- Defende o académico João Mosca, para quem o nível de desenvolvimento da economia moçambicana não exige centenas de milhares de técnicos, mas recursos humanos tecnicamente bem preparados e com valências alargadas
Por Emídio Beúla, Savana 20.02.09
Numa altura em que se assiste a uma massificação desenfreada do ensino superior no país – em parte devido à subordinação do ensino a objectivos políticos, como o combate à pobreza absoluta e a formação em maior quantidade possível -, João Mosca duvida que Moçambique necessite da massificação do ensino superior, mostrando que sociedades muito avançadas só agora estão ensaiando esse objectivo. O académico, formado em economia agrária, falava sexta-feira última em Oração de Sapiência na Universidade Politécnica em Maputo.
O nível de desenvolvimento das organizações e da economia moçambicana, argumenta, não exigem centenas de milhares de técnicos (um dos objectivos da reforma académica em curso na UEM visa a formação de milhares de graduados), mas “uma pirâmide de recursos humanos bem preparados tecnicamente, com valências alargadas que se especializarão no trabalho e com sucessivas acções de formação ao longo da vida”.
“Actualmente, a massificação leva os formados para o desemprego ou para o desempenho de tarefas não concordantes com a formação, provocando desânimo, insatisfação e investimentos não compensados”, explicou.
Ensino superior é formação de eleites
Para o académico João Mosca, o ensino superior é formação de elites. Mas, observa, é preciso saber que elites se quer e que ensino se pretende. Para ele, a formação de um homem novo só é possível com sistemas educativos abertos e exigentes, em que se desenvolvem capacidades técnicas e mentes críticas, intelectos irrequietos e questionantes, consciências e atitudes activas de cidadania. “Homens também capazes de suportar os custos da dignidade, da honradez e da missão de servir mais do que se servir”, disse.
Aos seus olhos, o estudante deve ser exercitado a pensar, a duvidar sistematicamente e de forma radical “como nos ensinou Descartes com o seu cepticismo metodológico já passados mais de três séculos e que hoje ainda persistimos na confusão dos conceitos de crítico como método e como posicionamento ideológico ou político”.
Quantidade vs qualidade
O orador alertou que o esforço pela busca de quantidade não pode comprometer a qualidade, lamentando ao mesmo tempo que assiste-se a correntes demagógicas no ensino superior que, a perdurarem, trarão consequências não positivas para o país. “Assistimos actualmente à existência de pequenas ilhas empenhadas na construção de qualidade e, simultaneamente, permitam-me a expressão, à dumbanenguização do ensino superior”. Mosca chama de dumbanenguização do ensino superior à multiplicação de universidades, pequenas escolas, institutos e cursos superiores que formam técnicos que embelezam as estatísticas, “mas que a maioria (graduados) reproduz a baixa produtividade e a ineficiência nas organizações e exigem salários e regalias condizentes com o título, posição hierárquica ou estatuto social”.
O objectivo de fazer chegar o ensino superior às zonas menos desenvolvidas não pode, aos olhos de Mosca, ser à custa dos requisitos mínimos para que o ensino se possa realizar com qualidade. As universidades, prossegue o orador, necessitam ter escala e massa crítica como condição para o “bom” ensino e aprendizagem. “Há pequenas cidades onde concorrem três e quatro universidades e muitos cursos com poucos alunos, originando também dificuldades financeiras”, indicou, apelando que “é preciso tomar medidas e elas competem ao Estado”.
Estado tem que intervir
Para o académico, o ensino é um bem e um serviço público que merece o acompanhamento do Estado. Nessa óptica, é responsabilidade do Estado evitar a massificação sem qualidade, procedendo para o efeito à avaliação das instituições e aplicando incentivos às melhores universidades e cursos. Compete ainda ao Estado, segundo Mosca, a aplicação de políticas e de medidas de qualificação das universidades e do ensino, com regulação, fiscalização e avaliação realizada por equipas independentes, competentes, com habilitação para o efeito e mediante critérios pré-definidos.
“Na educação, como em quase todos os sectores, o princípio da regulação automática dos mercados, parece já ter produzido suficientes casos anómalos para não merecer o estatuto de dogma”, observou. Às universidades, o orador é da opinião que elas deviam ter mecanismos de auto-avaliação, principalmente com fins pedagógicos de superação institucional e dos seus docentes e funcionários.
Investigação
O orador definiu as universidades como centros de produção de conhecimento e de estudo das realidades. Nessa visão, alerta que a investigação não pode estar prisioneira de preconceitos ou limitações de natureza política. Embora reconhecendo que é em parte utópico falar de independência plena em investigação científica - os financiadores de investigação têm objectivos por alcançar - Mosca desafia os investigadores a serem independentes e a agirem sem constrangimentos ou mecanismos de auto-censura. É na base desta visão que conclui, na esteira de David Landes, que foram as sociedades de pensamento mais aberto e liberto, as que experimentam percursos históricos de maior progresso, sendo o contrário também verdadeiro.
