Tuesday 15 January 2013

Suponho que o meu amigo Eduardo nao se importa se eu publicar este texto! Um abraco, MA



AS COISAS QUE EU GOSTARIA QUE O GOVERNO OUVISSE
POR Eduardo White

Tenho que ser homem todos os dias e poeta quando escrevo. Apesar de me pesar o primeiro, dói-me mais o segundo. Hoje é segunda-feira e a vida me chama e duras batalhas me esperam para que as enfrente. Suo, já, de percebê-las tão vivificadas, tão bem nutridas, tão prontas para me fazerem frente. Eu venho débil da poesia e o poeta, cuja insónia tanto me prejudica, nem percebe que necessito de descanso, que preciso desse repouso tão necessário às lutas que hoje pressinto travarei. Escreve desalmadamente como se  fossem todas as palavras esgotarem-se, todos os versos abandoná-lo. Chamo por ele mas nem disso se apercebe. Tenho o corpo cansado, os olhos avermelhados, a cabeça gasta de tanto tê-la emprestada. Entre a correria dos poemas que dele transcrevo, passam-me, tempestivas, as imagens do que tenho por realizar mais daqui a bocado, do que tenho que exercer para comprar cigarros e livros e as coisas necessárias para que a casa seja uma casa e nela possamos habitar-nos. Por outro lado, existe o amor que amamos. A mulher que nos mantém a amizade e nos suporta os maus humores, a desarrumação que fazemos, a preguiça que mostramos para os trabalhos domésticos dos quais nos abstemos. A mulher que amamos é o amor de que não nos furtamos, é essa energia que não pagamos, é esse equilíbrio que tanto necessitamos. Por isso, digo-lhe repetidamente:
Deixa que eu descanse para que possa ganhar o almoço, os livros, o tabaco, o whisky, as flores que temos para oferecer. E ele não me ouve e, por isso, eu bem gostaria de viver à custa dele. Todavia, é de todo impossível essa realidade. Bem que tentámos, mas são tão ruins os versos e são tão poucos os que ainda se leem que logo, logo, desistimos.
Vou eu trabalhar? Pergunto-lhe.
Vai tu, diz-me ele daquele seu ar altivo e daquela pobreza visível que não se lhe esconde. E eu olho-o só, olho-o só porque mais não tenho o que lhe dizer e porque, cá em casa, também, é o único facto que nos resta assim tão encantado. É um bom homem, este nosso poeta. E' um pouco desequilibrado, diga-se a verdade, no entanto, é também o nosso amor que me pede para que o deixe ficar, embora lhe pese a idade e o cansaço de não ter pensado naquilo. Este poeta é uma sombra que me persegue, é uma cruz que carrego. Ama quem amo, vive por mim alimentado e ainda lhe registo os filhos que procria na minha cama. Estou cansado. Verdadeiramente cansado. Não dele, que ele é um facto, mas das coisas que escreve, das horas que me rouba e, sobretudo, desse seu modo tresloucado. Não posso dizer basta. Não tento e nem por tentativa ouso. O amor necessita dele, o amor no seu todo, e se o poeta parte, esse infiel escrevinhador embriagado, a vida, aqui, não terá sentido, não será esse fardo que eu e o amor carregamos e que nos faz viver embora seja tão pesado.
Apesar de tudo, hoje o País que parece infeliz, acordou bonito e brilhante e a cheirar a maresia que o mar lhe traz. Olho-o da janela da flat aonde moro, da mesma janela aonde tanta vezes o choro e o celebro e o beijo e há uma luminosidade impregnante em tudo, até nos dois bêbedos que passam a caminho de casa, ou não ou talvez. Mas vão de mãos dadas e cambaleantes e há nisso uma certeza cumpliciada, a de serem felizes, assim, a de estarem tristes se for tal razão esse outro modo de se verem. Vão pela avenida cinzenta e molhada, deserta de muita gente mas habitada de tudo, dos pardais que nela debicam os restos do lixo, das flores sem nome mais abertas ao orvalho e à frescura que sopra como se Deus tivesse a boca aqui. E vão indissimuláveis, cantando, enquanto às janelas dois pais infelizes os invejam a liberdade e a coragem. Vão estonteantemente andando, presos a essa ébria amizade na qual a manhã os casa. Hoje e' um dia que até eu que não gosto e estou com a alegria à mesa embora me pese aqueles meninos na rua ao lado, esses filhos da falsa burguesia cujo destino seria a miséria mas o Pais não quis, que o sujam com a sua arrogância e com o pó que os seus carros levantam nos peões que dão e que a soruma faz. Estou com a alegria à mesa, dizia, e com ela converso e troco carinhos, porque, decerto, o dia terá um encanto mágico mesmo que alguns médicos que sempre estiveram em greve, no meu Pais, na ética a que faltam, na arrogância branca das suas batas, o demonstrem agora mais nitidamente e não se importem com os doentes que morrem, com as crianças que não terão direito a exercer os homens que serão amanhã, porque a greve é que está com saúde e elas não, como sempre, porque nunca a tiveram, mas o dia é mágico, torno a dizer, e é um dia bonito. Especial, hoje, porque não sei bem porquê, ou saberei mas ainda não percebi. Um dia que espero o amor prevaleça em tudo que ele tocar e seja dito e seja feito e seja exercido como se o País se fosse renovar, nas maternidades, nas fábricas que não param, nas padarias, nos transportes públicos, nos restaurantes, nas barracas, nas igrejas, nos cinemas, em todos aqueles lugares onde hajam homens e mulheres para quem este dia é um dia de trabalho e nós podemos passá-lo felizes e sem, injustamente, os lembrar. Bom dia a esses amigos e cidadãos e compatriotas, obrigado por esse dia fluminoso e obrigado a vocês, aí, e que hoje vos brilhe a alma como brilhara', certamente, o dia.
