Por Henriques Viola*
Há cerca de 3 anos que a economia mundial encontra-se numa situação pouco sustentável. Apesar de ter iniciado com uma crise financeira com o cerne no mercado de habitação dos EUA, tal foi o efeito dominó que, rapidamente, se espalhou por outras economias, que a crise acabou se tornando uma crise econômica, levando assim muitos países à recessão.
Em continuidade, numa altura em que o mundo esperava que a balança econômica começasse a pender para frente, eis que o déficit orçamental tornou-se num grande “calcanhar de Aquiles” para os estados altamente endividados. Temos vindo a acompanhar os casos de Espanha, Portugal, Irlanda, Grécia e outros. Em meados de 2010, num artigo publicado no jornal “O País”, de Moçambique, fiz a análise do caso português, muito centrado nas medidas de austeridade tomadas pelo seu governo, com aval do maior partido da oposição. Entretanto, importa fazer uma introspecção sobre como vai o meu país, Moçambique, nas mesmas matérias, até por uma questão patriótica.
Breve Historial
Moçambique é um país de 20 milhões de habitantes, plantado na costa oriental africana, à beira do oceano Índico. Tornou-se independente da sua então potência colonizadora, por sinal o mesmo Portugal que hoje se encontra em crise, em 1975, por via de uma luta armada de libertação que durou 10 anos. Num mundo dividido em 2 blocos (Socialista e Capitalista), o país decidiu alinhar-se com o bloco socialista, com quem já mantinha relações fortes. O estado tornou-se detentor dos meios de produção, quase todas as empresas foram nacionalizadas. Ao mesmo tempo, a Constituição da República aprovada em 1975 consagrou a terra como propriedade do estado.
Deste modo, as políticas econômicas e sociais eram definidas a nível central. O que produzir, em que quantidades, quando, onde e como, era definido pelo estado. As importações e exportações, as rotas comerciais internas, os preços dos produtos eram centralmente planificados. Os empreendedores que não seguissem as diretrizes centrais incorriam ao risco de punição, até com pena capital. Foi assim que um país de 36 milhões de terra arável passou a importar quase tudo. A produção interna tornou-se incipiente, aliás, segundo Prakash Ratilal, então Governador do Banco Central, em entrevista recente ao semanário SAVANA:
o declínio geral na produção no período de 1981 a 1983 foi de cerca de 23.4%. A produção industrial decresceu 30.9% e a agricultura 22.8%”. As exportações que tinham alcançado US$ 281 milhões em 1981, em 1985 decresceram para US$ 76.6 milhões. As importações de crude representavam 12.9% do total das exportações em 1973, cerca de 31.4% em 1975 e em 1981 correspondiam a 59.5% do valor total das exportações.
O endividamento público cresceu exponencialmente. Ou seja, estávamos engregados. Tal como acontece hoje na Grécia, naquela altura a população saiu para as ruas, não para protestar contra o governo mas para formar longas filas a espera da sua oportunidade para comprar pão.
A situação social era mais difícil ainda se tivermos em conta que o país estava mergulhado numa guerra civil brutal.
É neste contexto de crise, que em 1984 após várias hesitações e negociações, o governo decide aderir as instituições da bretton woods, adoptou a economia do mercado e passou a receber créditos concessionais e apoio técnico do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, apoio este que criou as bases para a estabilização macroeconômica e um crescimento econômico na ronda dos 7%/ano na última década. Nesta altura, o grande problema estava em como lidar com as empresas que tinham altos custos de produção mas permaneciam em funcionamento graças aos subsídios governamentais e protecionismo estatal que restringia as importações, provocava escassez e assim mantinha no mercado os produtos a preços altos, quase inacessíveis para as camadas mais pobres. Foi assim que nos finais da década 1980 e princípios da década 1990 a nudez era nota dominante na população mais pobre apesar de haver muito vestuário (usado) a preços baixos (até mesmo grátis) na Europa. Entretanto, esse é tema para outro artigo.
