Friday, 14 January 2011

Editorial: “Candongueiros” versus “elite” no Poder

Com estes predadores “o pouco que temos torna-se ainda menos”

Maputo (Canalmoz) As famílias moçambicanas continuam a pagar mais impostos do que as empresas. Do valor total das receitas de rendimento, arrecadado pela Autoridade Tributária de Moçambique em 2010, as pessoas singulares contribuíram com 98%, enquanto as empresas tiveram um contributo de apenas 2%. Isto significa que o Estado cobra mais às pessoas singulares, que trabalham para o sustento das suas famílias, e deixa na “frescura” certas empresas, entre elas os grandes projectos, obviamente. Mas mais caricato ainda é que apenas 10% da população activa paga impostos. E é este o tal País de “sucesso” governado por pessoas de “sucesso” há 35 anos. Francamente! Andam a querer enganar quem?
De quem é, afinal, a grande parte das empresas que não pagam impostos? Serão empresas de membros da oposição ou de cidadãos comuns que nem sequer querem saber dos partidos e de politiquices? Alguém pode acreditar que se fosse esse o caso o Governo as deixaria em paz?
Haverá dúvidas de que as empresas que se esquivam do fisco são da tal “elite” no Poder que não se cansa de repetir que não há alternativa para ela em Moçambique?
As que não pagam ao fisco não serão empresas de quem diz que este País está no “bom caminho”?
Não serão empresas de quem usa o Estado para “olear” os seus negócios privados?
Ah!, sim, agora está mais claro de onde vem tanto “sucesso”…
Se todos não pagássemos impostos haveria muitos mais moçambicanos com grandes casas e carros de grandes marcas.
Compreende-se agora melhor por que é que as grandes empresas beneficiam de isenções fiscais.
Percebe-se melhor a razão de ser das “zonas francas”, como por exemplo a de Nacala.
Temos vindo a dizer que a dita “elite” do actual Poder, que tantas vezes nos tem sido apresentada como “a salvação da Pátria”, não passa de um bando de parasitas – com o devido respeito pelas honrosas excepções.
Agora é evidente que realmente estamos rodeados de autênticos “chulos” – que querem eternizar os cidadãos do País como otários – a “chuparem o sangue fresco” dos que para a esmagadora maioria dessa “corte” não passa de “manada” – o “nosso maravilhoso Povo”.
O corajoso presidente da Autoridade Tributária de Moçambique, Dr. Rosário Fernandes, foi capaz de nos trazer números que evidenciam o trabalho de grande mérito que ele e a sua equipa estão a realizar.
Mas se esses números revoltam qualquer ser humano com repelência pelos “predadores” do erário público (quais bodes amarrados!), esses mesmos números também nos renovam a esperança, de forma sem precedentes. Porque também esses números nos permitem concluir que não estamos no “fio da navalha”, mas apenas no início de uma caminhada que tornará o sonho, de País viável, uma realidade, se formas capazes de juntar forças forem efectivamente empreendidas para o mais rapidamente possível se retirar do Poder os autênticos chupistas “que se aproveitam das dificuldades materiais que temos para aumentá-las e servirem-se delas”, como diziam os “camaradas” Feliciano Gundana e Aranda da Silva, na 11.a Sessão da Assembleia Popular, em Abril de 1983, ao indignarem-se contra os “candongueiros”. Lembram-se? Ainda se lembram “camaradas”? Ainda se lembram de terem dito que “o pouco que temos torna-se ainda menos com os candongueiros”? E com os chupistas, os chulos de hoje, os predadores do Estado, não será a mesma coisa? O pouco que temos torna-se ainda menos, com os pendurados no Estado, ou não será?
Lá diz o ditado: “o tempo é um grande juiz!”…
Chupam-nos a nós e chupam os cidadãos dos países doadores que apesar das suas próprias dificuldades ainda se dispõem a ajudar Moçambique.
