Por Ricardo Santos (*)
Sismografia Social do Pão e Circo
Maputo (Canal de Moçambique) - Tornou-se incontornável discutir o efeito que o binómio biocombustíveis e reservas mundiais de cereais causa nos preços ao consumidor dos produtos da cesta básica da população moçambicana.
Moçambique, totalmente dependente da importação de crude e com um déficit permanente em reservas alimentares desde os finais da década setenta, é o candidato ideal às ondas de choque dos já sacralizados sismos sociais.
Para agravar a situação, a integração regional na SADC e a crise energética da África do Sul, com repercussões na sua indústria transformadora, contribuem para o agravamento dos preços de bens alimentares no país da Marrabenta.
Verifica-se um disparo acentuado dos preços, de maneira especulativa, se levarmos em conta que, muito do que hoje se vende, já se encontrava em stock à vários meses, como facilmente se comprova confrontando a validade das mercadorias.
Notável também, é a inflexão que tanto o Banco Mundial como o FMI fazem agora em relação à sua receita económica para Moçambique, quando admitem, sem reservas, que o bom desempenho macroeconómico não se reflecte na vertente social.
Em suma, um desempenho macroeconómico que, elevado à escala global, não favorece nunca o povo de Moçambique, mesmo abraçando este os objectivos do combate à Pobreza Absoluta, o qual nunca passou da retórica à prática.
É uma inutilidade ver políticos e sismógrafos sociais a chorar agora pelo leite derramado, falando de coisas que toda gente sabe, quando o que falta é passar à acção. Porque sempre houve alternativas à qualquer agenda nacional de governação, mas nunca coragem e competência para aplicar medidas correctivas e doseá-las na proporção certa.
Até no senado da Roma antiga, sempre que o Império estivesse perante uma sublevação popular, a metáfora mais usada entre os fazedores de leis para encontrar paliativos sociais era Pão e Circo. Ora, o que os nossos sucessivos governos têm vindo a fazer aos seus concidadãos é retirar o pão e dar muito circo para uma plateia de desesperados.
Concordo com o economista Castel-Branco quando compara o crescimento do PIB do nosso país a um utente de um ginásio. Quando este se exercita e não faz o balanceamento correcto da sua alimentação a tendência é inchar (crescer rápido) o físico. Mas, se o mesmo utente fizer um balanceamento alimentar correcto, isso resultará em musculatura definida (crescimento lento, mas estável).
Com efeito, o nosso balanceamento económico é em mais de 50 % determinado por grandes investimentos como a MOZAL e a SASOL e, uma larga fatia do nosso OGE ainda resulta de doações externas, logo – por todas as razões deste mundo (e muitas outras) – o crescimento do nosso PIB é ainda devido ao dinheiro dos outros.
Estranha regra de três simples, que agora produz resultados surpreendentes na nossa panificação social, reflectindo-se propositadamente na proposição: semear ou não semear jatropha? Que se tornou no maior pesadelo dos defensores dos biocombustíveis em Moçambique, aquém, o tempo se encarregou sabiamente de mostrar que há muito mais por fazer na Agricultura para além de crude vegetal.
Nomeadamente, apostar prioritariamente na produção interna de cereais, mas não fazer disto um acto administrativo isolado e insustentável.
Não é aceitável que cheias sazonais, ainda por cima causadas por uma barragem que é nossa, destruam mais provisões de cereais agora, do que em anos passados. Não é admissível que cereais apodreçam no norte, quando no sul da nação, a fome dizima seres humanos. Não é concebível que se encoraje camponeses a plantar tabaco e suruma numa região cerealífera e frutífera por excelência, apenas porque estas duas culturas de rendimento é que têm mercado no estrangeiro.
O Governo não pode refugiar-se no papel de mero espectador destes fenómenos do país real de 90 % da população, ou então escudar-se na tese peregrina de que não regula o preço do trigo, porquanto numa economia de mercado o Estado não impõe os preços, porque até nem é essa a grande questão.
O que está em causa, é reduzir de vez a influência nefasta que os especuladores de preços a grosso e a retalho têm na oferta do cabaz alimentar mínimo da população.
