E como hoje eh dia da poesia, vai, antecipada a sua pblicacao, esta carta a alguns descrentes camaradas boateiros, chulecos e lambistas militantes. Fica aqui o esclarecimento. Para eles, claro.
Sussurradamente, um amigo de infância pergunt...a-me se o facto de eu vir a Quelimane, convidado pelo Município, para lançar os meus livros, poder-se-ia entender como uma clara manifestação de apoio, da minha parte, ao MDM. Devo dizer-vos que fiquei não só atónito com esta pergunta como, igualmente, me indignei.
Ora, já aborrecido, digo ao meu amigo, que não estou nem nunca estive na arte com essa mentalidade taquenha e com essa visão dela como um grande curral. Acrescentei que, fora a homenagem a mim prestada com a presença, na altura, do Presidente Joaquim Chissano, pela Imprensa Universitária, a propósito dos meus 20 anos de carreira literária, esta que o Município de Quelimane me endossava, agora, através do seu convite, configurava-se-me como um gesto não só irrecusável como me engrandecia notoriamente.
Em oito ou doze anos da outra gestão, nunca tal oportunidade se concretizou e nem nunca partiu dela tal convite. E mais adiantei, dizendo-lhe,que indigno, mesmo, fora a atitude da OJM de há um tempo a esta data. A partidária organização juvenil nunca me entregou, já lá vão trinta e tais anos, o prémio correspondente ao facto de a letra do seu hino ser de minha autoria, muito embora tenha sido aprovada em conferência nacional e homologada publicamente pelo falecido Presidente Samora Machel.
A referida atitude constituiu, desde sempre, e até fatos em contrário, uma clara e desconfiada manifestação de racismo ou de outra segregação qualquer, em relação à minha pessoa e dizem-no os acontecimentos que se seguiram durante a aprovação do hino e que faço questão de aqui não mencionar de tão brejeiras e feias que foram. Quanto à minha indignação, face a isso, manifestei-a inúmeras vezes ao Zacarias Kupela e à Alcinda Abreu, em tempos, quando eram ambos Secretário e Vice-secretária Geral do Organização, e, depois, a outras figuras amigas do Partido de que sou simpatizante - do Partido que eu respeito, evidentemente, e não de um certo clube - como o sabem os que privam comigo e não só. Respostas? Um sorrisinho cínico de uns e os gestos conformados de outros.
Não obstante, o facto de me simpatizar com o Partido, e não com o clube, que cobre as minhas causas políticas, não me impede de ver o meu País como um todo, de privar com os meus amigos de outros quadrantes políticos e, sobretudo, de respeitar, amar e estar atento à vida da terra que me dá, por via dela, o direito à minha cidadania. Também, assim, nunca lambi babadamente os sapatos de ninguém, nunca aspirei a cargos políticos, bem como já tive, por me achar impreparado, a frontalidade e a humildade de recusar um convite para me candidatar a deputado. Mais: Na minha postura como escritor, faço por guardar a capacidade de criticar abertamente tudo o que sinto não estar correcto, quando o acho de direito e de legitimidade fazê-lo, sem que nunca, também, e é bom dizêr, tenha sofrido represálias visíveis quer desse Partido quer dos amigos que nele ocupam altas posições nos seus órgãos directivos ou governamentais.
Agora, o meu estatuto de criador cultural ou seja lá o que for, não se autoriza nem se cinge a esses condomínios político-partidários. Como exemplo, há muito que uma certa instituição a que estou filiado, me retirou da lista que propõe os seus convidados oficiais, como, também,por via disso, deixei de fazer parte da lista do protocolo do MNE para certas cerimónias de Estado e diplomáticas às quais era convidado. Confrontado com essa realidade, jamais me indignei e me questionei sobre tais razões e a essa instituição continuo a guardar o carinho e o respeito que me merece. Por outro lado, a Presidência da República convida todos os anos figuras quer intelectuais quer políticas da oposição para os seus banquetes e eu, tal como muitos colegas de escrita, faz tempo que não faço parte desse“ lisonjeado grupo de eleitos”. No entanto, julgo, mas porém não me admiraria do contrário, que tal pormenor não faz dessas figuras simpatizantes ou filiados do Partido onde milita e dirige o Presidente da República. Em suma, ridicularidades que não cabem no meu patriotismo, não afectam o amor que sinto ao meu País e nem direito dão a que pessoas ou organizações políticas ou não,se me ponham a catalogar.
De modo que, como sempre o disse, o meu lugar, se o tiver na história literária da minha Pátria, não dependerá das minhas simpatias políticas, mas do meu trabalho e do valor da minha obra. Em igualdade de circunstâncias,independentemente das suas cores partidárias, o Manuel Araújo continuará a merecer a minha amizade e o meu respeito, como o tem merecido desde sempre,até que deles não seja digno e disso me der provas. Admiro-o bastante, ao contrário do desprezo que nutro por alguns militantes oportunistas, chulos e sem carácter nenhum, que adoentam, desvirtuam e empobrecem o Partido com o qual me identifico. Eu nasci diferente, amo e respeito a minha diferença e, deste modo, quero e fui educado a respeitar a diferença. É este princípio que transmito aos meus filhos, a cada um deles, igualmente, diferente e, sobre as suas diferenças, grandiosamente IRMÃOS.
Ora, postas as cartas na mesa e não as retractações, bardamerda às retractações, pergunto ao meu querido amigo se não lhe apetecia ir beber uma boa nipa e comer um apetitoso mucadje à casa de um outro conterrâneo na Sinacura. Ele olhou para mim meio espantado e atirou-me:
- Tu és fotito, múzugo! Se fosse aqui, na Província, mandavam-te prender, juro. Claro que eu olhei para ele e ri-me.
Meio embasbacado, fiquei a pensar se a democracia no nosso País se cingia unicamente à capital, pois que não era a primeira vez que ouvia tal afirmação, nem, também, essa restritividade de opiniões me era manifestada. E comecei a pensar inúmeras coisas. Coisas como essa angústia que as pessoas devem guardar a morderem-nas no mais íntimo. Tal como o terem medo de dar ou emitir uma opinião sobre factos de que são autoras e sujeitos ou, então, de respeitarem e conviverem, abertamente, com alguém da oposição. De tão mau para ser verdade, eu acho tudo aquilo incrível. Se isto acontece, ainda, nos tempos que correm, nunca seremos dignos de futuro nenhum. Portanto, penso e deduzo que o fato de Quelimane, como outras províncias, certamente, não sentir, com visibilidade, o papel fundamental e educativo dos órgãos de informação no exercício de democratização da opinião pública esteja a ser fulcral para que assistamos aos cidadãos a atrofiarem-se nessa ideia de que no País ainda se é proibido ser e falar livre e manifestamente. Dentro, como é evidente, das bases do respeito pelos valores dos outros. Mas é tão verdade que eu próprio o estava ali a testemunhar.
Porém, como esta conversa tem pano para mangas, fiquem, agora, com o meu afectuoso abraço e as desculpas desses entretantos da minha crónica. Julgo que concordarão que o que é para se dizer tem que ser dito. Ou escrito, aqui no caso.
Eduardo White
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