Tuesday, 14 July 2009

O ambicioso é capaz de tudo (1)



Posted by: redaccao in Untagged on Jul , 2009

Era quinta-feira da semana passada, no Chókwè. Um amigo que há muito não o via por estar radicado na África do Sul convida-me a uma volta ao outro lado do rio Limpopo, no Guijá. Por sinal, a mesma esquina onde em Janeiro, de férias, fui, diversas vezes, beber canhú. O convite foi aceite. São cerca de 7km de distância. Atravessámos a nova ponte sobre o rio.

Pelo caminho fomos conversando sobre as novidades da vida. Passava muito tempo sem que nos cruzássemos. Contámo-nos um ao outro dos sucessos e fra­cassos, o que estávamos a fazer e o que perspectivávamos para o futuro.

– Mabunda, meu ex-grande amigo. Existes?

– Eu é que devia perguntar se tu existes, porque não vives aqui em Moçambi­que. Desde que partiste para o exilo social na África do Sul.

– Eu estou bem, mas pretendo vender a minha casa em Protia Glen, arredo­res de Joanesburgo e regressar à casa. Aquilo já não está a dar.

– Que bom. Eu nunca imaginei viver fora do meu país, porque acho que viver no país de outro é semelhante a viver em casa de alguém. Quando entende chantageia-te e manda-te embora.

– Mabunda, o problema é que aqui no nosso país as coisas andam tortas.

– Mas se andam tortas cabe a nós endireitá-las. Fugir não é solução. O que tu fazes é para desenvolver a terra de outros. Se quisermos abandonar porque há injustiças, este país não vai desenvolver. Os nossos pais lutaram pela libertação deste país. O meu morreu, há seis meses, sem se ter beneficiado ainda de pen­são a que tinha direito por ter lutado pela libertação de Moçambique e depois contra o regime da Renamo.

– Oh, meu...é difícil.

– O que é fácil?

– Aqui te matam se falares muitos. Como as coisas podem mudar se não acei­tam críticas?

– Eles também foram mortos por tentarem libertar este país. Marcelino dos Santos disse uma coisa interessante: “Enquanto houver revolução não há tempo para morrer”. O meu pai sempre me dizia que “este país é vosso” tal como “esta casa”, apontando a casa que ele construiu com dinheiro de negócios. Vamos inventar uma segunda revolução...

– Ok. Meu caro, voltaremos a falar de assuntos políticos, económicos, sociais e culturais, mas quero saber algo sobre os nossos Mambas. Tenho acompanha­do muito pouco, lá acompanho mais a selecção sul-africana...

– O que quer saber dos Mambas? O que posso dizer é que estão a jogar bem.

– Os resultados são satisfatórios?

– Claro que são.

– Mas perdeu com Tunísia e com Quénia num espaço de duas semanas.

– Mas também não vamos dizer que o quadro é negro por isso. Ainda mais quando se sabe que Mart Nooij, não tendo cão de raça, está a caçar com gato. E está a resultar.

– O que se passa concretamente com o nosso futebol, sobretudo com a nossa selecção? Diga-me Mabunda, você que é jornalista e vive de perto as coisas.

– Meu caro, o que espera de um país cujos dirigentes federativos gerem os órgãos aos moldes comerciais e com recurso a métodos empíricos?

– O que quer dizer com isso?

– Primeiro, quero dizer que quando um presidente da federação questiona as escolhas de um seleccionador nacional, que ele mesmo deu aval para a sua contratação, além de que se subordina a ele, só o pode fazer por interesses co­merciais, ou seja, quer ver o técnico a promover, por via da selecção, jogadores comercializáveis.

– Acontece isso?

– Deixe-me explicar-te ainda. Segundo, quando um dirigente de uma fede­ração não se comunica com um treinador – se o faz é por via do seu vice-presi­dente para as selecções nacionais – é sintomático de que das duas, uma: ou esse dirigente usa métodos empíricos ou ele não sabe onde está e qual é a relação profissional que um treinador tem para com ele, e vice-versa.

– Acontece isso?

– É sempre assim aqui.

– Porque o escolheram?

– Porque julgam que ele tem muito dinheiro e hoje a chave do sucesso é ter muito dinheiro. E é um bom empresário comerciante.

– Mas isso pode gerar conflito de interesses.

