Tuesday 9 February 2010

A Opinião de Ricardo Santos

O Dilema de Paúnde

Maputo (Canalmoz) - Um Estado partidarizado é sinónimo de um Estado enfraquecido e este, por sua vez, será sempre um Estado totalitário. É dos livros.
Por isso, preste-se atenção à ênfase de Filipe Paúnde nos funcionários públicos. Se bem que ninguém nunca foi capaz de penetrar na consciência de outrem, há factores que determinam a direcção do voto em períodos eleitorais, nomeadamente o questionário verbal que as células da Frelimo submetem os funcionários públicos a três meses de cada pleito, indiscriminadamente. “Qual é o número do seu cartão de Eleitor”. Aqui responde-se a duas questões. Primeiro, já se fica a saber se o funcionário Vota. Segundo, já se saberá em que lista vai estar. E também, já se saberá onde será convocado para participar na campanha eleitoral. “Você é membro do partido Frelimo? Gostaria de se filiar nele?”. Se não for, deverá responder provavelmente que sim, porque o histórico da organização assim recomenda. Logo, com o Cartão de Eleitor já identificado e membro efectivo da célula, a probabilidade do funcionário ir votar e no candidato esperado cresce para os 80%. “Gostaria de participar no convívio de angariação de fundos do partido Frelimo, ou, gostaria de contribuir para as actividades da célula do partido Frelimo. De que modo?” Isto permite responder se o funcionário é ao menos simpatizante daquele partido. Logo, um membro potencial.
A propaganda eleitoral exclusivamente da Frelimo aparece livremente afixada em todas as repartições públicas. Embora muitos regulamentos internos (vide caso UEM/Min. Defesa) proíbam este procedimento, eles só se aplicam aos partidos e simpatizantes da oposição.
O sector dos Recursos Humanos é a peça mais importante neste esquema. Porque eles confundem-se com a CÉLULA, quando fazem a triagem dos seus membros, avaliando a capacidade profissional de cada um. Obviamente, os mais dotados são propostos para cargos de chefia. Os que não pertencem à célula, são descartados, por muito competentes que sejam. Alguns são até transferidos para sectores onde podem ser “dissecados devagar”. Chama-se a isso: ACANTONAR. Outros, por serem imprescindíveis, são mantidos no sector, mas um colega seu – membro da célula – é encarregue de o monitorizar permanentemente e captar o máximo que puder de conhecimento técnico. Quando estiver mais apto, tomará naturalmente o seu lugar. E para incentivar estes actos de militância, bolsas de estudos e outros “subsídios” são oferecidos, por sugestão da célula implantada nos Recursos Humanos. Como é evidente, os Recursos Humanos articulam directamente com a chefia do Sector/Direcção que endossa as recomendações ao mais alto nível.
Perto de 500.000 pessoas, ou seja, 2,5% da população de Moçambique, e muito provavelmente mais de 25% da população activa de Moçambique, tem o seu sentido de voto pré-condicionado pelo punho de aço destas células. Por alguma razão, Filipe Paúnde defende-las com garras e dentes. Se tivermos em conta que no sector privado, grosso modo, o empresariado militante ou expatriado também faz o seu papel de célula, em certas ocasiões pressionando ainda mais do que as células da função pública, pois tem a prerrogativa de despedir o funcionário sem Justa Causa (ou com a causa da cabeça dele), esta cifra ultrapassará os 50% da população activa.
Número suficiente para se ter uma vitória retumbante garantida – garantidamente sem fraudes – em todas as eleições, ainda por mais, conhecendo previamente QUEM consta das listas, as quais, poderão, a nível dos órgãos eleitorais, ser validadas “em conformidade antecipada”. Isto é, não se imagina que sejam invalidadas pela CNE, nem que chovam canivetes...
Por isso, no equilíbrio político do País uma coisa não pode ser desprezada: O papel nevrálgico das células da Frelimo na Função Pública!
Este sistema de células seria perfeito e até passaria despercebido, caso não sofresse das imperfeições que caracterizam a ambição humana. Assim, começámos a ter variantes oportunistas. Por exemplo, para futuros candidatos à chefia, promoção ou mesmo premiação (seja monetária/bolsa no exterior/etc.) outros “critérios” são agora tidos em conta: O grau de parentesco; a cor da pele; e ultimamente, a etnia.
O parentesco torna-se importante quando para o mesmo benefício há dois membros da célula oriundos de famílias diferentes. Apesar da LEI proibir o nepotismo na função pública (foi criada no período colonial), difícil é aplicá-la. Como é evidente, quem tiver o “calcanhar paterno” mais forte é que avança. A cor da pele é outro critério – normalmente até o primário – que por vezes funciona como moeda de desempate para resolução de conflitos de “calcanhar paterno”. É evidente que para chefia, os mais originários são preferencialmente os escolhidos. Ultimamente, como medida de distensão interna na Frelimo e para abocanhar os poucos nichos que sobejaram para a oposição, o factor étnico, pode-se – excluído o factor rácico desta análise – se sobrepor aos demais. Por ser um critério novo, o vale-tudo ainda prevalece. Mas é uma questão de tempo, para que outras variáveis de filtragem assimilem o processo.
Outra característica nefasta das células da Frelimo na função pública é o absentismo que elas induzem. Em cinco anos de legislatura, a cada pleito eleitoral, perdem-se seis (6) meses de trabalho na Função Pública, sendo três, antes e depois das eleições. Se tivermos em conta que Moçambique conhece a cada legislatura, dois pleitos, então, com rigor, 50% da população activa de Moçambique passa 20% de cada legislatura em comícios e passeatas. Ora, isso tem um custo económico violento. Motivos que justificam a erradicação das células na Função Pública.
Aliás, a Função Pública não deveria permitir qualquer célula, de partido algum. Deveria ser um sector profissionalizado imune a todas vicissitudes do País, nomeadamente, a mudança de governo. Como acontece em Itália.
Portugal, não é definitivamente o melhor exemplo para nós modernizarmos a Função Pública nos diferentes sectores só por causa da herança administrativa. Até, deverá ser o pior exemplo de todos...Porque, um país de 100.000 km2 com perto de 1 milhão de pessoas na Função Pública provoca calafrios ao mais incauto dos observadores.
Esta medida impõe-se como urgente, ainda por cima agora que o Ministério da Função Pública nos apresentou um novo sistema de avaliação de Desempenho do Funcionário Público. Sendo o seu princípio baseado no mérito, acreditará alguém na imparcialidade das células caso um membro seu for penalizado?
Em suma, duas medidas devem ser tomadas para endireitar as coisas: Proibição de células de partidos na Função Pública; Legalização do Sindicato da Função Pública, de filiação livre e apartidária, expurgando o risco de, por factores circunstanciais, qualquer partido convertê-lo numa espécie de confederação de células de militantes, como nos mostra, uma vez mais, o mau exemplo Português. Porque, caso contrário, calam-se as vozes dos que pugnam pela extinção das células na Função Pública, mas preserva-se a sua acção na mesma. Desta feita, em maior promiscuidade, com os Recursos Humanos acasalados aos próprios sindicalistas tornando a vida do Funcionário Público num autêntico purgatório.
O lugar das células de partidos é nos círculos eleitorais onde os cidadãos estão inscritos e se conhecem. E isto, deveria ser estendido aos candidatos a deputados às Assembleias. Assim é num estado de direito moderno.
Este é o nó de estrangulamento do nosso País que, o presidente Guebuza, quando decidir desatá-lo, terá o meu voto garantido. Incondicionalmente.

(Ricardo Santos, analista de sistemas)