Monday, 21 June 2010

O Xiconhoca já virou a regra

— denuncia Jorge Rebelo, antigo combatente, que diz também não entender muito bem o conceito de geração da viragem
Por Armando Nenane
O antigo combatente da Luta de Libertação Nacional, Jorge Rebelo, entende que os desafios que os jovens têm que enfrentar hoje não têm nada a ver com a liber­tação do país tal como aconteceu com a sua geração no passado. Falando na manhã desta quarta-feira por ocasião dos 35 anos da Independência Nacional, num encontro promovido pelo Parlamento Juvenil de Mo­çambique, o também antigo ministro da Informação no governo de Samora Machel defendeu que o mérito con­quis­tado pela geração que trouxe a Independência ao país também podia ter sido alcançado pelo jovens de hoje caso tivessem vivido no mesmo contexto.
Jorge Rebelo chamou atenção aos jovens no sentido de não olharem para os antigos combatentes com tanta veneração. “Muitas vezes tenho sentido que os jovens encaram os antigos combatentes dessa forma, mas é preciso reparar que eles fizeram o que fizeram porque sentiram que a Pátria precisava deles para liber­tarem o país”, elucidou.
Acrescentou que hoje já não é preciso libertar o país. No passado, os jovens da Frelimo tiveram que ir à escola aprender a pegar em armas, a estudar a posição do alvo, a disparar, mas hoje os jovens devem direccionar a sua inteligência, conhecimento e coragem para outros com­bates, como o combate à pobreza, ao analfabetismo, a SIDA, à corrupção, a des­coberta de novas formas de aumentar a produção agrí­cola, a comercialização, assim como criar mercados internos e externos.

Geração da Viragem vs Geração da Verdade
Rebelo disse não compre­ender muito bem o que é Geração da Viragem, uma vez que nunca ninguém apareceu a explicar muito ao certo se a tal viragem significa virar para onde.
“É para frente? Não perce­bo como é que se pode virar para frente”, disse.
Para se expressar melhor diante dos jovens, o antigo combatente recorreu a um artigo do jornalista Bayano Valy, publicado na última edição do SA­VANA Rebelo concorda com muitos as­pectos colocados pelo jorna­lista, o qual propôs, ao invés de uma geração da viragem, uma geração da verdade.
No referido artigo, Valy refere que a Geração da Verdade seria uma geração de jovens pensantes, com vontade e consciência pró­pria, que não se preocu­passem em defender as cores de seja qual fosse o partido politico, raça, religião, etnia, mas sim as cores da bandeira nacional, visando promover o bem-estar cultural, social, económico e politico.
Bayano Valy, parafra­seado por Rebelo, defende uma geração que colocaria as ferramentas científicas ao seu dispor na busca constante da verdade, comprometida em promover a cidadania e alargar o debate na esfera pública, uma geração que promoveria ideias pelo seu mérito e não pela sua atracção política, religiosa, racial ou étnica.
Espírito aberto e combater dogmas
No entender de Rebelo, os jovens também podem en­contrar inspiração para a construção dos seus ideais na Carta Africana da Juven­tude.
Jorge Rebelo avisou que é necessário que os jovens tenham um espírito aberto e que saibam aceitar as posi­ções dos outros, mas com­batendo sempre os dogmas através do questionamento constante das soluções aca­badas. Isso, segundo ele, tem que ser feito da maneira mais científica possível, quebrando tabus.
“O contrário disso atrofia a análise e leva-nos a aceitar tudo o que vem como certo, incontornável e indiscutível. Aceitar tudo equivale ao lambebotismo, que é o maior mal que graça a nossa socie­dade, onde as pessoas ten­dem a querer agradar o chefe, com todas as artimanhas possíveis”, precisou.
Rebelo disse ter aceite o convite do Parlamento Juvenil de Moçambique pelo facto de ser uma organização de jovens que tem sido cono­tados como rebeldes.
“Foi isso que me atraiu a vir ao debate. Primeiro porque sou um rebelde, não aceito soluções acabadas. E, se­gundo, porque esta é a maneira de lutar e corrigir o que está errado. Se é verdade o que se diz, que vocês são rebeldes, então estamos juntos”, disse o antigo com­batente, arrancando uma enorme ovação entre os presentes.
Muito lambebotismo na Frelimo
Jorge Rebelo também abordou questões que dizem respeito ao seu próprio par­tido. Quando se fala da Frelimo, segundo ele, a tendência é sempre dizer que é o melhor partido do mundo, que é o mais perfeito, mas também é preciso analisar porque é que somos membros da Frelimo.
“No meu caso, sou mem­bro da Frelimo por razões históricas: já estou no partido há 50 anos. O que farei é apoiar o partido para que siga os ideais inscritos nos seus programas. Mas quanto aos outros: estão no partido por inércia?, comodismo?, opor­tunismo?, falta de alter­nativa?”, questionou, acres­centando que é preciso não perder de vista que a Frelimo é que está no poder e é ela que deve ser o centro das atenções.
Lamentou, ainda, que há uma grande resistência à crítica no seio do partido, referindo que tal se deve ao facto de existir muito lam­bebotismo. “Há uma orien­tação no sentido de se faze­rem apresentações pela positiva, nunca pela ne­gativa”, destacou, acrescen­tando, em resposta à jornalista Bordina Muala, que "há muito lambebotismo e quando as botas já estão limpas não há nada a fazer".
No concernente ao com­bate à corrupção, Rebelo referiu que estamos em presença de uma palavra que tem que ser analisada sob ponto de vista histórico. Basta reparar que aquilo que se considerava corrupção no passado hoje já não é, o que era comportamento negativo no passado hoje é normal. “Hoje já não existe o xico­nhoca, que ontem era a excepção hoje já é a regra”, demonstrou.
SAVANA – 18.06.2010

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