Monday 17 August 2009

A Opiniao de Pedro Lavieque

Caros compatriotas

A forma como se conduzem os debates cria inquietacoes como se todos estivessemos despidos da nossa verdadeira mocambicanidade. Neste fórum debate-se sobre a verticalidade ou não da juventude. De todas as direccoes há argumentos que procuram fazer crer que exemplos típicos da nossa juventude gravitam em dois pólos: Azagaia dum lado e MCRoger do outro. Numa apreciação rápida parece ser esse o raciocínio que fervilha as nossas mentes. Não vou aqui tirar o mérito dos argumentos, cuja validade eh inquestionavel. Mas gostaria de partilhar com os demais compatriotas a outra vertente que ainda não esta sendo devidamente explorada, que quanto a mim, serve de suporte principal. Trata-se da minha geração que esta passando o testemunho aos mais novos, trata-se de uma faixa etária experiente, que se esconde com subtileza, para não aparecer no difícil calvário de assumir culpas. De forma simplista a minha geração condena a juventude, atribuindo todos os pecados possíveis, mas não avança, um dedinho, para abrir alas e dar espaço a juventude. Diz-se que ela, a juventude, deve conquistar o seu espaço - o que não deixa de ser verdade - mas a amplitude dos problemas dos jovens passam pela cedência de uma serie de chaves-mestres.

Em 1964 quando começou a luta armada de libertação nacional, em todas as famílias, não havia o culto pela MENTIRA, todas as pessoas eram educadas a base da VERDADE. Não estou dizendo que não se mentia, estou sim a dizer que a mentira era imediatamente decifrada. A juventude daquela época era educada a sacrificar-se para ter algo, procurar caminhos revestidos com certa dignidade para chegar longe. A Verdade imperava na rua, em casa, na igreja, no mercado. Qualquer espécie de mentira era combatida pela sociedade. Foi assim que se identificou o colonialismo como um mentiroso que dizia ter-nos descoberto, que éramos Província Ultramarina, que tínhamos que adorar o Deus europeu, etc. Por isso, galvanizados pela VERDADE, vencemos o impostor europeu.

Depois da Independência Nacional a VERDADE continuou a ser o prato forte de governação, ate que determinadas condicoes de natureza politica e económica começaram a estender o seu lençol de mentira em que, timidamente, entramos meio confusos, e, hoje folgadamente vivemos, embora com reticencias. Em 1977 éramos verticais, obedecendo a verdade em toda a sua dimensão, contra tudo e contra todos embarcamos para o Socialismo. Não quero deixar a impressão de que se tivéssemos embarcado pelo Capitalismo deixaríamos de ser verdadeiros, nada disso, podíamos ser capitalistas mas dentro dos paradigmas da VERDADE. As carências eram tais que mesmo assim havia coesão na sociedade. A minha geração começou a fraquejar, fustigada de todos os cantos, precisando de ser rica. A minha geração não explicou devidamente aos seus descendentes o que houve, o que estava acontecendo. Isso significa que começamos a venerar a mentira no lugar da verdade. Construimos, em famílias de destaque, o OCULTISMO. Em sociedade há famílias de referencia para copiar, servir de modelo, mas o erro, o desvio, o corta-mato estava sendo pregado em famílias de copia. Em 1984 entramos numa situação em que não se respeitava a Constituição da Republica, mas também não havia problemas, não se invocava a sua violação, não se combatiam nem eram desencorajados os actos contrários aos estabelecidos. Os juristas encontraram um termo elegante para tapar a vergonha e chamam de Constituição Intercalar. Na Constituição estava escrita uma coisa e o comportamento na sociedade, em gente nobre, era totalmente diferente, incaracteristico. Desta lacuna nasceu a pequena burguesia que temos em Moçambique. Foi mais uma etapa de esperteza e sorte do que de dedicação, trabalho e inteligencia. Não explicamos devidamente a juventude como ficamos ricos de dia para noite, onde arranjamos dinheiro de ontem para hoje. Em 1990 foi confirmada a pratica na sociedade na Constituição da Republica, carimbando-se, de novo na Constituição de 2004.

Hoje por hoje, queremos uma juventude integra que não lambe botas, que não eh corrupta, que não faz a cabula nos exames, que eh patriota, etc. etc. etc. Bonito apreciar esta fuga para frente. Eu pessoalmente tenho filhos jovens que me fazem perguntas difíceis de responder, porque me embaracam, muitas me envergonham. Pode-se compreender que eu não sou rico, não tenho nada, fiel aos regulamentos não mudei de estilo, meus filhos me condenam pela pobreza na família. Na VII Conferencia de Quadros na Matola levei la os meus manuais do Partido e em foro próprio coloquei algumas das perguntas dos meus filhos. Não tive resposta dos camaradas que estavam no meu grupo. Coloquei também só para me aliviar moralmente e criar uma situação de que procurei apoio em gente com quem partilho a vida desde que estamos livres do colono, mas não encontrei a resposta, não haverá resposta. Ora, isso a juventude considera fraude de testemunho, fraude no cumprimento da lealdade humana de pai para filho. Pelas carências, meus filhos correm o risco de terem no MCRoger o melhor prototipo de copia...

Peguemos num pequeno pormenor: Não são os jovens que falsificam documentos como tendo sido Antigos Combatentes da Luta de Libertação Nacional. E isto não devia acontecer, nem seria assunto para ser exibido a juventude. FIZEMOS!!! Um descuido que começou por favorecer quem nunca pegou em arma multiplicou- se negativamente em vários quadrantes do nosso Pais... Roubar um bem publico, apropriar-se de coisa alheia, servir-se de oportunidade sem pudor ficou PROCEDIMENTO NORMAL. Situacoes ilícitas, vergonhosas multiplicaram- se pelo Pais, a partir duma geração que tinha a obrigação de evitar... Por isso, caros compatriotas, MCRoger eh copia visível de um velho escondido em alguma gravata. A imagem que o musico da eh replicavel na geração onde era suposto ele devia buscar conselhos. Não estou encorajando que seja a melhor via, não estou dizendo que assim estamos bem NÃO, NUNCA, estou simplesmente a trazer um conjunto de dados para todos nos compreendermos que a degradação de valores espelhada e visível na juventude deve ser corrigida na geração imediatamente superior. Porque Chokwe e Cheringoma não foram constituídos espécie de Congressos das duas geracoes (geraçã o dos pais e geração dos filhos), para analisar o futuro da juventude em conjunto???

Azagaia representa uma postura perdida, um feito raro. Faz parte de um outro conjunto de velhos que desde os tempos não se deixaram embarcar no lençol da mentira. Mas valera a pena ir no caminho do Azagaia para logo de seguida tomar chá na Procuradoria? Alguns dirão: Por ali sim, pela coragem, pela cidadania, pelos valores altos, etc. etc. Num pais destes, com poucas pessoas a terem as refeicoes regradas ao dia, com pais abandonando os seus filhos nas ruas, meninas se desenrascando na 24 de Julho para viver, a atitude do Azagaia só pode ser corroborada em surdina, de voz meio abafada, não porque o pais esta cheio de cobardes, de lambe botas ou graxistas, mas porque, efectivamente, temos uma transição adiada, temos problemas ainda sob incubação, não temos testemunho fidedigno. Há uma geração que acumulou dividas numa outra a seguir. Essa geração - a que pertenço - deve reconciliar- se com a juventude, deve admitir que pregou mal, lavrou em deserto um conjunto de assuntos-chave e o custo, nos dias que correm, possui uma cifra ELEVADÍSSIMA.

Com a vossa permissão
Um abraço nacional
Pedro Lavieque

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