Monday 11 February 2008

Machado da Graca

O rebentar da caldeira

No momento em que escrevo Maputo acaba de sair de um pesadelo duplo: a selvajaria que ocupou as estradas e as vias de acesso ao centro da cidade e a total incompetência das forças policiais para enfrentarem os acontecimentos. Tudo isto me lembra uma caldeira, numa fábrica, a que um grupo de incapazes foi dando cada vez mais pressão sem ter nenhuma ideia de qual era a capacidade de aquela caldeira aguentar sem rebentar.
Para os aprendizes de governantes da nossa classe política se a caldeira não rebentou até agora, é possível continuar a aumentar a pressão porque ela não vai rebentar nunca. Erro crasso, como acabamos de verificar. E, é sabido, quando a caldeira rebenta, as vítimas não são apenas aqueles que, irresponsavelmente, estiveram a aumentar a pressão. As vítimas são todos os que estão perto e mesmo aqueles que só por acaso iam a passar por ali.
E creio que foi isso que aconteceu. Desde há muito que andamos a demolir os direitos dos trabalhadores, conquistados depois da independência.
Desde há muito que ninguém se preocupa com o crescente abismo entre os que nada têm e aqueles que esbanjam riqueza, de forma ostensiva, à frente de todos nós. Desde há muito que o Governo não se preocupa, ao tomar medidas que pioram a situação da população, com a forma como essas medidas irão ser encaradas.
A tese tem sido de que o povo moçambicano é um povo pacífico e, portanto, pode-se fazer tudo contra ele que ele vai manter-se humilde e sossegado.
Mas, não há muito, o Dr. Lourenço do Rosário levantava a dúvida: Será que o povo moçambicano é um povo pacífico?
Hoje, a resposta a essa pergunta é, obviamente, não. Qualquer pessoa atenta ao que se passa no mundo tem assistido à subida dos preços dos combustíveis no mercado internacional. E, parece óbvio, deveria ter percebido que isso se iria reflectir entre nós, mais tarde ou mais cedo.
Mas as nossas autoridades não parecem ser pagas para prever situações. Preferem deixar as coisas explodirem para depois começarem a pensar em possíveis soluções.
Ninguém se preocupou em pensar qual seria o efeito desta subida no preço dos "chapas", tão pouco tempo depois da subida forte do preço do pão.
Como a maior parte desses dirigentes tem o pão, e a manteiga, pagos por todos nós e, no carro do Estado, nem sabem quem paga o combustível nem quanto é que ele custa, é-lhes muito difícil pensar que isso possa ser um problema para alguém. Para muitos alguéns.
Para muitos milhares de alguéns.
Além disso, se formos ver com atenção quem são os donos dos "chapas", vamos verificar que são os mesmos, ou amigos e camaradas, de quem se senta do outro lado da mesa, representando o Governo, nas negociações sobre os preços dos transportes. Negoceiam lá entre eles.
Mas as medidas de fundo que poderiam resolver os problemas vão ficando eternamente adiadas, para não ferir os interesses dos camaradas empresários.
Será que os comboios a partir da periferia continuam a funcionar, como foi prometido depois da última crise deste tipo?
Porque será que os Transportes Públicos de Maputo têm uma frota que é menos de um terço do que seria necessário para servir devidamente a população?
Isto para não irmos a questões mais de fundo. Por exemplo, no preço que o cidadão paga pelos
combustíveis, que percentagem é formada por taxas e impostos? Não se poderia baixar essas taxas e impostos para diminuir a subida dos preços?
Eram estas questões que gostaríamos de ver respondidas em vez da desculpa simplista de que,
subindo os preços internacionais, não temos nenhuma outra solução senão subir os preços internos.
Mas tudo isto implica tempo para pensar em soluções e estes nossos dirigentes pouco tempo têm
para isso, dado que a maior parte do dia é gasta a pensar no seu enriquecimento pessoal.
E, nesse tipo de pensamentos, a população pouco mais conta do que se fossem mão-de-obra gratuita, como há bem pouco tempo verificámos numa tristemente famosa empresa de exportação de flores.
Enquanto a mentalidade de grande parte dos que vão para o Governo for governarem-se em vez de ser governar, não nos admiremos com a repetição deste tipo de explosões populares, com todo o seu cortejo de vandalismo e oportunismo.
As coisas atingiram um ponto em que, dificilmente, poderão voltar completamente para trás.
E, é bom não esquecer, as forças policiais mostraram uma completa incapacidade para defender o "status quo".
E quem esteve na rua deve ter percebido bem essa fraqueza.

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