Thursday, 18 December 2008

A Opiniao de Marcelo Mosse (Centro de Integridade Publica) sobre o Orcamento do Estado

É urgente aprofundar a transparência na elaboração do Orçamento do Estado em Moçambique

(Maputo, 18 de Dezembro de 2008) O processo de elaboração do Orçamento do Estado em Moçambique – para simplificar, o processo de redistribuição da riqueza – continua altamente concentrado no executivo e não permite que as organizações da sociedade civil introduzam propostas de alocação de fundos para os diferentes sectores tendo em conta as suas áreas de interesse.

Nos últimos anos, no quadro da implementação da versão electrónica do Sistema de Administração Financeira do Estado (e-SISTAFE), a transparência na elaboração do Orçamento do Estado melhorou com a publicação da sua Metodologia e do Cenário Fiscal de Medio Prazo (CFMP) no site da Direcção Nacional do Orçamento (DNO). Por outro lado, todos os documentos relacionados com o processo (a fundamentação, o CFMP, etc) são disponibilizados na internet nas vésperas de serem enviados à Assembleia da República a 30 de Setembro de cada ano.

Estas melhorias processuais devem ser elogiadas, pois reforçam o nível de transparência na elaboração orçamental perante os moçambicanos, pelo menos perante aqueles que têm acesso à internet. Mas o quadro ainda não permite um pleno exercício da cidadania nestas matérias. Porque?

Porque durante o processo de elaboração do OE através do E-Sistafe, as prospostas que são feitas pelas unidades de execução não são acessíveis à generalidade do público. Só têm acesso a elas as entidades a quem é permitida a consulta aos terminais do E-Sistafe. A sociedade civil não pode, por isso, acompanhar o que é que um dado distrito está a propor como seu orçamento. Diferentemente doutros países, onde a transparência no processo de orçamentação é maior, em Moçambique, a versão preliminar do orçamento não é pública.

Por outro lado, a proposta final do Orçamento do Estado (OE) que é enviada à Assembleia da República (AR) a 30 Setembro de cada ano fica disponível nessa altura, mas isso não quer dizer que seja já um documento público e acessível à maioria dos moçambicanos.

Fundamental é chamar a atenção para o facto de que o documento que que vai à AR é a proposta orçamental definitiva, o que quer dizer que não pode ser alterada em pormenor. Aliás, constitucionalmente, a AR não pode fazer alterações à proposta de OE apresentada pelo executivo. Pode aprovar ou devolver. Em 14 anos de regime democrático, não há registo de uma devolução orçamental em Moçambique.

Nestas circunstâncias, o quadro da elaboração orçamental continua ainda pouco aberto a uma participação mais efectiva da sociedade civil na discussão do documento. Podemos analisar a proposta definitiva do OE antes do início dos debates na AR e, por via disso, alimentar esses debates, mas ainda não se trata de uma participação efectiva pois não há espaços para uma contribuição directa da sociedade na determinação dos gastos sectoriais, ou seja, na redistribuição da riqueza.

É fundamental, pois, que este quadro seja alterado para que a sociedade civil comece a dispor da versão preliminar do OE, antes de ela ser enviada à AR, do mesmo modo que entidades como o Fundo Monetário Internacional tem acessso a essa versão (para policiar as metas macro-económicas).

Enquanto isso não acontecer, manter-se-á este cenário de transparência estéril, no sentido em que as mudanças recentemente operadas ainda não resultam em mais diálogo entre o Governo e a sociedade civil. No nosso entender, a transparência (em termos de disponibilização de informação) só é substantivamente útil se for acompanhada de mecanismos e espaços de diálogo entre o Governo e a sociedade que resultem em novos consensos sobre as prioridades da redistribuição da riqueza nacional.

Mesmo assim, o CIP reflectiu sobre a proposta de Orçamento de Estado de 2009 para a área da Governação e captou algumas linhas de força que merecem a atenção de todos:

· Em termos relativos, a boa governação perdeu cerca de 20% da sua parte no orçamento total (25% comparado com 2006; 15% comparado com 2008). A parte total do sector para a boa governação está abaixo do que foi previsto no Cenário Fiscal de Medio Prazo (2009-2011) e abaixo do que foi indicado no "documento de fundamentação".

