A situacao no Quenia continua tensa apesar do abrandar de accoes violentas! depois da reportada morte de mais de 600 pessoas, sera que o Quenia voltara a ser aquele oasis de paz e crescimento economico? continuara o Quenia a ser a capital da Africa Oriental? Continuara a ter a forca moral para exigir um lugar no Conselho de Seguranca das Nacoes Unidas ao lado de uma Nigeria, Africa do Sul ou Eipto? voltara o Quenia a ficar em pe? levantado e explorado o fantasma etnico alguem conseguira adormece-lo?
Quantos mais Quenias teremos nos proximos dez anos?
Estas sao pequenas inquietacoes que gostaria de partilhar consigo. Para mais detalhes da crise no Quenia, nada melhor que embarcarmos numa viagem, conduzida pelo correspondente da BBC em Nairobi Adam Mynott:
Prosseguem no Quénia os esforços para resolver a crise surgida a seguir às polémicas eleições gerais de finais de Dezembro. Desde o anúncio dos resultados das eleições, mais de 480 pessoas foram mortas em actos amplamente vistos como tendo sido de violência inter étnica. Mais de 250 mil quenianos fugiram das suas casas.
Gangs saíram às ruas à procura de pessoas de etnias rivais
Kangemi é um degradado bairro de lata à beira da estrada de saída da capital, Nairobi, em direcção a Naivasha.
Sob os tectos de zinco e por detrás de frágeis portas de madeira vivem 100 mil pessoas. Estes são os mais pobres entre os pobres do Quénia.
Muito poucos têm empregos permanentes. A criminalidade, a SIDA e a tuberculose estão por todo o lado e afligem sobremaneira os residentes de Kangemi.
Martin Seth, a sua mulher e cinco filhos vivem aqui num quarto de 3X3 metros. Todos eles dormem numa só cama.
Cozinham, comem, brincam, lêem, ouvem a rádio, conversam, adoecem, melhoram, riem e choram neste exíguo espaço.
Preconceito latente
Falei com Martin no dia 28 de Dezembro de 2007 - o dia a seguir às eleições. Ele tinha um sorriso rasgado no rosto. Acabara de receber o bónus de Natal.
A mulher, grávida, acabara de regressar de uma visita à família, na região ocidental do Quénia.
"Sou um homem feliz," disse-me.
Perguntei-lhe: "Em quem votaste? No Presidente Kibaki, como da última vez?"
"Não," disse, com o sorriso a abandonar-lhe o rosto.
"Jamais voltarei a votar nele. Ele não é dos nossos."
"Que queres dizer com isso?" perguntei.
"Tu entendes - ele não é do meu povo."
Esta foi a primeira vez, nos quatro anos que conheço Martin, que vira nele um vislumbre de preconceito étnico.
Erupção da violência
A etnicidade está profundamente enraizada na vida no Quénia. Seria ridículo desmentir isso.
Todo o queniano conhece a sua tribo e sente, com toda a naturalidade, um grande orgulho das suas origens.
Existem mais de 40 tribos no Quénia. Algumas, com os Kikuyu, são vastas. Outras são reduzidíssimas.
Mais de 250 mil quenianos abandonaram as suas casas
A hostilidade entre diferentes tribos pode ocorrer subitamente. Esse tipo de violência tem as suas origens em disputas sobre terras, água ou pastos - não em xenofobia.
Mas agora Martin estava a recorrer a sentimentos que haviam permanecido latentes.
"Eu sou da etnia Luyah," disse-me. "Os Luyah e os Luo juntaram-se para correr com os Kikuyu do governo."
Etnias quenianas
Kikuyu: 22%
Luhya: 14%
Luo: 13%
Kalenjin: 12%
Kamba: 11%
Kisii: 6%
Meru: 6%
Outras: 15%
Raila Odinga, o líder da oposição que alega ter vencido as eleições, é Luo. O seu adjunto, Musalia Mudavadi, é Luyah.
Ao que parece, no dia 30 de Dezembro, alguns minutos depois de Mwai Kibaki ter sido confirmado e empossado como presidente para um novo mandato de cinco anos, esses sentimentos étnicos latentes irromperam de forma cruel, arrepiante
e chauvinista.
Eventos doentios
Tudo começou com notícias de que se registavam bolsas isoladas de violência nos bairros de lata de Nairobi.
Em Mombaça, a segunda cidade do Quénia, circulavam informações de que gangs de jovens se haviam envolvido em violência na cidade de Kisumu, na região ocidental do país.
A minha mulher recebeu um telefonema de Martin.
"As coisas estão más por aqui, muito más," disse ele, antes da chamada telefónica cair.
Tentámos, durante toda a noite, telefonar-lhe mas o seu telefone não funcionava. Eventualmente, conseguimos falar com ele na tarde do dia seguinte.
Ele disse-nos que várias casas haviam sido destruídas em Kangemi.
Grupos de jovens pertencentes a tribos que se haviam unido para apoiar Raila Odinga saquearam o bairro e queimaram, de propósito, propriedades pertencentes a Kikuyus.
"Estou com medo. E, no meio desta confusão, a minha mulher deu à luz o nosso filho. Estamos muito preocupados sobre o que nos poderá acontecer. As pessoas estão a ser mortas," disse-me Martin.
Cenas similares estavam a ocorrer noutras regiões do Quénia.
As ruínas da igreja em que 30 pessoas foram queimadas vivas
Mas só 24 horas mais tarde é que os horrores despoletados pela crise eleitoral se tornaram aparentes.
O assassinato de cerca de 30 pessoas, muitas delas crianças, queimadas até à morte no interior de uma igreja nos arredores da cidade de Eldoret expôs a depravação do espírito humano.
País em perigo
Fiquei mais ou menos informado sobre o que se estaria a passar em Eldoret quando Lucy, uma amiga, me telefonou para dizer que tentara conduzir para essa cidade, situada na região de Rift Valley, para socorrer um colega apanhado no meio da violência.
Ela partiu para a cidade com um amigo, da etnia Kikuyu. Pouco depois de terem deixado a estrada que liga Naivasha e Kisumu e entrado na via em direcção a Eldoret encontraram o primeiro "posto de controlo."
Tinha quatro ou cinco jovens. Lucy disse que nenhum deles parecia ter mais de 14 ou 15 anos.
"Há algum Kikuyu no vosso carro?" perguntaram os rapazes. "Se houver, vamos matá-los."
Lucy fez meia volta e regressou a Nairobi.
Em Kangemi, Martin diz haver agora uma revolta contra membros da sua tribo e contra outros que não votaram no Presidente Kibaki.
Ele agora dorme fora de casa por recear que a queimem durante a noite. Junto ao colchão ele guarda uma pesada barra de ferro. Ele e os amigos dormem em turnos.
"Se vieram atacar-nos, estaremos prontos para os receber," diz Martin.
O Quénia é um país que corre o risco de se dividir. Cada dia de distúrbios, violência e ódio poderá necessitar de um mês para sarar.
O filho recém-nascido de Martin, Raila, chegou ao mundo no meio deste terror e de matanças.
In BBC para Africa
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