29 de Julho de 2009 - por Bruno Garschagen
Tags: Angola Moçambique áfrica
Numa palestra realizada para o TED, o economista e presidente da Free Africa Foundation George Ayittey disse que na África há dois tipos de gerações: os guepardos e os hipopótamos.
A salvação da África, segundo ele, estava nas mãos dos guepardos, indivíduos que lutam pelas liberdades, pela democracia, que não esperam que o governo aja por eles, que não toleram a corrupção, que trabalham pelo desenvolvimento de suas regiões.
São o oposto dos hipopótamos, a elite instalada no governo que construiu uma confortável prisão intelectual, política e econômica que os imobiliza e imobiliza o país que governam. Os hipopótamos não agem e lapidam o discurso permanente da crueldade do colonialismo e do imperialismo. Ancoram-se nessa justificativa para não agir e não deixar que os indivíduos ajam. As reformas políticas e econômicas não são sequer concebidas. Afinal, o estado de coisas os beneficia.
Num continente afortunado pelas riquezas naturais e pela ajuda trilionária oriunda de doações internacionais ao longo dos recentes 50 anos, falar de falta de recursos não é só uma piada de mau gosto: é uma violação dos direitos humanos. A economista Dambisa Moyo, no excelente Dead Aid, mostra que desde o fim dos anos de 1950 o continente africano recebeu dos países ricos mais de US$ 1 trilhão em ajuda (1). Coletar e enviar dinheiro para os países africanos converteu-se, a partir da década de 1980, num imperativo moral. Você facilmente poderia ser acusado de desumano se negasse ajuda ou tratasse o assunto de forma crítica ou desdenhosa.
A herança macabra de Bob Geldof, o criador do Live Aid Concert, foi reclamada por Bono Vox, o vocalista do U2. À minha falta de simpatia inicial por ambos agregou-se, em tempos recentes, o desprezo pelo resultado de suas ações beneficentes: o povo africano mais pobre se depara com a elite política e militar enriquecida pelo dinheiro das doações. A ajuda internacional piorou a vida do africano. O montante destinado aos países do continente serviu para aumentar a burocracia e irrigar um gargalo de corrupção criado por uma elite política que converteu o Estado numa mina inesgotável de riqueza e poder.
Na semana passada, eu e Diogo Costa, o editor do Ordemlivre.org, passamos oito dias em Moçambique e Angola. A pobreza é a regra, assim como a riqueza corrupta atirada diariamente no rosto do cidadão. Todos sabem de onde vem e para onde vai o dinheiro. No caso de Moçambique, começa a se formar uma sociedade civil que posso identificar como a geração dos guepardos. Jovens e adultos formam grupos promovem e participam ativamente dos debates em curso.
Repetindo as palavras de Ayittey, eles “lutam pelas liberdades, pela democracia, não esperam que o governo aja por eles, não toleram a corrupção, trabalham pelo desenvolvimento de suas regiões”. Fiquei surpreso e feliz com a sofisticação das discussões e com a participação interventiva das pessoas que compareceram nos três dias de palestras que organizamos em Maputo junto com o Centro de Estudos Moçambicanos, formados pela melhor estirpe de guepardos. Eles bem sabem que os hipopótamos, embora poucos, são igualmente grandes e poderosos, mas podem ser vencidos.
Em Luanda, Angola, a tarefa e a responsabilidade dos guepardos são ainda mais árduas. Os hipopótamos são maiores, mais gulosos e anabolizados pelo petróleo. Dominam o Estado, ditam a miséria da nação e o enriquecimento setorizado. Os guepardos são em menor número na comparação com Maputo e o controle sobre suas atividades é muito maior. Se um estrangeiro que se hospeda no hotel local é obrigado a preencher uma ficha do governo com informações pessoais e objetivo da estadia, o que não sofre o cidadão comum?
Ayittey encerra sua palestra com uma mensagem de fé: com os guepardos é possível retomar a África dos hipopótamos. O trabalho não será nada fácil, mas vi que é possível converter ideias e o poder que delas emana em estímulo para promover mudanças. Muito mais do que doações ineficazes, os guepardos precisam de respeito e de contribuição intelectual para elaborarem e decidirem os caminhos políticos e econômicos que promovam as liberdades e o desenvolvimento.
(1) MOYO, Dambisa. Dead aid – Why Aid Is Not Workin and How There Is a Better Way for Africa. New York: Farrar, Straus and Giroux, 2009, p. 19
Bruno Garschagen é jornalista e mestrando em ciência política na Universidade Católica Portuguesa.
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