União Africana adormecida e impotente como sempre! Que
aniversário comemorar?
Há todo um conjunto de assuntos e questões que mesmo tendo a ver com
a União Africana ou com a sua antecessora, OUA raramente se tocam ou mencionam.
Referimo-nos precisamente a questão do comando do que efectivamente se
passa e acontece em África.
Não há país ou quadrante mundial que não tenha sido sujeito a conflitos e
lutas por esta ou aquela razão. A independência política, o acesso a recursos essenciais
para a vida, a defesa de portos e de terras, o acesso a água ou a qualquer
outro recurso julgado em determinado momento como vital levaram, a que comunidades
humanas, dirigidas por governos se digladiassem.
África último continente sujeito à colonização, prenhe de recursos, foi durante
muitos anos palco de conflitos entre potências colonizadoras que determinaram
o seu actual formato de fronteiras.
Etnias foram separadas, montanhas e rios foram utilizados
como elementos de fronteira, marcando espaços
geográficos dos países que agora existem.
Uma leitura da história recente de África é esclarecedora
quanto ao que foi determinando o rumo dos acontecimentos.
Após haver um consenso mais ou menos alargado
sobre a irrelevância da Organização da Unidade Africana,
os chefes de estado mais uma vez se reuniram e decidiram
extinguir a OUA e no seu lugar criar a União Africana.
Se há defensores de que nada mudou quanto a
substância da nova organização e da extinta, há que admitir
que pelo menos do ponto de vista formal alguma coisa mudou.
Os líderes africanos ou chefes de estado e de governo
entenderam fazer uma cópia mais ou menos fiel do
formato orgânico da União Europeia. Desse ponto de vista
as coisas saíram facilitadas. Mas só foi copiada a forma e
não a essência. Enquanto a União Europeia foi produto de
concertação demorada, referendos, articulação e finalmente
votação, em África toda uma miríade de regimes e formas
de governação foram aceites e admitidas. Desde a fundação
ou criação não houve debate algum significativo quanto à
importância de critérios de adesão e muito menos decisão
alguma impedindo a adesão e o gozo dos direitos de membro
para países que não cumprissem um mínimo pré-acordado
de critérios ou requisitos.
Perante a situação real que se vive só se pode dizer
que já existe um ponto de partida para acções futuras.
Países africanos colonizados por potências diferentes
são culturalmente diferentes e factos concretos como a
pertença a Commonwealth, Francofonia ou CPLP (lusofonia)
traduzem-se em diferenças acentuadas de percepção e
de acção. Os países que se tornaram independentes através
de processos de luta militar contra a potência colonizadora
tendem a ser e a posicionarem-se de modo completamente
diferente aos países africanos que acederam à independência
sem luta armada. As doutrinas do marxismo-leninismo
acompanhantes dos dirigentes africanos que passaram por
Moscovo ou que sofreram a influência directa dos conceitos
socialistas produziram alianças mais ou menos perenes
entre os integrantes dos movimentos de libertação africanos.
Quando se procura entender porque a democracia
floresce nuns países e não noutros, um olhar atento a génese
dos partidos que governam pode explicar muita coisa.
Onde começou por reinar um marxismo-leninismo pintado
de cores ditatoriais tipicamente africanas, no sentido de co-
piarem em parte a postura dos chefes tribais inquestionáveis,
verificam-se situações de arbitrariedades, ditaduras,
repressão das manifestações democráticas e ouça vontade
de ver materializadas as recomendações democráticas.
Embora não seja a maioria estes países constituem
uma massa crítica na política continental africana.
África do Sul, Angola, Etiópia, Moçambique, Guiné-
Bissau, São Tomé, Zimbabwe, Namíbia, Argélia, Líbia,
República do Congo, Burkina Faso, Guiné-Conacry e outros
constituem fortes pontos de manifestação de tendências
de governação leninistas, autocráticas, de democracias frágeis
e incipientes. Os outros países africanos no geral são
países em que reina uma situação de autocracia e de engrandecimento
dos chefes similar à África pré-colonial. Só
mudou o tempo e a forma de manifestação do poder mas os
chefes pouco mudaram.
Durante o período de luta pela independência e todo
o período pós-independência, os países antes colonizadores,
sempre estiveram atentos a todos os sinais emitidos
por suas antigas possessões.
