O que há de economia nas decisões económicas?
ECONOMICANDO
Por João Mosca
Existe a percepção e por vezes o convencimento, sobretudo entre os economistas mais tecnocratas e ortodoxos da teoria convencional, que os agentes económicos (Estado, empresas e famílias), decidem assuntos económicos ou com grandes efeitos sobre a economia, com base no que se designa por decisões racionais, maximizadoras de objectivos (bem-estar social, lucros, utilidades do consumidor, etc.), pressupondo o uso eficiente dos recursos, o conhecimento e informação das opções alternativas (custo de oportunidade) e segundo expectativas racionais sobre o evoluir da economia no tempo em que as decisões produzem os seus efeitos. As previsões são estimadas com base em dados históricos e através de simulações econométricas mais ou menos sofisticadas.
Este texto tem por objectivo defender que quase sempre, em todas as realidades e governações, as decisões de natureza económica ou com grande influência sobre a economia, são tomadas considerando muito pouco do que a teoria económica nos ensina. Existem muitas lógicas e racionalidades para além da económica, que influenciam os centros de decisão que tomam muitas vezes medidas contrárias ao que seria economicamente expectável (ou “racional”) e também sem previsão dos efeitos sobre a complexidade das realidades sócio-económicas e ambientais, não havendo por isso medidas que procurem minimizar os efeitos e externalidades negativas.
Contributos da economia institucionalista, de sociólogos, da psicologia económica e de outras áreas de conhecimento, revelam que a complexidade das realidades não são explicáveis com o encrustamento metodológico das ciências, remetendo-nos para as análises sistémicas e interdisciplinares. Este enunciado é ainda mais válido para as ciências comportamentais, sendo a economia uma delas.
Neste texto, toma-se como exemplo a nacionalização dos prédios de rendimento. É apenas um exemplo. Tantos outros poderiam ser apresentados. Este tipo de abordagens (ou metodologia de análise e respectivo quadro teórico) é aplicável a qualquer realidade.
A nacionalização dos prédios de rendimento, segundo o discurso oficial, pretendia acabar com o racismo da divisão habitacional: brancos na cidade de cimento, negros nos subúrbios e mulatos nas zonas intermédias. O povo, que tinha construído as cidades, deveria a elas ter acesso. O preço do aluguer após as nacionalizações era simbólico e ponderado com os rendimentos dos agregados familiares inquilinos. Diz-se que a decisão foi individual do Presidente Samora, sem conhecimento de pelo menos parte do Conselho de Ministros. Pode-se aceitar que não foi, na sua origem, uma decisão estritamente económica. Mas, com certeza, que com grandes efeitos sobre a economia.
Pode-se inferir que o ideal discursivo de combate ao racismo, possuía também objectivos de alicerçar o novo quadro de alianças do poder com os citadinos e as elites emergentes. Alguns autores consideram esta medida como o “golpe decisivo” para a saída dos estrangeiros (principalmente dos portugueses), que tinham obtido as suas casas com pequenas poupanças. Especula-se mesmo que esse era também um objectivo.
Criou-se a APIE (Administração do Parque Imobiliário do Estado) para gerir o património. Tornou-se uma mega-organização burocrática, que rapidamente se corrompeu, incapaz de fazer a gestão e a manutenção dos edifícios. As cobranças constituíam receitas do Orçamento do Estado.
Este caso pode demonstrar ter sido uma decisão de corte ideológico populista, que pretendia combater um suposto racismo (o contrário também pode ser defendido, isto é, que foi uma decisão com elementos raciais). Esta medida terminou por alcançar uma pequeníssima porção da sociedade moçambicana (menos de 2%). A dimensão económica não foi considerada: o critério do preço de aluguer fundamenta a natureza populista da decisão, a APIE não tinha base organizacional adequada e o património deteriorou-se (cujo processo de degradação se mantém) e com isso a perda de um importante capital fixo. Quanto biliões de dólares se perderam e perdem?
Posteriormente, com a decisão da venda das casas a pessoas singulares ou colectivas, a dimensão económica manteve-se ausente. As casas foram vendidas a preços simbólicos, abriu-se um mercado de influências e existem muitas pessoas que compraram quantas casas puderam para as alugar ou revender a preços muito mais altos (especulação imobiliária, juntamente com o solo urbano). As rendas constituem hoje uma parte importante do rendimento ou mesmo fonte de acumulação para muitas famílias. Esta medida enquadra-se no contexto da emergência de uma elite especuladora e arrendatária.
Com a venda das casas pretendia-se inverter a deterioração do património. Há apoios para a recuperação das partes visíveis dos edifícios para tornar “a cidade bonita” (por exemplo o programa Xonga Maputo), enquanto que as infra-estruturas que não se vêem continuam em deterioração.
O exemplo do parque imobiliário evidencia claramente a não consideração da dimensão económica. Tal como é absurdo pensar que as decisões económicas ou com implicações na economia apenas se fundamentam em critérios e lógicas da economia, não é menos evidente que não considerá-las produz geralmente efeitos negativos, altamente custosos e termina-se por comprometer os objectivos finais da medida inicial: que os moçambicanos, mesmo que uma minoria e no quadro de lógicas de poder, tivesse acesso a uma melhor habitação. Neste momento, a grande maioria das casas do parque imobiliário está nacionalizada, já não beneficia o povo (como se dizia) e quando é o “povo”que lá vive, as condições de habitação não têm a suposta dignidade pretendida. Os resultados a longo prazo, foram perversos, mesmo no quadro das lógicas dominantes da decisão.
O autor não comenta a decisão da nacionalização. Apenas pretendeu demonstrar que a dimensão económica, não sendo a única nem muitas vezes a mais importante, não pode ser esquecida ou menosprezada. E, infelizmente, assim continua sendo.
SAVANA – 13.11.2009
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18 hours ago
1 comment:
Alo MA, tive varias aulas de economia na faculdade que frequentei durante 4 anos, nenhuma foi tao compensadora como este artigo do Sr. Mosca.
Agradeco por teres dado este espaco a publicacao deste artigo!
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