Monday 13 July 2009

Direito à residência: um panfleto constitucional ilusório? (1)

Muitos leitores deste artigo terão lido, nalgum momento, a Constituição da República de Moçambique, ainda que diagonalmente. E, certamente, terão se interessado pelo ponto 1º do artigo 55º que institui o direito de fixar residência e de circulação.
Minha intenção, aqui e agora, é cogitar sobre a não efectividade desse legado de fixar residência no território moçambicano. Entretanto, não entrarei em pormenores jurídicos, sob pena de ser achado ridículo e ignorante do que realmente não duvido desconhecer. Porém, a cidadania de expressão e de imprensa impõe que interpele e indague o porquê das macromazelas residenciais em Moçambique.
Estado social e o direito de fixar residência
Então, o que pressupõe o direito de fixar residência em qualquer parte do território nacional? O que é uma residência? Haverá infra-estruturas sociais, económicas, culturais e políticas para a fixação de residência?
O que significa qualquer ponto do território nacional? Se os cidadãos têm direito residencial, quem, então, tem a obrigação materializadora (desse direito)?
Posso começar por dizer que o direito de as pessoas fixarem residência em qualquer parte do território nacional exprime pressupostos vários. Apresento apenas dois. Primeiro, a existência do Estado social em todo o território moçambicano. Segundo, a existência do Estado cumpridor do dever de criar condições de residência urbana ou
rural.
O Estado social se funda na base da multifacetada instituição de direitos de cidadania social, investindo o máximo dos seus recursos e talentos, para responder materialmente aos anseios dos direitos dos seus nacionais. Na verdade, o Estado
social se desdobra não só na satisfação dos direitos de cidadania social; mas também direitos ligados à cidadania económica, política, cultural e espiritual. Por assim dizer, o direito à residência clama pela garantia desses direitos das pessoas.
Então, o que clama o direito à residência? Simplesmente isto: políticas públicas para residência digna em espaços parcelados e urbanizados. Isso significa que a
residência será acompanhada e rodeada de arruamentos asfaltados, escolas, segurança alimentar, unidades sanitárias, creches, água canalizada, electricidade, postos de
trabalho, sistemas de transporte e comunicação, casas bancáriocreditícias (aqui, cogito a necessidade imperiosa de estabelecimentos de créditos bonificados para habitação), lojas e mercados económicos, convivência política, liberdade de
expressão e de imprensa, segurança, salas de cinema e artísticas, livrarias,
jardins públicos, lazer, espaços verdes, entre outros direitos de cidadania política, económica, social, cultural e espiritual. Não consigo pensar e focalizar uma residência ou área habitacional digna, sem estar rodeado de completude de cidadania política, económica, social, cultural e espiritual.
Na inexistência básica de infraestruturas e direitos de cidadania já apontados, o artigo constitucional será apenas uma justificativa formal e um panfleto jurídico-constitucional ilusório, sem uma efectividade possibilitada por acções concretas do Estado, resumidas em planos exequíveis de políticas públicas e direitos humanos.
Simplesmente o seguinte: Se como cidadãos temos o direito de fixar residência em qualquer parte do território nacional, significa que os operadores (seniores) da máquina estatal moçambicana têm de ter colocado em qualquer parte do território
nacional condições de uma vida digna para os cidadãos lá morarem ou aqueles
que por circunstâncias várias queiram viver nesse ponto. Discutir “qualquer
parte do território nacional” torna-se meio enganoso, tendo em conta os
quase 900 Km2 da extensão do nosso território. Talvez a melhor colocação
fosse em partes escolhidas pelo Estado e sociedade civil, desde que comunidades rurais e tradicionais não saíssem prejudicadas pela política habitacional; pelo contrário tivessem benefícios disso.
Reparem que o legislador moçambicano, ao colocar o referido artigo sem exigir dos operadores da máquina estatal a materialização do direito de fixar residência em qualquer parte do território nacional, está simplesmente a ser cúmplice da
negligência no cumprimento das obrigações do Poder Executivo.
O Fundo de Fomento à Habitação é o exemplo mais revelador de quão cúmplice é o nosso Parlamento, por aprovar orçamentos e leis sobre serviços e direitos habitacionais sem, contudo, exigir a prestação de contas de andamento daquela instituição do
Estado. Qual é o resultado disso? O FFH está ao serviço da arrogância e corrupção feudal dos operadores seniores e juvenis da máquina estatal.
Ver também na próxima edição

Josué Bila

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