Por é m, há coisas que eu gostaria o Governo ouvisse. Acabei de escrever um texto sobre o que pensava iria ser, para nós,  o ano em que agora entramos face aos acontecimentos que se estão a dar. Um deles é este marketing todo que as estruturas governamentais estão a fazer, desde há um tempo a esta parte, sobre as riquezas que estão a ser descobertas no País, que toda a gente, de um modo ou de outro, sabia e sabe que há, mas não tinha a confirmação de um pronunciamento oficial. De forma que, agora, toda a gente tem talheres para o banquete e a mesa nem ainda esta' arrumada e nem o boi morto e já se começa a partilhar o que há e efectivamente não existe. Por outro lado, a riqueza que há e não é partilhável e que se ostenta por aí a torto e a direito, aos olhos de um Povo que o Poder pensa ter problemas de uma cegueira em avançado grau de progressividade, e que, em face disso, pouca importância dá ao que os menininhos nomeados para os cargos de alta direcção persistem em fazer, essas orgias de ostentação, essas falácias todas das suas argumentações quando tem que se justificar sobre o que fazem mal, está a levar o País para um estado de dilatação muito pouco saudável. Se há riqueza por explorar e o que se precisa é de trabalho para a trazer ao benefício social, também há a que já há e não é correctamente partilhada. Se não se redistribui o que se tem com equidade, certamente não se redistribuirá o que vai haver. E se uns usufruem dela, não é salutar que a maioria não comparticipe dos benefícios que ela da' e traz a essa pequena maioria que não se cansa de se mostrar sem pudor nenhum. Necessário é, quanto antes, que o Poder se administre de bom senso, se fortaleça de justiça e competência para que pare e se redefina nas suas linhas de orientação quanto à saúde do Pais, no seu todo. Cada vez mais nos abeiramos de uma violenta convulsão social, com resultados muito feios, e os meninos tecnocratas que abundam nas direcções dos Ministérios e enchem a língua do Povo com as suas histórias rocambolescas de excessos e excentricidades, deveriam pensar mais no futuro do que se masturbarem como se masturbam com as regalias que o presente lhes dá. Pelos vistos, e se eles pensarem bem, com tão poucos aviões que a LAM tem, caso haja a porcaria que estão a provocar, com a sua indiferença e arrogância, não lhes restarão lugares em avião nenhum que os salve por via aérea. E, deste modo, como estão distraídos a partilharem e a partilharem-se, nem repararam que por mar, então, só mesmo a nado é que se safariam se soubessem nadar, porque nem barcos se lembraram de comprar em todos estes anos. E o que parece, aqui, neste texto, uma brincadeira, pode tornar-se, de repente, numa realidade gritantemente assustadora. Já é tempo de se mexerem e darem-se ao trabalho de trabalhar ao invés de estarem sempre a lêr e a transcrever os mesmos relatórios que se escrevem há anos para nos dizerem o que já ouvimos, também, faz anos. E nem nisso são originais, esses senhores. Reflictam, analisem e ajam. O que precisamos é de um governo que aja de imediato antes que faça o Povo por ele. E aí, a coisa não me parece que venha a ter os resultados que teriam se fossem eles a faze-lo. Um barril de pólvora a pulsar desta maneira, como o é o nosso País, é passível de um estrondoso e explosivo acidente “cardiovascular”. E, por falar nisso, os médicos já estão na sua greve. E depois  temos quem? Os enfermeiros? Os estudantes? Os funcionários públicos? Bom, nem quero arriscar a dar palpites que me arrepio todo. Ponham-se a suar, por favor, e a fazer o que devem fazer a bem da Nação e do Povo. Este País merece um Futuro melhor, mas melhor para todos e não só para alguns.

1 comment:

Unknown said...

Parabens Manuel de Araujo pelo blog e ao Eduado White pelo texto, admiro a militância politica do primeiro e a qualidade literária do segundo,deixe me dizer que o trabalho critico intelectual requer coragem e precisa ser amplamente divulgado. A juventude precisa despertar e perceber a radiografia actual do pais, boa parte dela descrita neste texto. Oxalá a critica tenha chegado ao destinatário, se for ao bem do povo deixo ficar aqui um proverbio retroceder nunca, render se jamais