“Livrança em Moçambique: Embaraço ou Vergonha Nacional?” é um texto de autoria de Raúl Chambote. Em honra e agradecimento aos comentadores do artigo, transcreve-se fielmente o conteúdo e forma dos comentários dos Drs. Machatine, Sérgio Vieira e Ilídio Nhantumbo. Todavia, Raúl Chambote assume a responsabilidade de retoque quanto à acentos e retirada de letras a mais nos textos dos comentadores.
Boa leitura
Dr. Machatine Ndlovu comenta nos seguintes termos:
VESTÍGIOS E SAUDOSISMO PARA SOBREVIVER
Caros amigos,
Tentei resistir comentar o óbvio. Mas depois decidi comentar o artigo roubando comentários.
Chambote tem que ser felicitado de facto por ter-nos alertado mais uma tarefa no processo da descolonizacão. Fiquei profundamente emocionado com o Ilídio a recordar o Saudoso Marechal Samora Machel e suas perspectivas da remocão dos vestígios do colonialismo. Essa figura lendária sabia da complexidade da descolonizacão, sobretudo das suas fases. A fase que exigia mudanças bruscas e penosas = A REVOLUCÃO, requeria homens de postura, bravura e carregados de humanismo raro. A outra fase, segundo o Marechal, é a mais difícil e requer homens de paciência rara, astutos pensadores, estrategas afinados de fazer inveja a Clawzewitz, Sun Tsu e o General Vietnamita Giap = DESENVOLVIMENTO. Cada uma destas fases tinha de permeio a CONSOLIDACÃO dos ganhos.
Samora Machel não cantava A LUTA CONITNUA, sentia-na. Tinha conteúdo esta palavra que hoje não passa de onomatopeia para muitos e, pronunciada com receio pelos contemporâneos de Samora. Uma "cobardia" forçada para não ferir quem desembolsa os fundos hoje e que não nutria simpatias com o nacionalismo Samoriano. Qual é o conteúdo deste conceito inocente (A LUTA CONTINUA) mas vivo e resistende da caducidade? Creio que o que o Raúl Meneses Chambote lembrou, porque não descobriu, faz parte de um lote de coisas que a geracão de Samora, Mabote, Dik Tongane (Fernando Matavele), Tazama e outros herois não cantados não sei porquê, deixaram para as geracões do respeitoso camarada Sérgio Vieira (coristas da música Samoriana) e os mais recentes produtos do Samorismo como Ilídio Nhantumbo e Raúl Chambote, deve CONTINUAR a remover como parte do processo da descolonizacão. De facto há muitas coisas ainda por fazer. Não nos devemos vacilar. O caminho é longo e terá mártires. Tentamos na toponímia. Ainda não concluímos.
Quanto aos hábitos gastronómicos... lembro -me de um dirigente Africano detestado no Ocidente e sorrateiramente detestado entre Africanos quando cossados com a Diplomacia de Cheque Branco. Esse dirigente, numa conferência mundial sobre o desenvolvimento sustentável dizia, e parafraseio, podem ir com o seu trigo, arroz e bife à metrópole que ficaremos a comer massa de milho com vegetais locais. (Let them go with wheat, rice and metropolitan beef. We shall remain eating maize pap and vetetables) ou em lingual materna desse dirigente, Ngavaende zvavo ne hwit. Tino sara te chidga sadza ne chomoria (Shona/Manyica). Lembro-me também de um dirigente desta região da SADC tentando vender a ideia do Panafricanismo moderno buscando a filosofia do Renascimento. Ele advogava o valor do saber do Africano, de seus hábitos alimentares e de vestir, que eram muito económicos e querendo pouco inputs internacionais. Criticava gravata enquanto ele próprio estava engravatado. Que saudades dos irmanos Cubanos!!!!! gravata não é com eles. Ora, de facto temos muito de valor em nós mas, que descobrimos graças as conquistas da cultura dos outros. A Lingua Portuguesa não é um vestígio do colonialismo; o prato do bacalhau não é vestígio; apreciar um bom vinho seja ele do Porto ou Alentejano (sei lá onde isto fica), não é vestígio do colonialismo. Tudo isto são conquistas culturais que só aperfeiçoando nos vingamos dos Portugueses por alguma vez terem ousado usar isto para nos estorquir da nossa terra. Mas há coisas que atentam o cerne da nossa soberania. A Livrança e o Selo Fiscal que dá a autenticidade de que sou cidadão desta terra (Moçambique) ... ah isso não. Por favor Ministério das Finanças e sua Inspeccão não procurem apenas prevericadores nacionais, procurem também o que atenta contra a honra do cidadão.
Temos que nos lembrar do Gunner Murdal e o Drama Asiático: o poder do discurso na perpetuacão da dependência. É verdade que conquistamos o Português. Mas através dele mantemos certas ligacões umbilicais com Portugal. CPLP e PALOP orgulho de quem? As palavras existem para serem dado conteúdo. Falamos Português, mas cantamos com ele a Marrabenta, e o Hino que exalta a derrota dos Portugueses em Moçambique. Não cantamos Fados e Herois do Mar. Os Portugueses de hoje são tão bons que muitos deles nem querem saber da sua recente história. Mas se não nos precavermos, as nossas línguas correm o risco de sumir e não saberemos escrever o nome original de Kahora Bassa (vá ganhar emprego).
