Friday, 29 October 2010

A Opiniao de Delfina Danca, Pesquisadora do CEMO

O DILEMA DAS RECLUSAS MOÇAMBICANAS NO BRASIL E O REPENSAR DAS RESPONSABILIDADES DO ESTADO NA PROTECÇÃO DOS CIDADÃOS



Com este artigo pretende-se compartilhar o testemunho sobre o dilema das reclusas Moçambicanas nas penitenciárias Brasileiras, bem como apelar ao Estado e Parlamento Moçambicanos para que façam algo para reverter o triste cenário a que estas estão sujeitas.
Numa das visitas feitas á uma das Penitenciárias Femininas no Brasil, foi possível ver o desespero no olhar das reclusas, a ponto de se abrirem para qualquer um que aparecesse para visitar, como se da solução dos seus problemas se tratasse.
No bloco das presas estrangeiras observava-se um verdadeiro cenário de globalização, com reclusas de quase todos os cantos do mundo. O que havia de comum entre elas era o motivo que as levou a prisão: o tráfico de drogas. Entretanto, é sobre as Moçambicanas, que o presente artigo se vai cingir.
Dentre os dilemas que as reclusas Moçambicanas têm passado, destacam-se:
1. A falta de implementação do acordo de extradição entre Moçambique e o Brasil. Aliás, tudo indica que, apesar de assinado, o acordo sobre a extradição de prisioneiros, entre o Brasil e Moçambique carece de ratificação nos respectivos parlamentos. Tal facto faz com que a lei brasileira se dê ao direito de julgar e condenar os criminosos Moçambicanos detidos em seu território. Pela efectividade do acordo de extradição, as reclusas Moçambicanas seriam condenadas e cumpririam suas penas no seu país de origem;
2. A falta de endereço para localização fora da prisão, para apresentar ao Juíz, como condição para beneficiarem do regime semi-aberto e da liberdade condicional. A Lei de Execução Penal (LEP) Brasileira estabelece que “ao conceder a saída temporária, o Juiz imporá ao beneficiário as seguintes condições, entre outras que entender compatíveis com as circunstâncias do caso e a situação pessoal do condenado: fornecimento do endereço onde reside a família a ser visitada ou onde poderá ser encontrado durante o gozo do benefício” (n o 1, § 1o do Art. 124)
A falta desse endereço, de acordo com as reclusas, faz com que algumas delas permaneçam nas penitenciárias, quando poderiam gozar da liberdade condicional; outras há que conseguem um endereço fictício, de alguém que com boa vontade lhes concede, só para poderem sair da cadeia, mas depois de saírem e não terem para onde ir, acabam se entregando à prostituição para poderem sobreviver e; outras ainda há que voltam ao tráfico, mesmo sabendo das consequências desse acto;
3. Às mulheres presas em estado de gravidez, seis meses após o parto, seus filhos são entregues ao abrigo (espécie de acolhimento institucional). O mesmo acontece às crianças menores de dois anos. De acordo com a Lei de Adopção Brasileira, a permanência das crianças nesses abrigos não se prolongará por mais de dois anos, salvo exceções (Lei nº 12.010, de 29 de Julho de 2009, § 2o art.19).
As reclusas ficam desesperadas quando percebem que o prazo está quase chegando ao fim, pois, findo esse período, caso não haja uma justificação plausível, as crianças podem ser entregues à adopção. Segundo elas, o ideal seria que alguém levasse seus filhos de volta para Moçambique. Mas o juizado da infância (Tribunal de Infância) diz que as crianças só podem ser entregues à familiares de primeiro grau.
4. Relacionado ao anterior, o outro dilema tem a ver com a dificuldade (senão mesmo inexistência) de comunicação com seus familiares em Moçambique, que nalguns casos nem sabem que elas estão presas neste país latino-americano. A maioria delas vem de famílias pobres - uma das possíveis razões de sua entrada no mundo do tráfico e, uma vez presas, não vêem a menor possibilidade de algum familiar seu se deslocar para visitá-las ou mesmo para evitar que seus filhos sejam entregues à adopção;
5. Por outro lado, pesa o facto de elas só poderem contar com a “boa vontade” da Defensoria Pública Brasileira, que mal consegue responder à demanda das reclusas do seu próprio país (para não falar das estrangeiras, das quais as Moçambicanas fazem parte). As reclusas acreditam que se pudessem cumprir pena no país, essa situação poderia ser amenizada;
6. Por último, mas não o menor dos dilemas, está o descaso que as reclusas enfrentam por parte do Consulado Moçambicano naquele país. De acordo com as estas, as únicas vezes em que receberam uma visita dos diplomatas moçambicanos foi quando o Presidente da República de Moçambique, Armando Guebuza, visitou o Brasil. Fora disso, não há nenhum tipo de contacto com estas entidades que se dizem estar a representar o seu país e os interesses dos seus concidadãos.
Não se pretende aqui vitimizar as reclusas, pois se elas estão presas, até prova em contrário, é porque cometeram algum crime e devem pagar por ele. Porém, é necessário lembrar que, mesmo na sua condição, elas têm direitos que deviam ser protegidos e ressalvados por aqueles a quem confiaram o seu contrato social. Parte-se do princípio que, após cumprirem sua pena, elas voltarão ao convívio social, com o diferencial de que teriam, em algum momento de suas vidas, passado por uma situação de total indiferença de quem poderia ter feito algo por elas.
Nesse contexto, o Centro de Estudos Moçambicanos e Internacionais lança o apelo às entidades de direito em Moçambique para que tomem medidas visando aliviar o dilema e sofrimento que as reclusas Moçambicanas vivem no Brasil.
Acredita-se que Moçambique e Brasil possuem boas relações político-diplomáticas bilaterais e ao nível da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). Se estas relações forem bem exploradas, por parte da diplomacia Moçambicana, até os cidadãos Moçambicanos residentes naquele país (inclusive as reclusas em questão), serão beneficiadas. Mais uma vez, o Estado Moçambicano é convidado a repensar no seu contrato com os seus cidadãos!

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