Friday 18 March 2011

Finalmente, uma renúncia “voluntária”

- duas razões de fundo fizeram com que Mondlane atirasse a tolha ao chão: o chumbo de Ana Juliana e o bloqueio da “mudança da posição contratual”, graças ao trabalho da Comissão de Inquérito- o CC ficou duplamente órfão: não tem presidente e não tem Secretário - Geral

Finalmente! Pela primeira vez na sua curta história democrática, o país assistiu no final da manhã de ontem, a primeira renúncia “voluntária” ou voluntarizada de um dirigente de um órgão público de topo. No caso concreto, Luís António Mondlane, não tinha condição moral, ética e profissional de continuar a dirigir o Conselho Constitucional, na medida em que, a sua permanência estava, de alguma forma, a pôr em causa a credibilidade, importância e reputação de um órgão de soberania com atribuições e competências de administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional. Portanto, é um órgão que pela sua natureza deve estar livre de qualquer suspeita e deve inspirar conduta adequada a todos os cidadãos. Entretanto, a permanência de Luís Mondlane no CC, representava, exactamente, o contrário das suas competências (do CC), muito por culpa de tudo quanto já se disse sobre o seu comportamento e atitudes do seu presidente.

Renúncia

Na manhã de ontem, Luís Mondlane chegou ao Conselho Constitucional, naturalmente abatido como vinha se apresentando nos últimos tempos. Directo para o seu gabinete de trabalho, tratou imediatamente de convocar os seus conselheiros para uma reunião que devia acontecer logo a seguir.

De facto, minutos depois Luís Mondlane estava reunido com os seus conselheiros para lhes comunicar que deixava a instituição. Alegou simplesmente que tomara aquela decisão para salvaguardar a paz e a estabilidade do país. Mais nada, Mondlane disse. Regressou para o seu gabinete e seguidamente tratou de convocar, via secretária, os restantes funcionários para uma reunião.

A agenda continuava única. Comunicar a todos os funcionários que deixava a instituição. Depois da comunicação, mais uma vez voltou ao gabinete e pegou os seus pertences mais pessoais. Não levou tudo. Saiu, entrou no carro e foi-se. Estava consumada a demissão de Luís Mondlane do cargo de presidente do Conselho Constitucional.

A seguir a carta demissionária:

Acabo de comunicar ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República a minha decisão de renunciar ao cargo de Presidente do Conselho Constitucional. Para tanto, move-me o interesse de contribuir para a salvaguarda da paz e estabilidade do país, abrindo espaço para a consolidação da democracia e do Estado de Direito Democrático. Deixo o Conselho Constitucional convicto de que dei o melhor de mim para o desenvolvimento da instituição, quer no âmbito interno, quer na projecção da sua melhor imagem além fronteiras. Agradeço a estima, colaboração e apoio de todos quantos acreditaram no meu projecto, aos distintos órgãos de soberania, às instituições públicas e privadas, às entidades nacionais e estrangeiras e a todo o cidadão. Agradeço igualmente os parceiros de cooperação internacional com os quais cultivamos uma relação de estreita e proveitosa colaboração para o bem de Moçambique. A todos bem haja

Razões chave da renúncia

É verdade que Luís Mondlane tentou ensaiar alguma resistência face a avalancha de informações que revelavam aquilo que se considera gestão pouco criteriosa e danosa do CC tendo em conta a realidade do momento que exige redução e contenção de gastos a todos os cidadãos, particularmente aos detentores de cargos públicos.

Depois de muitas informações virem à superfície, Luís Mondlane, tentou contornar o incontornável tentado reiventar os caminhos já sinuosos que rodearam a sua gestão no CC, tentando dar entender que tudo quanto era dito era apenas obrade invejosos porque, segundo ele, o CC estava a ser gerida de forma profissional e criteriosa. Entretanto, pontos concretos desta “gestão criteriosa” poderão ser contadas este Domingo, visto que uma entrevista foi adiantada a um seminário que sai a rua aos domingos. Entretanto, porque a verdade sem sempre à superfície, Mondlane não conseguiu reiventar dados que pudessem sustentar a sua resistência no CC.