Quanto as Cahora Bassa, Khabora Bassa.... Antes de eu ir me juntar aos Chissanos, Chipandes, Hama Thais e Sérgios Vieiras e muitos outros que foram meus mentores (MUITO OBRIGADO CAMARADA SÉRGIO) na primeira metade dos anos 1970s, meu pai havia sido preso por recusar trabalhar para pagar imposto, JETI em minha língua Ndau, e preferir ir COHORA BASSA (receber trabalho ou emprego) onde se faziam bichas mensalmente para ser contratado. Este lugar situava-se em Tete. Esta última palavra já era sinónimo de Turras pois a guerra já estava quente lá. Corrijam-me os compatriotas Nyungwe, mas para mim Cahora Bassa rima a ENDA UKAHORA BASSA - Vai receber emprego. Os Portugueses no seu estilo característico de corromper as nossas línguas, rimava bem KAHORA BASSA ou Cabora Bassa. Será? Acho que o novo PCA de HCB entanto que historiador, poderá nos ajudar a curar esta amnésia imperdoável.
Funerais, ah... isso já é característica do Africano. Sabem que no Ghana as urnas tem diferentes formatos? Sabem que no Botswana os bancos comerciais ganham mais dinheiro pelos empréstimos para funerais e casamentos? Moçambicano que não demora copiar, exibe riqueza obtida honesta ou duvidosamente, nos funerais. A humanidade vive de mitologia. Sem ela enfrenta-se uma crise de identidade. O mito ou enigma, é fabricacão do Homem na sua infindável curiosidade. O que não sabe pertence ao indizível residente no transcendental (Lembre-se do Russel e Kierkgaard). Ora o vinho marcou geracões que testemunharam eventos de dimensão civilizacional - a escravatura e a invasão dos homens do além mar. Ora, os símbolos mais característicos eram a sua gastronomia peculiar que se regava de um líquido animador e despertador das conversas - o Vinho. A melhor forma de lembrar esses seres humanos invadidos, é oferece-los o que a sua vivência testemunhou. Daí o vinho, meu caro Ilídio. Desculpe o Professor Luis Covane, Arlindo Chilundo e Fransciso Kossa (Hungulane ba ka Kossa) por não me lembrar bem da história. Não é culpa deles. Mas creio que o vinho, e Canhu cumprem este dever sagrado para com os defuntos. Por isso não é vestígio... é uma conquista.
O mais importante nisto tudo é que o Raúl Chambote acabou se revelando soldado no combate prolongado pela descolonizacão efectiva, antónimo de ocupacão efectiva. Respondeu a vóz de Comando do Marechal Samora Machel: CAMARADAS, A LUTA CONTINUA!
Até breve, aquele abraco amigo
João Machatine Laimone NDLOVU
Quarta-Feira 30.01.2008
Dr Sérgio Vieira comenta nos seguintes termos
Meus amigos,
Praticamente não se utilizam as letras ou livranças hoje, na actividade bancária.
De todo o modo a observação do Chambote está correcta, porque nada justifica que o Estado mantenha essa herança e ainda por cima ao preço dum já inexistente escudo que sucessivamente se substituiu pelo MT em Moçambique e pelo Euro em Portugal. Hoje, 1$00 não dá para pagar sequer o papel. O Ministério das Finanças herdou toneladas desse papel inútil. Felicito o Chambote e agradeço por esse alerta.
Nas impostas ou não impostas micesgenações étnicas e culturais nada guarda a sua pureza original.
Na povoação tirávamos o calçado ao entrar na palhota ou sentarmo-nos na esteira, pois ninguém põe o sapato por cima da cama, ou da mesa em que come. Na cidade, quando se entra para se dar os pêsames tiramos o sapato, os donos retiraram a cama e cadeiras tudo substituindo por esteiras e as senhoras põem capulana fazendo desta um traje de luto.
Na povoação quando se ia a um funeral, porque se caminhava muitas horas ou dias, cada um levava a esteira e manta para descansar e comida para se sustentar.
Hoje, na cidade, instalam-se na casa do defunto durante 8 dias e come-se e bebe-se do melhor, fazendo do tomar um chá ou do lavar as mãos um banquete festivo.
Nos funerais e casamentos o moçambicano gasta o que não tem e depois das cerimónias que se avenham os donos que quiseram exibir!
Não sendo muito adepto do vinho do porto, prefiro um bom tinto alentejano, mas lembrando-me sempre que os vinhos viajam mal e para se conservarem, os tintos, devem estar deitados, às escuras e a 12º de temperatura no máximo. Por isso os guardo na geleira.
