Friday 29 January 2010

A Opiniao de Ericino de Salema

Descentralização em Moçambique:
Um olhar à componente financeira, com enfoque no distrito

A Constituição da República de Moçambique (CRM) em vigor – de 2004, sucedânea da de 1990 – refere, no seu artigo 126.º, que o sistema financeiro é organizado de forma a garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social do país.

Na mesma linha, o número 1 do artigo seguinte (127.º) vem explicitar que o sistema fiscal é estruturado com vista a satisfazer as necessidades financeiras do Estado e das demais entidades públicas, realizar os objectivos da política económica do Estado e garantir uma justa repartição dos rendimentos e da riqueza.

Para uma melhor compreensão da matéria aqui em recensão, julgamos ser razoável que comecemos por nos referir, antes, ao contexto – político e legal – que marcou o processo da descentralização no território onde hoje se situa Moçambique, sem, entretanto, pretendermos que este breve ensaio se transforme numa espécie de ‘tratado histórico’.

Nos últimos 10 anos, Moçambique iniciou um processo duplo de descentralização, vista em termos globais, que combinou um processo de devolução de funções e de responsabilidades de realização de despesas públicas para um número específico de autarquias locais, com uma desconcentração simultânea de serviços públicos prestados através da Administração Pública.

O ano de 1997 marcou, na realidade, o início da descentralização em Moçambique, com a introdução da municipalização mediante a aprovação da lei número 2/97, que definiu os parâmetros para a realização das primeiras eleições autárquicas em 33 cidades e vilas no ano de 1998.

Os municípios são, por definição, pessoas colectivas de direito público com autonomia administrativa e financeira, estando autorizados a colectar localmente, dentro de alguns limites impostos por lei, com vista a financiar as despesas e os investimentos numa série de serviços descentralizados, tais como a gestão do saneamento, energia, transportes e comunicações, educação, cultura e desporto e de questões sociais e ambientais1.

De acordo com o estudo intitulado “Relações Fiscais Intergovernamentais em Moçambique”, para além da introdução das autarquias locais no figurino da Administração do Estado, as reformas contínuas do sector público culminaram numa significativa transformação do relacionamento institucional entre o governo central e os diversos níveis de Administração do Estado, designadamente através da introdução da lei número 8/2003, também conhecida por Lei dos Órgãos Locais do Estado (LOLE), que estabelece novos princípios e normas de organização, atribuições e competências e de funcionamento dos órgãos locais do Estado (províncias, distritos, postos administrativos e localidades).

Não restam dúvidas, diz o estudo acima citado, de que o Governo de Moçambique está a conduzir uma política implícita de descentralização e que existe vontade política de alocação de recursos para os níveis mais baixos da estrutura administrativa estatal, embora se não afigurem claros os objectivos específicos que o governo visa alcançar com a sua reforma de descentralização.

O estudo recorda o facto de não existir, em Moçambique, uma política formal de descentralização, nem outra política oficial de descentralização, que defina, claramente, os objectivos da estratégia de descentralização do governo. Como tal, uma estratégia de descentralização estabeleceria a visão governamental sobre inúmeras questões de descentralização fiscal e/ou financeira, de entre as quais destacamos as seguintes:

A abordagem geral para o financiamento dos governos locais baseia-se no princípio de que ‘a transferência de uma função implica necessariamente a transferência dos respectivos recursos financeiros’, o que requer a especificação não apenas de que fontes de receitas serão afectadas aos níveis locais, mas também a definição de mecanismos de decisão relativos à forma como dividir as transferências intergovernamentais entre os diferentes níveis de governo e entre as várias jurisdições dentro do mesmo nível governamental;

Os esperados acordos de gestão financeira a diferentes níveis do governo.

No quadro da descentralização financeira do Estado, existe em Moçambique um instrumento de capital importância, que é o Sistema de Administração Financeira do Estado, amplamente conhecido pela sigla SISTAFE, que é, em termos claros e simples, o sistema integrado de gestão financeira para todos os níveis da Administração do Estado (central, provincial e distrital) no país.

O distrito no contexto do SISTAFE

No seu estudo sobre “Relações Fiscais Intergovernamentais em Moçambique”, Boex, Ilal, Nguenha e Toneto Jr. afirmam que embora a LOLE defina o distrito como a base para a planificação económica e social e para a prestação dos principais serviços públicos no país, as únicas despesas públicas de nível distrital que são realmente representadas nos orçamentos distritais são as despesas públicas de administração distrital.

“Pelo contrário, o financiamento dos principais serviços governamentais ‘distritais’ tais como o ensino primário e os cuidados básicos de saúde continuam ainda retidos nos orçamentos provinciais. O progresso lento nesta matéria pode, em parte, ser explicado pelo facto de as limitações em termos de capacidade criariam condições para que muitos governos distritais não conseguissem gerir as suas finanças através do SISTAFE” (Boex at all, 2008: 20).

Pelo facto de, no quadro da gestão financeira distrital no contexto do SISTAFE, as responsabilidades de elaboração de planos e orçamentos locais poderem ser atribuídas ao nível distrital de forma relativamente rápida – entre três a cinco anos – mostra-se premente a necessidade de haver um período de tempo relativamente maior para a capacitação de cada um dos distritos no que se refere à gestão financeira local.
(Continua)

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