Na busca de oportunidades de continuar a aceder
aos recursos antes explorados e que efectivamente trouxeram
grandeza e pujança económica a muitas capitais europeias,
houve preocupação e rapidez de não perder de vista
qualquer oportunidade. Um conhecimento profundo das pedras
no terreno e do meio geográfico e económico possibilitaram
a continuação de uma relação económica antiga.
Sem barulho mas mantendo um controlo firme do teatro operacional,
muitas companhias e corporações internacionais
com sede na Europa foram insidiosamente traçando e
“propondo as decisões” que políticos europeus e africanos
acabaram seguindo.
Sem muito esforço é possível ver que os governantes
africanos estão “felizes e satisfeitos” copiando um pouco
o que seus “mentores” fazem.
Onde seria de esperar que face as diferenças de
concepção e de implementação política não houve união africana
alguma, os governos foram rápidos, sob influência
dos petrodolares do defunto Coronel de Tripoli, a aceitar a
criar uma União Africana que ao fim do dia mais não era
do que o “brinquedo” do mesmo. Os países africanos como
Egipto, Marrocos, Tunísia, África do Sul jamais prestaram
ou deram muita importância a União Africana. Os países
como o Mali e outros que tinham a suas quotas de membros
pagas por Tripoli prestavam-se a uma vassalagem visível
sob pena de perderem financiamentos.
A União Africana fez avançar muitas joint-ventures
de inspiração e capital líbio. Alguns ministros dos países recipientes de fundos, se tornaram sócios minoritários de
capital líbio visando a exploração de recursos de solo ou
subsolo. Isso era visto cooperação Sul-Sul mas na verdade
do ponto de vista político tornou-se num processo de consolidação
de ditaduras e de outras formas de governo antidemocrático.
Poucos anos após a criação da União Africana
e pela defesa velada que a oligarquia de Tripoli exercia de
ditaduras perenes do continente. Muitas iniciativas de mudança
constitucional de modo a favorecer mandatos presidências
ilimitados tiveram um forte apoio de Tripoli e seu
Coronel.
Países mergulhados em crises políticas como o
Zimbabwe viram-se resgatados financeiramente a troco de
terra e de outro tipo de concessão a favor de Tripoli.
Com o abandono tácito dos países da África do
Norte, a União Africana tornou-se em mar Líbio sob a batuta
de um coronel megalómano, temperamental e com sonhos
imperiais. “Rei dos reis” como alguns reis menores e
régulos lhe chamavam, amordaçou o continente e a sua organização.
A moeda única, os Estados Unidos de África e
outros sonhos rápido se tornaram marca registada de um
Kadafi que não resistiu a ofensiva popular rebelde com apoio
doas chancelarias ocidentais.
A criação da União Africana foi uma experiência
interessante e dela podem continuar a colher-se alguns frutos.
É possível utilizar e levar a “bom porto” alguns planos
e projectos inscritos na UA.
Tendo uma Comissão Africana ágil, com uma direcção
comprometida pelo renascimento africano, influente
e com acesso rápido aos governos, construtora de consensos,
alguns pontos da agenda da União Africana, sobretudo
do ponto de vista económico, podem concretizar-se e servir
de alavanca para o fortalecimento dos elos políticos.
As chancelarias ocidentais, Londres, Paris, Washington,
Lisboa, por essa ordem tem muitos interesses em
África e sabem como gerir o dossier de forma que lhes seja
favorável.
Se ao Egipto os EUA sem pestanejar entregam
quase dois biliões de dólares por ano já para muito menos
em outros países do mesmo continente introduzem fórmulas
de linkage político. Egipto tem de ser pago pela paz
com Israel, pelos acordos de Camp David.
De maneira corrente e insistente se procura atribuir
as fraquezas africanas generalizadas a algo que tem a ver
com sua génese ou com a génese de seus governos e da sua
organização continental. Um olhar atento deixa ver outras
coisas complexas, esclarecedoras sobre tudo o que os governantes
não querem que os governados saibam ou tenham
o mínimo conhecimento.
A insipiência funcional, a pobreza programática e a
repetição de erros do passado concorrem de maneira coordenada
para os falhanços da União Africana e dos países
que a compõem.
Há pessoas colhendo benefícios contínuos de todos
os passos mal dados pelos governos de África. Entidades e
organismos atentos ao que se passa em África garantem de
maneira frontal e também encoberta que os mandantes de
ontem continuem os mandantes de hoje. Toda a fragilidade
e ausência de coesão programática e operacional, demonstrados
pela UA, são em benefício directo dos parceiros com
que os países africanos “cooperam”.