Se houvesse centros logísticos estrategicamente colocados no país para absorver, armazenar e escoar produção cerealífera interna, preservando-a de intempéries, seria um excelente trade-off para encorajar os produtores de cereais a não abandonar a sua produção em favor da jatropha, tabaco ou suruma.
Com o muito dinheiro já gasto na reabilitação ou construção de estradas que ficam esburacadas no primeiro aguaceiro ou que vão dar a lado algum, melhor teria sido apostar em ramais ferroviários, ligando preferencialmente os locais de produção de cereais, legumes e frutas aos supracitados centros logísticos e passar a iniciativa de construir auto-estradas e estradas regionais preferencialmente aos privados e autarquias locais, que se encarregariam de geri-las e mantê-las como melhor entendessem. E se estes quisessem ir às suas farms de avioneta, que construíssem as suas pistas também. Penso até que, a relação custo-benefício entre as soluções rodoviária e ferroviária em Moçambique é do ponto de vista comercial (mas não necessariamente turístico) mais favorável às locomotivas. Pese embora o Turismo seja muito importante para o país, é evidente que não sobreviverá num ambiente de instabilidade social.
Na área comercial, é necessário que finalmente se apoie empresários genuínos, se estabeleçam balizas concorrenciais e as façam cumprir judicialmente. As grandes superfícies comerciais são naturalmente importantes para o país e deveriam até, abastecer-se da produção agrícola interna, mas há despesas incomportáveis com a qualidade da mesma, que poucos agricultores Moçambicanos estão dispostos a arcar, por isso, é com o pequeno retalhista que esta estratégia melhor irá funcionar.
Mas pouco faz o Ministério do Comércio para educar os retalhistas moçambicanos a aprender a fazer negócio. É preciso ensinar o bê-à-bá comercial aos nossos actuais e vindouros empresários. O ritmo de falências que temos vindo a assistir, sobretudo na área de serviços, é sintomático e põe a nu a sua incapacidade empresarial ao confrontarem-se em mercado aberto com os seus homólogos regionais, muitos destes já instalados em Moçambique e protegidos por um franchising fenomenal.
A intervenção do Governo deve ter no horizonte a criação de uma reserva estratégica nacional de cereais, fruta e leguminosas directamente controlada por si, para contrapô-la ao mercado especulativo nacional e regional. Tomando como exemplo, Portugal, Espanha e Brasil criaram até organismos específicos para lidar com o assunto. Nos EUA e Canadá a situação é ligeiramente diferente, mas o conceito reserva estratégica do crude aos cereais é válido.
Nesses países, o Estado abre periodicamente as suas reservas estratégicas, inundando o mercado com produtos a preços justos, fazendo com que os especuladores sejam obrigados também a vender os seus produtos mais cedo e mais barato, ou então abrem falência. Com isto, ganha o consumidor com a maior oferta e a dinâmica da economia de mercado prevalece.
A consequência primária deste acto de soberania é resguardar a população desses países dos choques que as bolsas de Valores e os oligopólios internacionais causam ao variar sistematicamente o preço do crude ou do alqueire de trigo. Não consta que algum americano tranquilo tenha deixado de comer o seu Cheeseburger por causa do preço do crude ou das novas tarifas do Cazaquistão.
Obviamente, para viabilizar esta estratégia, é sempre necessário um endividamento nacional e um reescalonamento em prazos economicamente aceitáveis. Mas, oferecem-se várias alternativas a Bretton Woods. E Moçambique, já mostrou saber usar criatividade financeira ao negociar o dossier Cahora Bassa a contento. Pelo que, recorrer a empréstimos da China ou Índia para este alavancar social até se justificaria no momento. E se o empreendimento abrir a sua gestão a uma parceria privado-Estado, mediante um concurso público imparcial, preservando o Estado uma golden share, a soberania nacional nunca ficaria em causa e acrescentaria valor económico ao mesmo. O PRESILD de Angola é um estudo de caso interessante para ajudar-nos a escolher o melhor caminho. Já era tempo do Ministério do Comércio despachar uma task-force conjunta de tecnocratas e sismógrafos sociais à Luanda para ir aprender algumas coisas interessantes... (*) Ricardo Santos / Analista de Sistemas
'I fought for years to correct my dad's death certificate - but still
haven't buried him'
-
Families tell of their lost loved ones as a new film stirs up memories of
Brazil under military rule.
1 hour ago
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