Tendência das contas públicas
O ponto é que com a tendente melhoria do quadro legal a nível econômico, político e social, acompanhada estabilização macroeconômica, a abertura para uma economia de mercado, a mudança constitucional para um sistema de estado de direito democrático, multipartidário, com eleições regulares, onde a constituição defende duma forma geral os direitos humanos, estavam criadas as bases para um crescimento sustentado. Mais ainda, com o fim da guerra civil em 1992. Todavia, o ainda elevado déficit público e a fraca participação de muitos setores populacionais na economia continua a ameaçar este crescimento. No Orçamento Geral do Estado 2011 (OGE 2011) o governo prevê um déficit de 45%, a serem financiados por donativos e créditos, externos e internos.
No entanto, a sustentabilidade deste nível de déficit afigura-se difícil numa altura em que o país, tendencialmente, financia o seu déficit por via de créditos, sejam eles concessionais ou não. Aliás, o cenário complica-se mais ainda quando o colectivo de doadores do Estado Moçambicano, agrupados no famoso G 19, preparam-se para reduzir os donativos para OGE 2011 em cerca de USD 60 milhões, doando apenas USD 412 milhões.
Numa análise da tendência das contas públicas moçambicanas, nos últimos 4 anos, podemos verificar que no OGE 2011 e no seu instrumento operacional PES 2011 (Plano Económico e Social 2011) o estado prevê o aumento da despesa pública em cerca de 90%, se compararmos com o ano de 2008 (compare com PES 2008), elevando assim a participação do estado no PIB, de 29,1% em 2008 para 35,3% em 2011. Ou seja, o estado está tendencialmente a aumentar o seu bolo na economia; está se tornando proporcionalmente maior, em detrimento do setor privado, o que é pernicioso para um país que quer, e está a sair de uma economia basicamente estatal para uma economia de mercado onde o setor privado é o maior dinamizador das tendências económicas.
Adicionalmente, nota-se um aumento do déficit público em 99%, em termos nominais (de 2008 – 2011); Este aumento, quer do OGE como do déficit tem como espinhas centrais de suporte o aumento das receitas do Estado (87%) e do crédito externo (182%). Isto significa que o estado moçambicano está a endividar-se cada vez mais, correndo o risco de chegar a uma situação análoga à portuguesa, grega, etc. Porque teimamos em gastar muito mais do que é a sua receita.
Há quem possa dizer que peco pelo exagero, que a dimensão da economia moçambicana não pode ser comparada com a grega ou portuguesa, entretanto, deixem-me esclarecer que a analogia que faço se baseia, não nas dimensões, mas sim nos comportamentos idênticos de aumento do endividamento público e dos gastos estatais. Mais ainda numa altura em que o estado moçambicano decidiu introduzir no seu vocabulário oficial o termo “austeridade”.
Concluindo
Neste contexto de incertezas econômicas a nível internacional, se o país quiser ser coerente com a economia de mercado constitucionalmente consagrada, importa devolver ao setor privado a primazia na dinamização da economia. Importa reduzir o déficit público, reduzindo os gastos desnecessários do estado. Por exemplo, tenho ainda muitas dúvidas se um país, pequeno e pobre como Moçambique, precisa de uma Agência de Energia Atómica. Tenho dúvidas se um país com graves problemas de corrupção, como o nosso, precisa de um tal “Instituto de Nomes Geográficos” com dotação orçamental para 2011 (Vide no OGE 2011) quase equivalente ao triplo do orçamento atribuído ao Gabinete Central de Combate a Corrupção da Procuradoria da República. Enfim, são esses sinais que roçam ao despesismo estatal que, por via de impostos elevados, minam o desenvolvimento normal do setor privado.
Por outras palavras, se Moçambique quiser singrar no concerto das nações como um país virado para o desenvolvimento econômico sustentável, precisamos acabar com o despesismo, adoptar políticas que reduzam a carga fiscal, aumentem o papel do setor privado na economia e assim estimule os empresários e jovens empreendedores a colocar em prática novas ideias e, por via disto, passar a apostar na produção especializada e em escala, virada para abastecer o mercado nacional e internacional. Só assim é que o país vai crescer de forma sustentável, não aumentando desproporcionalmente o peso do estado. Porque os exemplos estão à vista!
*Colunista do OrdemLivre.Org, Coordenador Geral do MELIMO e Membro do Centro de Estudos Mocambicanos e Internacionais
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