Se tomarmos como exemplo a África Austral, região
africana privilegiada por ser detentora de um potencial
de solo e subsolo únicos no mundo, poderíamos esperar
que após todos estes anos de independência, já estivesse exibindo
uma realidade correspondente as suas potencialidades
e ao que a sua economia no global produz. RDC, Angola,
África do Sul, Moçambique, Namíbia e Botswana, sem
excluir o Zimbabwe, Zâmbia e Tanzânia possuem riquezas
de subsolo como ouro, cobalto, urânio, carvão, diamantes,
platina, gás, petróleo, pedras preciosas em quantidades excepcionais.
Todo este manancial está sendo explorado e comercializado
nos mercados mundiais. Só que os benefícios
que ficam nos diferentes países e que são efectivamente investidos
na melhoria da vida dos cidadãos dos diferentes
países deixa muito a desejar. Quem visita Bruxelas fica
pasmado como quem não possui diamantes mas só os industrializa
e comercializa tenha uma cidade tão eficiente e
um nível de vida tão alto para os seus habitantes.
Está claro que os políticos belgas e suas contrapartes
de Lisboa, Paris, Londres estão profundamente interessados
pelo que se passa no continente africano. Afinal a garantia
da manutenção do seu alto nível de vida, do seu status
no concerto das nações depende essencialmente da contínua
recepção de recursos naturais africanos em condições
de preço excepcionais.
Ter a União Africana desdentada, fraccionada deve
constituir uma base de actuação das chancelarias ocidentais
e não porque estas sejam manipuladoras em si. Quem está
no mundo da política e se apresenta como governo tem de
assumir as consequências que tal prerrogativa lhe dá.
Pelo que a União Africana produz ou julgando pelos resultados
que anualmente se reflectem na vida dos africanos só
se pode tirar uma conclusão: as sucessivas cimeiras são um
desgaste para a economia exangue do continente. Não faz
qualquer sentido ter chefes de estado e de governo se reunindo
anualmente, com a pretensão de produzir soluções
para melhorar a vida dos africanos quando afinal mais não
fazem do que esbanjar o pouco que existe.
A soma de golpes de estado e de violência política
ou com inspiração política invalidam qualquer teses de que
África possui uma organização continental viável, respeitada
e com credibilidade. Cada vez que há um golpe de estado
os governos dos países hesitam em condenar ou apoiar
tal golpe porque muitas vezes a sua própria génese é um
golpe de estado. Se hoje a liderança congolesa de Brazaville tem assento
na União Africana isso não quer dizer que não se esteja
lidando com um golpista. Mugabe está no poder em
Harare mas na essência ele golpeou, não respeitou a vontade
popular expressa nas urnas. Contundo seus pares da África
Austral, excepto Zâmbia e Botswana correram em seu
apoio. Desde Tripoli até a Cidade do Cabo que presidentes
fizeram vista grossa e acabaram embarcando na validação
de uma situação polícia caracterizada por violência inconstitucional.
Se mesmo agora a França se apresenta preocupada
e liderando esforços ao nível da ONU para que os golpistas
do Mali sejam removidos do poder é preciso relacionar isso
com uma estratégia de longo prazo que nunca foi descartada
pelas potências antes colonizadoras. Tendo em conta a
progressão dos fundamentalistas islâmicos, da Alqaeda do
Magrebe, do descontrolo das armas antes nas mãos do regi-me de Kadaafi e sua exportação para o sul da Líbia, decerto
que em Washington e Paris levantam-se questões sobre essa
porta aberta para o avanço do terrorismo internacional.
Ao nível da ONU ou da União Africana vão levantar-
se vozes e encontros serão organizados visando debater
o assunto. Da parte da UA é de esperar as mesmas opiniões
de sempre e a mesma fraqueza.
Em tempo de mais um aniversário importa que o
continente e sua organização continental se ergam e se afirme
como a alternativa válida para fazer avançar a causa que
a todos faz diferença.
O tempo é de combate cerrado pela dignidade dos
africanos. O tempo é de valorização dos nossos recursos e
de recusa firme de arranjos neocolonialistas que alguns
qua-drantes continuam querendo impor.
Só a união consequente de governos e povos pode
fazer florir a esperança…■
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18 hours ago
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