O orador chama a atenção de docentes e investigadores para a necessidade de investirem cientes das especificidades das opções de vida que assumem, com certeza de protagonismos discretos e sem dúvida com menores rendimentos económicos. “Mas com motivação de pertença a uma actividade que influencia fortemente o progresso dos povos e o bem-estar das pessoas…”
Para ele, académico é aquele que trabalha a maioria do tempo na escola e que para além de docente, dedica-se aos estudantes, participa nos órgãos de gestão universitária, investiga, produz materiais científicos reconhecidos entre os seus pares e pela sociedade e realiza extensão universitária. A definição de académico de Mosca tornar-se-ia bastante rigorosa e selectiva se aplicada na realidade moçambicana onde muitos recém-graduados reivindicam o título de académico sem o mínimo de credenciais. Aliás, Mosca ressalvou que a academia não deve ser vista como uma forma de aumentar rendimentos e/ou de acrescentar prestígio às imagens individuais (prática comum em Moçambique). Voltou a referir-se às incompatibilidades profissionais, exemplificando que, no caso da academia, sobretudo nas áreas das ciências sociais, existem fortes conflitos com o exercício da actividade política partidária activa, supostamente porque os riscos de limitação do pensamento e da escrita são grandes. “As disciplinas partidárias, por mais democracia interna que exista, impõem discursos e posicionamentos”, observou, exemplificando ainda que o “negócio pode ser um obstáculo ao exercício pleno de docência e investigação devido às influências e interesses que inquinam opções pedagógicas e de ensino”.
Sobre as reformas
Durante a sua oração, Mosca interpelou as reformas em curso no ensino superior em Moçambique até aqui lideradas pela UEM. No seu entender, o país parte em situação de desvantagem em relação a outros países da região austral de África e, portanto, necessariamente com possibilidades de benefícios e de desvantagens desiguais. Aos seus olhos, as reformas são algo que de longe extravaza a simples redução de número de anos dos cursos e tempos de contacto do estudante com os docentes ou a transformação do número de horas em créditos.
As reformas, diz ele, implicam mudanças fundamentais nos paradigmas do ensino e aprendizagem, na organização académica e na internacionalização das universidades e em investimentos em infra-estruturas pedagógicas. “Necessitam de qualificação de docentes e investigadores, significam novos métodos de ensino e de aprendizagem para os quais todos temos de aprender”, acrescentou.
Segundo Mosca, na Europa as reformas são um processo controverso em que se debatem diferentes condições de partida, capacidades de aplicação desiguais e até se debatem questões culturais. “Muitos recuzam a uniformização de conteúdos que conduzem à formatação e manipulação do conhecimento e onde a ideologia dominante se disfarça de tecnocracia e de pragmatismo”, disse. Mais adiante, lamentou que este debate ainda não está assumido na sociedade moçambicana e nas nossas universidades. Lembra que entidades há que criticam a reforma académica em curso na UEM supostamente por ser uma solução pouco enformada de debate público.
Mosca manifestou-se a favor das reformas, mas chama a atenção à necessidade de se acautelar os ritmos. “É preciso prepararmo-nos todos: Estado, universidades, docentes, estudantes, funcionários e, sobretudo, estarmos conscientes sobre o que as reformas significam realmente”.
Reiterou a necessidade de as reformas serem debatidas para que a sua aplicação não resulte em pior ensino e em menos eficiência e competitividade do país.
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Abdukodir Khusanov.
37 minutes ago
1 comment:
Olá,
Sou moçambicana, natual de Quelimane. Estou neste momento no Brasil, fazendo pós-doutorado. Minha linha de pesqisa é avaliação institucional do ensino superior. Acho muito interessante os depoimentos e as idéias sobre a qualidade do ensino superior em Moçambique, e conjugo a mesma visão sobre qualidade/quantidade. Estive há pouco tempo em maputo, e me assustei um pouco com essa corrida para se estabelecerem universidades, e até algums cursos que estão surgindo, principalmente os mestrados. Não quero de maneira nenhuma que isso não aconteça. O que me preocupa é justo a qualidade desses programas. Estamos na era do conhecimento, saindo da era tecnológica, ou seja, saber usar o conhecimento é a chaves para o sucesso da ciencia. Será que nossas universidades estão formando cientistas para esta nova era? Hoje é preciso saber alicar o conhecimento, e não buscar um emprego que pague bem, de um luptop e um byte carro. Nossos jovens estudam para serem empregados, nesta era? Esse é o futuro? Temo chegar o momento em que teremos pessoas com diplomas e desempregados. Aliás, que aumente, pois já tem casos de desemprego mesmo em graduados.
Isso é qualidade?
Estou aberta ao debate. Meu email é britosandy@yahoo.com.br
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