Primeiro, o TA veio a público anunciar que não aceita Ana Juliana como nova Secretária Geral por não ter qualificações legais para ocupar o cargo. O não do Tribunal Administrativo veio, na verdade, dar razão aos opositores de Mondlane em relação ao processo Ana Juliana e tirou razão a Mondlane. Numa situação em que a realidade era de si já extremamente precária, Mondlane ainda tentou resistir mas muitas eram as pressões no sentido de ele deixar o cargo.

Em termos práticos, a Frelimo estava também a distanciar de Luís Mondlane a avaliar pelos discursos que publicamente eram feitos por alguns dirigentes do partido no poder. Depois veio a Comissão de Inquérito que praticamente retirava poderes e autoridade a Luís Mondlane.Entretanto, acredita-se que a machadada final tenha sido o facto de a Comissão de Inquérito, já no âmbito do seu trabalho ter conseguido “informações preciosíssimas” dos gestores do banco com o qual Mondlane e esposa assinaram a locação financeira para a aquisição de um imóvel no valor de 24,3 milhões de meticais, a ser amortizado em 15 anos.

Segundo os nossos colegas do SAVANA, o contrato, assinado pelo então secretário-geral Ge¬raldo Sa¬ranga, ao contrário do que é norma corrente, não especifica a localização do imóvel, nem o seu registo na Conservatória PredialA Comissão de Inquérito terá, no âmbito do seu trabalho, sido informada que afinal o processo da compra da casa, em nenhuma parte não fazer notar que se trata de um procedimento transitório, o qual cessa a sua validade legal logo que os procedimentos burocráticos para aquisição do imóvel pelo Conselho Cons¬titucional tiverem sido concluí-dos. Assim, cai por terra a explicação, ainda não publicada, dada por Mondlane ao jornal Domingo. Refere o SAVANA que, a tramitação para a passagem do imóvel para o Estado só começou a ser avaliada no ministério das Finanças em Dezembro de 2010, quando o nome do juiz Mondlane deveria ter sido reportado à central de risco do Banco de Moçambique (BM), por estarem em falta várias prestações do contrato. Já acossado pelos seus pares e com o Partido Frelimo na posse de uma extenso “dossier” sobre o assunto, ao que reportaram ao SAVANA, Mon¬dlane foi recebido pelo ministro Manuel Chang a 28 de Fevereiro deste ano para discutir a passagem da casa para o CC e os termos da resposta à missiva expedida pelo chefe de gabinete Filipe Carvalho (a 16 de Dezembro) e a que Saranga recusou dar andamento.

Na verdade, estava iminente a assi¬natura com a instituição bancária responsável pelo financiamento de uma nova escritura para a mudança da posição contratual do casal Mondlane para o Conselho Constitucional. Entretanto, com o trabalho já em curso da Comissão de Inquérito, este processo, soube o mediaFAX, foi bloqueado.Com amortizações na ordem de 366 mil meticais mensais, soubemos que a actual dívida do Presidente do CC ao financiador está na ordem de 3.4 mil milhões de Meticais. Posto isto, nada mais restava a Mondlane, senão abandonar o posto e esperar em casa os resultados da Comissão de Inquérito que poderão resultar na instauração de um processo disciplinar. Caso haja matéria até um processo criminal pode ser instaurado.

Alice Mabota

A Presidente da Liga Moçambicana dos Direitos Humanos, Maria Alice Mabote, cuja organização havia emitido nas vésperas um comunicado a exigir a suspensão temporária de Luís Mondlane, enquanto decorria o inquérito instaurado pelos seus pares no Conselho Constitucional, disse, em reacção a renúncia, que esta apenas pecou por ser tardia.“Se ele tivesse parado e renunciado logo que o escândalo eclodiu, tinha oportunidade de sair pela porta grande e teria evitado que viessem a público mais revelações sobre a sua postura, que o levam a incorrer ao foro criminal.

Neste momento, eu como pessoa e como activista dos direitos humanos não estou totalmente satisfeita, apenas com a demissão. Ficarei mais satisfeito se ele for sentar na barra do tribunal, só assim é que direi que há justiça”.Para Mabote, um dos maiores receios nesta altura é que o caso seja abafado e Mondlane venha a ser nomeado para um outro cargo de relevo, como tem sido hábito para figuras ligadas ao partido Frelimo.

In Jornal SAVANA

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