Ignoro as razões que levam os linguistas a substituírem o português C pelo britânico K quando se escreve Cahora, por isso até necessitam do KH. Talvez, porque os portugueses só tardiamente estudaram as nossas línguas, enquanto os missionários protestantes queriam levar a bíblia para os nativos na sua língua quotidiana. Enfim, vamos moldando a passos à frente e para trás o futuro.
Um abraço,
Sérgio Vieira -----Quarta-Feira 30.01.2008///
Raúl Chambote responde a Ilídio dizendo:
Caro Ilidio
Muito obrigado e meus parabens pelo comentário. Você tem sido a pessoa que mais vezes comenta, analisando parágrafo por parágrafo o que escrevo. Olha que o ISRI nos providenciara esse tempo de debates. Mantenhamos viva a chama. Tenho mais subsídios para mais um artigo. Mas antes disso, deixa dizer-te:
Seu comentário revela maturidade de análise, que duma forma ou doutra ou, nos torna conformistas com a situação ou, nos leva a questionar com vigor e rigor o quadro averiguado de situações: língua, moeda, vestuário, bebidas....uhmm selos também, me esqueci de fazer scan destes para mostrar onde e como navegamos,...biblia também. Meu, vais dizer que já estou a pisar linha-vermelha.
Caro Ilídio, o que acha dos Funerais Festivos em Moçambique? Sabes que come-se e bebe-se do bom e do melhor na maioria dos funerais em Moçambique. É vestígio colonial ou um vício que surgiu do nada? Consta-me dos escritos de Eça de Queirós, que havia carpideiras em Portugal. Era um grupo de senhoras contratadas para carpir/chorar o morto porque os familiares não podiam chorar, ou porque não tinham como produzir tais lágrimas, ou havia outra razão qualquer que nem sei.
Voltarei
Raul Chambote -----Quarta-Feira 30.01.2008
Ilídio Nhantumbo comenta nos termos seguintes:
Caro Chambote,
Em primeiro lugar queria solidarizar-me com as pessoas vítimas deste embaraço/ vergonha? Nacional, particularmente consigo.
Achei impressionante a maneira súbtil como procurou buscar um facto, sem argumento contra, para provar que existem ainda vestígios do colonialismo português em Moçambique. Seria interessante procurar saber quem continua interessado em manter vestígios tão fáceis de remover que não precisam de endividar o Estado como aconteceu com Cahora Bassa.
Penso que em algum momento os assessores dos nossos dirigentes deviam assinar os discursos que fazem ou a co-autoria dos mesmos. Os nossos dirigentes também deviam rigorosamente examinar os discursos que leêm. Na verdade, gostaria de conhecer a perspectiva do assessor que inventou esse discurso de último reduto/vestígio do colonialismo português em Moçambique com a compra, dita reversão, da Hidroeléctrica de Cahora Bassa.
Me parece tarefa desenquadrada estar a falar da remoção de vestígios do colonialismo em Moçambique e mesmo em África no geral. Vamos sim capitalizar a satisfação do interesse nacional/geral com actos e investir menos nesse discurso. Alguns dos vestígios do colonialismo que se pretendem removidos são parte do nosso dia-a-dia. Não nos esqueçamos que a LAM estave interdita de sobrevoar o espaço francês. Que espaço francês? Se não estou em erro, são as Ilhas Francesas do Índico. Que vestígios pretendemos remover? Aqueles que nos lembram dominação ou humilhação? Aqueles que põem, ferem com a soberania do Estado? Que soberania?
(In)felizmente, estou usando um vestígio do colonialismo para comentar o seu artigo. Gostaria muito de comentar em Sena, Chope, Macua ou qualquer outra língua nacional. Sei que Cahora Bassa é uma tentativa de aportuguesamento, localmente não se diz assim. Deve ser algo como Khabora Basa. Contudo me orgulho de também poder expressar-me num vestígio do colonialismo que se pretende removido.
Se o meu caro Chambote teve informação sobre este vestígio do colonialismo (Livrança), muito provavelmente, depois foi pedir empréstimo bancário de capital não nacional. Não sei se constitui ou não vestígio de alguma coisa. Será mesmo altura para falarmos da remoção de vestígios do colonialismo? Se for na perspectiva Macheliana, mesmo Cahora Bassa ainda constitui vestígio do colonialismo. Pois, para o saudoso Marechal, a dominação não devia vir nem do ultramar, nem da vizinhança.
O vinho consumido em Moçambique (lembre-se que até nossos antepassados exigem vinho nas cerimónias tradicionais), não sei se devia ser removido. O vinho que os nossos antepassados beberam e sob seu efeito aceitaram ou foram manipulados a aceitar determinados pactos, parece ser da mesma proveniência. Por favor, caro Chambote, a próxima que convidar-me para um jantar, ignore o que estou a dizer e sirva-me bom vinho, de preferência, o do Porto.
Mais não disse,
Saudações académicas!
Nhantumbo -----30.01.2008
Compilado por: Raúl Meneses Chambote
P.S. Envie seus comentários para: raulchambote@hotmail.com
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