Tuesday 7 July 2009

A Opiniao de Adelino Timóteo

Carta Aberta à ministra da Justiça

Beira (Canal de Moçambique) - Há pouco acompanhei uma entrevista da Senhora ministra com a STV. Fiquei reconfortado ao ouvir as pretensões do Ministério da Justiça, quanto às mudanças ao nível da administração da população prisional. Já era sem tempo.
Quanto ao propósito deste escrito: tem a ver com o futuro da Cadeia Central da Beira (CCB), já que o futuro da população prisional, estimada em 15 mil, a digníssima ministra já o definiu: actividades de geração de rendimentos.
Senhora ministra, uma das questões que mais apoquenta a Beira é a localização da CCB, que localmente até tem vários outros nomes: Hotel Central da Beira ou Casa dos Cárceres da Beira. A designação Hotel Central da Beira, como é óbvio, e o subscritor acredita que a ministra o deve saber, se me impondo lembrar, vem da própria localização – um larápio que comete crime algures nos subúrbios e arredores da Beira – ao fim de uns quantos dias de passagem pela PIC vê melhorado o seu “statuos quo”, passando a viver luxuosamente no centro da urbe. Para ele é, sem dúvida, o futuro melhor…
Senhora ministra, de certo modo, há coisa de dois anos os reclusos da CCB foram transferidos para Nhamatanda (a cerca de 100 Kms), Cabeça-do-Velho (em Chimoio) e Savane (às portas da Beira), e o resultado, foi notório a olhos vistos: o crime melhorou relativamente na Beira. Porque a sociedade da Casa dos Cárceres da Beira, que se exercia por corrupção, soltando reclusos cadastrados à noite e acobertando-os nas suas práticas criminosas até ao romper da aurora, deixou de agir como então, sofrendo uma grande limitação dado que no regime aberto o controlo dos presos passou a ser efectuado em outros moldes. Quando no antanho os presos descansavam de dia no Hotel Central da Beira e à noite iam a paródia e em incursões às antigas (por vingança) e novas vítimas, desde o tempo que os “nossos amigos” reclusos se mudaram para Nhamatanda, Cabeça-do-Velho e Savane ninguém mais se surpreendeu com eles nas discotecas da urbe, nem nos quiosques e bares locais.
Por isso, Senhora ministra, fiquei satisfeito por ouvir que os presos vão-se dedicar a actividades produtivas. Mas não fui só eu que aplaudi. Fomos muitos que achámos bem-vinda a ideia (veja-se que até não é por acaso que rima com o nome de V.Excia…). Na Beira, a esperança de muitos é que o «Hotel Central da Beira», aliás Casa dos Cárceres da Beira, ou melhor Cadeia Civil da Beira, no pelouro em que a Senhora ministra se encontra pode resolver definitivamente o problema da superlotação – a capacidade é de noventa (90) reclusos mas o número de presos ia normalmente a mil (1.000) – a transformando o local num museu, que pode gerar rendimentos em vez de o termos como um espaço onde se incrementava o crime. Na área, demasiadamente exposta, introduzia-se soruma e bebidas. Nos arredores era-nos dado a presenciar males nefastos à reabilitação e regeneração de criminosos.
Senhora ministra, a Cadeia Civil da Beira no local onde está e da forma exposta como nos dá a presenciarmos a vida interior era um presente da administração colonial, uma herança que fere até a dignidade dos presos. Os mais sadios até que podem buscar na soruma e álcool suportes contra a violência a que são expostos, paredes-meias com a cidade, das janelas que ficam ao alto dos muros que nada acoberta.
Senhora ministra, a CCB é um erro do passado que deveria ser prontamente corrigida nestes tempos modernos. Na África do Sul, vizinha, um semelhante símbolo do Apartheid foi transformado em Tribunal Constitucional. Não é que seja pretensão do subscritor sugerir que se proceda a uma cópia fiel. Mas na Cadeia Civil da Beira o Ministério que a Senhora dirige pode lançar mão da sua transformação num museu que a possa transformar; que possa mudar a sua imagem horrenda (toda gente sabe que ali morrem presos por superlotação e quando lá voltarem os reclusos teremos novas histórias de morte por cólera) num símbolo que possa testemunhar a nossa história contemporânea. Por exemplo, o Ministério da Justiça em colaboração com o da Educação e Cultura (e até, porque não?, com o Minitério do Turismo, estou a lembrar-me do Fundo de Turismo…) bem podem falar com os artistas Malangatana Valente Ngwenya, Shikani, Anísio Páscoa, José Pádua, e tantos outros, e convencê-los a emprestar os seus “Desenhos da Prisão”, expondo-os ali, inaugurando outra fase benéfica, de humanismo e até cobrando entradas a quem desejar vê-los, vamos assim dizer, trabalhos expostos neste eventual futuro museu. Há muitos artistas com trabalhos que poderiam legar essas suas obras a esse novo futuro museu. As receitas poderiam, na mesma, reverter para os cofres do Estado para se prosseguir com a obra. Deixava ali de haver mais mortes, a corrupção que aquilo alimenta deixava de ali ter uma boa escola de formação, porque os únicos que lucram com a CCB são os carcereiros oportunistas e os presos cadastrados que ali fazem o seu turismo – quando deveria ser o Estado a promovê-lo.
Senhora ministra, o edifício da Cadeia Civil da Beira no seu estilo barroco, é um monumento que está a ser desperdiçado na política do Estado de fomento ao turismo. Reverter este património para fins universais e humanitários, da cultura e da sensibilidade, seria um verdadeiro acto de cidadania e de postura nacionalista.
Espero o seu empenho e deferimento. A Beira recordar-se-ia de si para sempre se fosse capaz de deixar este legado à cidade.

(Adelino Timóteo)



2009-07-07 05:45:00

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