AFINAL AS LÁGRIMAS DE MANUEL DE ARAÚJO NÃO ERAM DE CROCODILO!
Por Gento Roque Chaleca Jr. em Bruxelas
“A morte é ciumenta, porque separa os que se amam”. Adágio popular Zimbabueano
Há uma semana atrás o meu colaço Arrone Fijamo Cafar Jr. escreveu-me um e-mail da “capital do coco” (Quelimane) dizendo que o Dr. Manuel de Araújo emocionou-se diante das câmaras da STV ao falar do general na reserva Bonifácio Gruveta Massamba, ex-combatente da Luta de Libertação Nacional.
Habituados a pescar em águas turvas e a espalhar a brasa em busca do fogo, num casamento perfeito entre aspirantes a analistas de facto e alguns órgãos de comunicação social, associaram à dor alheia do cidadão Manuel de Araújo da habitual comédia “show televisivo” que certos candidatos nos brindam em vésperas de eleições, espingardearam: “o pranto derramado pelo Dr. Manuel de Araújo eram “lágrimas de crocodilo”!
Porque na vida tudo tem uma origem e explicação, ainda que relativa, pus-me às fontes para descobrir a procedência do termo “lágrimas de crocodilo”. Nem mais nem menos que isto: “O crocodilo, quando ingere um alimento, exerce uma forte pressão contra o céu-da-boca, comprimindo as suas glândulas lacrimais. Isto faz com que o animal chore enquanto come suas vítimas”.
Em outras palavras, o termo significa: choro fingido; falsa tristeza. Afinal tinha ou não razão de ser o choro do Dr. Manuel de Araújo? É o que vamos ver adiante.
Antes de tomar o meu pequeno-almoço, com a pontaria de pensamento direccionada ao trabalho, ao mesmo tempo que recebia uma curta e breve mensagem do meu colaço Arrone Fijamo Jr., do “pequeno Brasil”, anunciando a morte do general na reserva Bonifácio Gruveta Massamba. Não o sabia doente, o pouco que sabia dele é que estava bem e que semanas atrás tinha recarregado as baterias do seu “arsenal bélico” (provavelmente descarregado com o fim de todos os conflitos armados no país) em defesa da sua honra e a dos seus face às acusações de abate e comercialização ilegal da madeira.
“Ouvir dizer não se escreve”, mais uma lição ignorada pelos nossos escribas!
Levei dois dedos à testa (e já com o horário atrasado ao serviço), pus-me a pensar: caramba, afinal o choro lancinante do Dr. Manuel de Araújo diante das câmaras da STV não fora à toa, também não eram lágrimas de crocodilo, pelo contrário, tinha razão de ser, não fosse ele Bonifácio Gruveta uma das suas bússolas e “maternidade ideológica”. Confundiram e misturaram o Dr. Manuel de Araújo na mesma “trampa” onde “jazem” certos políticos que em tempos de eleições prometem fundos e mundos em busca do voto popular, esquecendo-se, porém, que neste “Vale de Lágrimas” ainda há gente que presa a dor alheia.
Hoje não é apenas o Dr. Manuel de Araújo que chora à morte do general Bonifácio Gruveta é o mais todo e além fronteiras. Mesmo aqueles que por uma razão de estrabismo político partidário e ideológico não concordasse com as posições do general Gruveta, tenho em mim que dificilmente tal pessoa
amararia as lágrimas diante deste colosso da Luta Armada, e consequentemente, render-lhe-á uma justa e sincera homenagem.
Se o general Gruveta estava ou não entregue à gandaia pelo seu partido (Frelimo), eu não posso precisar, seria tamanha desonestidade minha fazê-lo. A única certeza que tenho, porque já levo alguns anos considerável de vida neste “Vale de Lágrimas”, é que (citando um bloguista) “nem sempre os que perseguiram incansavelmente o búfalo foram contemplados na distribuição dos nacos”.
Quantos nesta ‘Pátria Amada’ de Mondlane e de André Matsangaissa são os que libertaram o país dos algozes coloniais? Quantos são os que ainda libertam esta ‘Pérola do Índico’ das políticas perversas do “Guia do Povo” não sobrevivem de tubérculos?
Ao contrário desses, outros há que comem e bebem à tripa-forra do erário público. Não vamos mexer no vespeiro, mas provas não faltam. E estamos a falar de tudo isso numa altura em que camaradas de trincheira rendem homenagem à estátua de Samora Machel e não aos seus ideais de combate contra a corrupção e outras trafulhices que esgotam os livros de reclamações. Que hipocrisia junta meu Deus!
Mesmo entre os que vestem a carapuça de generais, como foi o caso de Bonifácio Gruveta, devido à deslealdade assumida em relação a certos ideais catequizados pela maioria de camaradas que aglutinam os pavilhões em congressos partidário na Matola ou em qualquer outro lugar, não são espezinhados pelo sistema? E por isso perguntamos: teria razão o Dr. Manuel de Araújo em derramar aquelas lágrimas? Mas, há quem provar tal razão, se o sentimento de dor e de orfandade não se transmitem por transfusão de sangue? A dor e a orfandade são de que são. Só o tempo dirá.
Voltando ao fio da meada, para terminar, gostaria de partilhar com o amigo leitor uma história que me foi confiada pelo Mestre Dr. David Aloni (que Deus o tenha) sobre a filantropia do general Bonifácio Gruveta. A história que é pública começa quando o Dr. Aloni regressa ao país ido da Holanda em 1976.
Preso, humilhado e barbaramente torturado, David Aloni é enviado com mais meia dúzia de detidos (acusados de alta traição à Pátria), para um dos campos de fuzilamento na província da Zambézia, antes houve tentativa por parte do SNASP em jogar os prisioneiros políticos algures no Alto Zambeze, tentativa falhada porque em Quelimane estavam à espera os familiares dos detidos. Aloni que tinha “sete vidas” escapara por pouco da morte por afogamento, mas não se livraria das mandíbulas caninas do SNASP.
No corredor da morte, já em Quelimane (uma pausa e um soco descarregado sobre um dos braços da poltrona em que se encontrava sentado, David Aloni deixou cair algumas lágrimas) aparece milagrosamente ‘Pilatos’, neste caso, o general Bonifácio Gruveta, que era na altura governador da província da Zambézia. No caso do Dr. Aloni, depois de o interrogar não encontrou crime algum, tendo de seguida influenciado na sua soltura, escapando assim da morte certa.
Em nhanja (para que ninguém ouvisse) ao mesmo tempo que se dirigia ao seu escritório (num edifício apenso à casa grande) Aloni disparou: “Chaleca, tenho uma enorme dívida de gratidão para com o general Gruveta, a salva da minha vida deve-se a ele”. E eu pergunto: como pagar esta dívida se vós sois amigos? A resposta não se fez esperar “amigo Chaleca, tenho ali um livro por mandar publicar, e nele espero poder colocar o país inteiro a reflectir, e também espero poder agradecer o general Gruveta por tudo quanto lhe devo”. O diálogo terminou com um brinde à francesa!
Para ambos até breve.
Onde quer que os dois ‘chamuales’ se encontrem, perante Deus, o cachimbo da paz, da gratidão e da amizade foi acesa!
Ninguém conseguirá apagar.
Kochikuro (obrigado)
gentoroquechaleca@gmail.com
PS: À família enlutada e ao Povo Zambeziano em geral o meu consolo e passamento.
DIÁRIO DA ZAMBÉZIA – 30.09.2011
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