Por Elisabete Azevedo-Harman, Chatham House, Londres
01/23/2015
Cheguei a Bissau para ‘trabalho de campo’ e sabia a teoria, mas não sabia como fazer a tal ‘ investigação’. Ele, já professor, recebeu-me com o mesmo respeito e paciência como se eu fosse uma conceituada professora doutorada.
Recordo que primeiro falámos num gabinete. Formais. Aproximava-se a hora de almoço e ele convidou-me para almoçar. Com um sorriso de teste, perguntou-me se eu queria almoçar onde almoçam os investigadores europeus ou onde o povo almoça. Lá fomos a uma tasca no meio de um dos bairros pobres. Acho que esta minha escolha foi um teste que passei com sucesso.
Fafali Koudawo, ex-diretor da iniciativa Voz de Paz e INTERPEACE
A conversa entre nós ia desde de lições elaboradas de ciência política como a discussões com humor sobre o que se passava à nossa volta. Durante essas semanas em Bissau deu-me conselhos e livros e encontrámo-nos várias vezes. Num dos “encontros-aula” disse-me sempre meio seguro e tímido que íamos à casa dele. Lá fomos. Era uma “casa-escola” improvisada.
Dr. Fafali era do Togo, mas adoptou a Guiné-Bissau como o seu país com muito carinho. A casa dele nessa altura estava cheia de crianças. Percebi a casa mesmo sem mesas e cadeiras era uma escola. As crianças do bairro ali estudavam e ele que podia ser professor em qualquer das melhores universidades do mundo ensinava o ‘A’ e ‘B’ com a mesma dignidade e respeito de estar a dar uma aula em Harvard. Sem vaidade mostrou-me a ‘escola’. Passei ali um dia e o tempo voou.
Depois foram anos e anos de correspondência. Uma das vezes veio à Europa e conversámos. Nos corredores duma universidade europeia era um distinto Professor, mas sempre modesto. A última vez que o vi foi no dia do golpe de estado em Bissau em Abril de 2012. Eu tinha passado a tarde com ele na universidade onde ele era agora o Reitor, Colinas de Boé da Guiné-Bissau.
Com o mesmo entusiasmo da “casa-escola” de há anos atrás, mostrou-me e apresentou-me alunos. Depois fizemos uma sessão de trabalho para escrevermos um livro em conjunto. Discutimos ideias e ideias. Combinámos reunir nos dias seguintes. Quando saí do encontro, estava a passar na rua da casa do primeiro-ministro quando as bazucas rebentaram. O golpe de estado tinha começado. Confusão, medo, pessoas a gritar, soldados e a incerteza.
O Prof. Fafali calculou pelo percurso que eu tinha sido apanhada na confusão. Nesse dia não conseguimos falar. No dia seguinte falámos ao telefone e como sempre aconselhou-me — sem dramatizar — a ficar quieta. Eu queria voltar a ir ter com ele. Ele disse que não. Nestas alturas quanto menos movimento melhor, disse. E no final do telefonema riu-se e disse teremos muitas oportunidades de falar e trabalhar…não tivemos. Morreu hoje.
Perdi um dos académicos por quem tinha mais respeito. A imagem e o entusiasmo dele naquele dia na pobre casa que era também escola improvisada foi sempre a minha imagem dele. O melhor livro sobre a transição política em Cabo Verde e na Guiné-Bissau é da sua autoria.
A Guiné-Bissau hoje ficou mais pobre, mas também a ciência política. Eu queria estar em Bissau para apresentar os meus pêsames à família e aos amigos.
Pode encontrar esta homenagem aqui.
No comments:
Post a Comment