Esses números revelados por Rosário Fernandes, apesar de nos mostrarem o nível de “castração” – permitam-nos a rudeza do termo – a que o punhado de “chulos” que se auto-intitula “insubstituível” nos está a sujeitar há vários anos – sem o mínimo de respeito até por tantas centenas de milhar de antigos combatentes da luta de libertação nacional e da luta pela institucionalização de uma Constituição que respeitasse os mais elementares direitos humanos e o pluralismo democrático – esses números da Autoridade Tributária, dizíamos, mostram-nos que ainda podemos acreditar que o País tem futuro. Porque ainda há muitos para pagarem impostos se realmente este País passar a ser governado por gente sensata e capaz, que siga políticas viradas para o verdadeiro interesse nacional, singular e público, sem que os governantes façam do Estado a sua própria machamba.
Está claro que o futuro depende exclusivamente de se afastar dos centros de decisão a chamada “elite” actual que afinal não passa de um autêntico bando de predadores do erário público que se reproduz exponencialmente.
Por outro lado, se as empresas apenas contribuem para o erário público com 2%, essas empresas naturalmente são do grupo de presas fáceis e não pertencerão, obviamente, a quem está próximo do Poder.
Estar próximo do Poder é por aqui que se vê o que vale. Por aqui se vê que vale realmente a pena estar próximo do Poder. Vale para não se pagarem os devidos impostos. Mas a pergunta a fazer-se é: serão estes os patriotas? De que Pátria? E não terá já chegado o dia que a ganância dos mais graduados já não dá para até os outros se safarem? Não estará a guerra das estrelas para nos levar para o mesmo abismo de uma Somália, de um Sudão, ou de uma Costa do Marfim?
Quem parte os dentes aos “cabritos” para nos salvar?
Será muito difícil perceber-se que a solução para Moçambique está mais próxima do que pode parecer?
Será muito difícil perceber que no dia em que tivermos um governo de cidadãos livres do “complot” actualmente instalado, muito embora possam parecer “menos competentes”, se não tiverem compromissos com quem hoje foge ao fisco, o País imediatamente poderá ascender a níveis de receita que possam catapultar o Estado Moçambicano para níveis de estabilidade financeira muito maiores e dependermos menos da ajuda externa?
Não estará a solução de Moçambique mais perto do que alguns podem imaginar?
Não bastará afastar os “chulos” para de facto podermos passar a usufruir do tal futuro melhor tantas vezes prometido como tantas vezes adiado?
Se realmente se acabar com os privilégios que só os tem quem anda colado ao dito “Poder”, não será que o Orçamento de Estado deixará imediatamente de ser deficitário? Cortes decisivos no supérfluo não viraria o rumo da história de um dia para o outro, qual varinha mágica?
Se o Estado for capaz de promover a realização das aspirações de quem está no informal porque apenas não tem outro modo de vida, o País não caminhará logo mais firme?
O que é hoje estar no formal? Não será trabalhar para alimentar parasitas?
Se todos os que hoje andam a “chular” o Estado pendurados no partido no Poder passarem a pagar impostos não será que esta grande aflição em que vivemos presentemente se converterá em maior fôlego financeiro do Estado para poder promover o desenvolvimento do País e aliviar-se de facto a pobreza?
Não será porque os grandes projectos fazem parte dos rendimentos de quem “governa” que há tanta hostilidade em reverem-se as isenções fiscais?
E porque razão os grandes projectos escolhem sempre figuras de proa do regime para se ancorarem? Não será isso a mais sofisticada forma de corrupção? Se isso não é corrupção, o que é? Afinal quem são os professores da corrupção?
Por quanto tempo mais é que terão de ser os cidadãos anónimos nacionais e dos países doadores a alimentar a “força activa e desestabilizadora da sociedade”, como dizia Feliciano Gundana em 1983 referindo-se aos “candongueiros” a que hoje se comparam os predadores do Estado?

(Canalmoz / Canal de Moçambique)

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