cena política nacional. O partido governamental era uma entidade extremamente centralizada em estreita concordância com os preceitos do centralismo democrático, ditadura do proletariado como também, se denominava. Quanto ao outro beligerante, conhecia-se-lhe a sua natureza político-militar com um discurso político de direita. Mas o facto de ser um movimento militar deixava pouco campo ou espaço de manobra para tratamento democrático dos assuntos. A hierarquia militar e a sua força comandavam as operações mesmo se de política pura se tratasse. No partido governamental, embora o tempo tivesse tido a sua força erosiva, no aspecto de conseguir introduzir novos elementos políticos na equação, num ambiente em que antes tudo obedecia a uma hierarquia da guerrilha, ainda se podem ver sequelas ou mesmos marcas fortes desse fenómeno. É só ver como são escolhidos os chefes ou quem são os mesmos. Isso contudo não mudou o facto de que todos os líderes do partido terem no activo ou na reserva galões de generais. Estes condicionalismos históricos das principais forças políticas nacionais têm consequências que sobreviveram o fim da guerra. A democracia adoptada, o multipartidarismo instaurado, sofrem influências profundas do tipo de políticas e sua história politica. Não se muda da noite para o dia. Afirmar-se democrata é uma coisa, sê-lo na verdade é uma outra coisa raramente coincidente. As dificuldades, reticências, recusas, retrocessos no processo de implantação da democracia decorrem de toda esta carga do passado que as pessoas ainda se recusam a descarregar. Entre a democracia com todas as suas consequências e a manutenção no poder, a opção tem sido esta última também com todas as suas consequências. Por isso, combater pela democracia, diminuir as oportunidades para que a fraude eleitoral tenha sucesso, promover a tolerância e a aceitação da alternância democrática no poder, não podem parar ou ser encarados como algo que se faz somente uma vez. Todo o desenvolvimento e progressos desejados são ou serão parte desta viagem do mono para o multipartidarismo. As forças políticas, as pessoas que as constituem, possuem a oportunidade de antecipar ou atrasar a realização do projecto democracia e desenvolvimento neste país. Lideranças comprometidas com estes propósitos são uma necessidade permanente. Infelizmente isso rareia. Há muitos democratas de boca para fora. Mas quando chega a vez de demonstrá-lo fogem com o rabo a seringa ou como demónio que chocou com a Bíblia. Tudo o que se refere aos políticos torna-se evidente no seu quotidiano. Como poderiam ser democratas e agir democraticamente se no seio dos seus partidos procedem de modo ditatorial, centralizador? Hierarquias estabelecidas há dezenas de anos continuam determinando o que se faz, quando e como se faz. As aparências de democracia são mesmo só aparências. Os nomes até podem ter mudado e comunistas de ontem podem dizer que pertencem a Internacional Socialista. Não são só nomes que definem ou que determinam o que efectivamente as pessoas fazem. Depois, atendendo as ligações externas que existem entre as forças políticas regionais e internacionais, há toda uma tendência activa de agir por arrastamento e por influência desse facto. O chamado passado comum teceu alianças e forjou laços que por vezes resultavam unicamente da fonte comum no abastecimento com material bélico e material ideológico. No quadro de uma estratégia definida pelos protagonistas da Guerra-Fria viu-se partidos políticos africanos entrando em alianças que até hoje manifestam a sua presença, força e influência. Mesmo com o fim da Guerra-Fria declarado e aceite pelos protagonistas, EUA e Rússia, nada mudou do lado de cá quanto ao relacionamento estabelecido naqueles dias. Não é por acaso que se verifica o presente comportamento dos governos da região austral de Africa em relação ao desfecho eleitoral no Zimbabwe. A tendência activamente perseguida e evidente em quase todos os processos eleitorais na região, de privilegiar o jogo politico sujo, as manobras fraudulentas em detrimento de uma actuação política que respeite e promova os legítimos interesses nacionais e dos cidadãos, faz parte de uma estratégia com contornos regionais não casuais. Se a coordenação internacional entre os partidos que conduziram as lutas pelas independências é um facto, o que também deveria já ser facto é a mesma coordenação entre aqueles que são hoje os partidos da oposição em seus países. Sem essa conjugação só perdem os países e seus povos. Aquele silêncio cúmplice chamado de diplomacia pelos governos da SADC é uma realidade concreta que tem de ser contraposta com firmeza, seriedade e maturidade. Não se pode deixar nada ao acaso quando os outros estão afincadamente procurando e implementando estratégias maquiavélicas visando a sua permanência no poder. Até nem estão em jogo questões de filosofia ou de ideologia. O que prevalece em geral é a questão do poder, do poder em si, por todos os meios concebíveis. O que está em causa, aquilo que os cidadãos jamais devem ignorar e menosprezar é que os políticos são animais que devem estar sob olho o tempo todo. São os cidadãos que com a sua crítica e o seu voto vão permitir que a democracia se concretize, que a alternância no poder seja possível, que nenhuma minoria se considere e actue como dona e senhora dos países.
(Noé Nhantumbo)
CANAL DE MOÇAMBIQUE – 14.04.2008

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