– Os que o votaram sabem disso. Mas é o tal problema de pensar que se alguém sabe gerir com sucesso um negócio pode ser também um bom gestor de uma federação ou de um clube. O outro problema é votarmos em alguém porque tem muito dinheiro e, em alguns momentos, vai-nos resolver pequenos vícios: vai pagar-nos um copo de cerveja, um cigarro, um bilhete de avião e hotel para um fim-de-semana com uma amante. Apenas isso.

– O que vocês jornalistas fazem então? Nunca vi isso escrito nem criticado.

– Acho que nos dão algumas gorjetas para um copo, um fim-de-semana. E no final do ano temos brindes de natal...

– Basta isso para vos silenciar?

– Achas que não? Mas não estou a dizer que é o que está a acontecer, estou a pensar que é. Sabe, meu amigo, o jornalista moçambicano não tem dignidade, é capaz de trocar a sua imagem por um copo de cerveja e uma noitada com amante num hotel de uma ou duas estrelas.

– O que é isso, Mabunda?

– Pelo menos resolve o problema de penúria por algumas horas e ganha mais confiança em quem o doa, além de que as portas estão abertas para mais pedi­dos de um cigarro.

– Nos últimos tempos jogadores ameaçam abandonar a selecção. O que está acontecer?

– Também não sei, porque nós jornalistas desportivos não investigamos para saber o que, de facto, está acontecer. Apenas nos limitamos a dizer que fulano abandona, Y renúncia, mas nunca procurámos saber por que abandonam.

– Já ouvi que Tico-Tico foi o primeiro a manifestar-se.

– Sim. Até submeteu uma carta à federação. Depois foram-lhe pedir e regres­sou sem revelar as mágoas que o levaram a tomar a decisão. Depois foi Kam­pango após o jogo contra Nigéria. Foram-lhe rogar e mudou de ideia sem se referir às razões que o teriam levado querer abandonar a selecção. Nas vésperas do jogo contra Quénia foi Mano. Até aqui nenhum colega questiona isso. Per­demos com Quénia e choramos pela ausência de Mano. A federação é sempre santa nisso.

– E o treinador?

– Ahhh. É o elo mais fraco. Quando há sucesso, o mesmo é partilhado entre ele, a federação e os jogadores. Quando há fracassos, a federação afasta-se e atira pedra contra ele, os jogadores já são considerados vilões. Por exemplo, no jogo contra Quénia, eu não vi, dizem que o presidente da Federação Moçambi­cana de Futebol fez um gesto ofensivo a Mart Nooij. António Chambal, seu vice-presidente para as selecções nacionais, reconheceu num programa televisivo que ele (Feizal Sidat) “reagiu mal como presidente da FMF. Disse que o presi­dente não conseguiu controlar as emoções. Ora, as emoções de quem quer que seja não podem confundir selecção nacional que representa mais de 20 milhões de pessoas com um balcão pessoal de venda de camisetas. O presidente da FMF não é tão emocionado que mais de 20 milhões de moçambicanos.

– O que se diz de Mart Nooij?

– Dizem que é o rosto de fracasso. Ganha muito dinheiro. É o segundo trei­nador mais bem pago da região, atrás de Joel Santana. Que os seus adjuntos ganham pouco, esquecendo-se que cada um negoceia o seu salário. Para mim, para aquilo que ele está a fazer, 15 mil dólares é muito pouco, num país em que diariamente rouba-se valores mil vezes superiores a essas “migalhas”. São essas discussões baixas que se levantam neste país. Nunca tocam em questões importantes.

– Que questões importantes?

– Por exemplo, ninguém diz que Augusto Matine criou uma selecção de sub-12 em 2001, em que os treinadores eram Usaras Mahomed e Carlos Manuel, com vista a atacar o mundial 2010. Os miúdos foram brilhar em Portugal diante galões de sub-14 e 15 do Sporting, Porto, entre outras, e que o melhor jogador foi nosso. Hoje, apenas dois é que continuam a jogar futebol. Todos deixaram, incluindo o melhor jogador que alegou que não foram acarinhados pela FMF. Hoje, seria a nossa selecção nacional.

Já no Guija, a nossa conversa terminava. O ambiente era outro. No entanto, não deixei de tecer alguns comentários finais sobre a contestação do seleccio­nador nacional, quanto a mim heróis até aqui. Constrange-me saber que o pre­sidente da FMF é o primeiro a sair em contestação do seleccionador nacional antes de mais de 20 milhões de moçambicanos o fizerem. É a inversão da lógica, porque o Sidat tinha de ser um primeiro a sair em defesa do seleccionador na­cional e o último a criticar

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