Monday, 16 November 2009

A Opiniao de Joao Mosca

O que há de economia nas decisões económicas?

ECONOMICANDO

Por João Mosca

Existe a percepção e por vezes o convencimento, so­bre­­tudo entre os economistas mais tecnocratas e ortodoxos da teoria convencional, que os agentes económicos (Es­tado, empresas e famílias), decidem assuntos econó­micos ou com grandes efeitos sobre a eco­nomia, com base no que se designa por de­cisões racio­nais, maximiza­doras de objec­tivos (bem-estar social, lucros, utilidades do consumidor, etc.), pressu­pondo o uso eficiente dos recursos, o conhecimento e informação das opções alter­nativas (custo de oportuni­dade) e segundo expectativas racionais sobre o evoluir da economia no tempo em que as decisões produzem os seus efeitos. As previsões são estimadas com base em dados históricos e através de simu­lações econométricas mais ou menos sofisticadas.

Este texto tem por objectivo defender que quase sempre, em todas as realidades e governações, as decisões de natureza económica ou com grande influência sobre a economia, são tomadas con­siderando muito pouco do que a teoria económica nos ensina. Existem muitas lógicas e racionalidades para além da económica, que influenciam os centros de decisão que tomam muitas vezes medidas contrá­rias ao que seria eco­nomicamente expectável (ou “racional”) e também sem previsão dos efeitos sobre a complexidade das realidades sócio-económicas e am­bien­tais, não havendo por isso medidas que procurem mi­nimizar os efeitos e exter­nalidades negativas.

Contributos da economia institucionalista, de soció­logos, da psicologia econó­mica e de outras áreas de conhecimento, revelam que a complexidade das realidades não são explicáveis com o encrustamento metodológico das ciências, remetendo-nos para as análises sistémicas e interdisciplinares. Este enun­ciado é ainda mais válido para as ciências compor­tamentais, sendo a economia uma delas.

Neste texto, toma-se como exemplo a nacionalização dos prédios de rendimento. É apenas um exemplo. Tantos outros poderiam ser apresen­tados. Este tipo de aborda­gens (ou metodologia de análise e respectivo quadro teórico) é aplicável a qualquer realidade.

A nacionalização dos pré­dios de rendimento, segundo o discurso oficial, pretendia acabar com o racismo da divisão habitacional: brancos na cidade de cimento, negros nos subúrbios e mulatos nas zonas intermédias. O povo, que tinha construído as cida­des, deveria a elas ter acesso. O preço do aluguer após as nacionaliza­ções era simbólico e pon­derado com os rendi­mentos dos agregados fami­liares inquilinos. Diz-se que a decisão foi individual do Presidente Samora, sem conhecimento de pelo menos parte do Conselho de Minis­tros. Pode-se aceitar que não foi, na sua origem, uma decisão estritamente econó­mica. Mas, com certeza, que com grandes efeitos sobre a economia.

Pode-se inferir que o ideal discursivo de combate ao racismo, possuía também objectivos de alicerçar o novo quadro de alianças do poder com os citadinos e as elites emergentes. Alguns autores consideram esta medida como o “golpe decisivo” para a saída dos estrangeiros (principal­mente dos portugueses), que tinham obtido as suas casas com pequenas poupanças. Especula-se mesmo que esse era também um objectivo.

Criou-se a APIE (Admi­nistração do Parque Imobi­liário do Estado) para gerir o patri­mónio. Tornou-se uma mega-organização burocrá­tica, que rapidamente se corrompeu, incapaz de fazer a gestão e a manutenção dos edifícios. As cobranças cons­tituíam recei­tas do Orçamento do Estado.

Este caso pode demonstrar ter sido uma decisão de corte ideológico populista, que pretendia combater um supos­to racismo (o contrário tam­bém pode ser defendido, isto é, que foi uma decisão com ele­mentos raciais). Esta medida terminou por alcançar uma pequeníssima porção da socie­dade moçambicana (me­nos de 2%). A dimensão económica não foi consi­derada: o critério do preço de aluguer funda­menta a natu­reza populista da decisão, a APIE não tinha base organi­zacional adequada e o patri­mónio deteriorou-se (cujo processo de degradação se mantém) e com isso a perda de um importante capital fixo. Quanto biliões de dólares se perderam e perdem?

Posteriormente, com a decisão da venda das casas a pessoas singulares ou colec­tivas, a dimensão económica manteve-se ausente. As casas foram vendidas a preços simbólicos, abriu-se um mer­cado de influências e existem muitas pessoas que compra­ram quantas casas puderam para as alugar ou revender a preços muito mais altos (es­peculação imo­biliária, junta­mente com o solo ur­bano). As rendas constituem hoje uma parte importante do rendi­mento ou mesmo fonte de acumulação para muitas famí­lias. Esta medida enqua­dra-se no contexto da emer­gência de uma elite espe­culadora e arrendatária.

Com a venda das casas pre­tendia-se inverter a deterio­ração do património. Há apoios para a recuperação das partes visíveis dos edifícios para tornar “a cidade bonita” (por exemplo o programa Xonga Maputo), enquanto que as infra-estruturas que não se vêem continuam em deterio­ração.

O exemplo do parque imobi­liário evidencia clara­mente a não consideração da dimensão económica. Tal como é absur­do pensar que as decisões económicas ou com implica­ções na economia apenas se fundamentam em critérios e lógicas da econo­mia, não é menos evidente que não considerá-las produz geral­mente efeitos negativos, alta­mente custosos e termina-se por comprometer os objec­tivos finais da medida inicial: que os moçambicanos, mes­mo que uma minoria e no quadro de lógicas de poder, tivesse acesso a uma melhor habita­ção. Neste momento, a grande maioria das casas do parque imobiliário está na­cionalizada, já não bene­ficia o povo (como se dizia) e quando é o “povo”que lá vive, as condições de habitação não têm a suposta dignidade pretendida. Os resultados a longo prazo, foram perversos, mesmo no quadro das lógicas dominantes da decisão.

O autor não comenta a decisão da nacionalização. Apenas pretendeu demons­trar que a dimensão econó­mica, não sendo a única nem muitas vezes a mais impor­tante, não pode ser esquecida ou menosprezada. E, infeliz­mente, assim continua sendo.

SAVANA – 13.11.2009

1 comment:

Anonymous said...

Alo MA, tive varias aulas de economia na faculdade que frequentei durante 4 anos, nenhuma foi tao compensadora como este artigo do Sr. Mosca.

Agradeco por teres dado este espaco a publicacao deste artigo!