· Dentro do sector da boa governação, o peso relativo da "Administração Pública" tem aumentado, enquanto que a componente "Segurança e Ordem Pública" tem visto o seu peso relativo diminuir, nomeadamente de 4.2% em 2005 para 2.4% do total do orçamento (isto pode levar-nos a considerar que áreas como a Polícia não têm recebido a atenção que devia merecer em termos de formação, meios operacionais e motivação). Aliás, a despesa corrente para a Segurança e Ordem pública caiu de 66% em 2005 para 46 % em 2009.

· Olhando para as instituições individualmente, o grande aumento na área de Governação tem sido para: Tribunal Aduaneiro (700%); IFAPA (537%); Ministério da Justiça, Ministério da Administração Estatal e o Tribunal Administrativo (de 250 a 300%).

· O Tribunal Administrativo (TA), o Ministério da Função Pública (MFP) e o Centro de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ) viram os seus orçamentos reduzidos como resultado da perda de investimento externo (reduções na ordem de 50 % a 65%). No caso do Tribunal Administrativo, a redução pode ter implicações nalgumas reformas necessárias, como o reforço da capacidade da IIIª Secção na verificação dos processos de procurement e o urgente aumento da % do total das contas do Estado que são auditadas pelo tribunal; no caso do CFJJ, a redução pode implicar a diminuição do número de magistrados formados, numa altura em que se fala da necessidade de haver mais magistradores licenciados nos distritos).

· Foram alocados 21 milhões de USD para despesa de investimento no âmbito das eleições de 2009, para além do orçamento corrente e de investimento normais da CNE e do STAE (3 milhões de USD). Isto pode ser suficiente para cobrir os custos das eleições presidenciais, legislativas e provinciais que se avizinham. Mas o Secretariado Técnico da Administração Eleitoral (STAE) acaba de apresentar ao Ministério do Plano e Desenvolvimento um orçamento diferente, fixado em 46 milhões de USD (ver jornal País de 17 de Dez 2008).

· O orçamento permanece altamente concentrado no poder executivo (98%). A Assembleia da República (AR) tem o mesmo orçamento para despesas correntes que a Presidência da República e aos Serviços de Informação e Segurança do Estado (SISE).

· Existe uma tendência modesta de reforço dos recursos para a área judiciária no nível provincial: Tribunais Provinciais, Procuradorias Provinciais, Prisões e o Instituto do Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ), todas estas instituições viram os seus orçamentos aumentarem comparado com 2008.

· Ainda assim, o sector da boa governação é extremamente centralizado. Enquanto que 30% do orçamento corrente é gerido nos níveis sub-nacionais (em 2005 eram 20%), o orçamento para investimento mostra uma tendência oposta. Em 2005, 61% do orçamento do investimento era gerido centralmente, mas em 2009 serão 81%. Isto é influenciado por um orçamento mais inclusivo (componente externa), mas também demonstra que a descentralização em Moçambique é ainda muito limitada.

· Pouco mais de 100 milhões de USD serão transferidos para os 131 distritos. Perto de metade será para despesas correntes. Notavelmente, também há enormes diferenças nas alocações para os distritos: Mecufi terá 40.000 Mtn, enquanto que Boane terá 112.202.000 Mtn. A menos que isto seja um erro, estas diferenças necessitam duma explicação. O orçamento para as infra-estruturas varia de 920.000 Mtn (Montepuez) para 6.400.000 Mtn (Macanga). Muitos distritos recebem a volta de 2.500.000 Mtn (100 mil USD).

· O Orçamento de Iniciativa de Investimento Local (OIIL) varia entre 4.724.000 Mtn (Boane) a 10.138.000 Mtn (Memba). A média dos distritos recebe em volta de 8.000.000 Mtn (320.000 USD).

· Os Municípios terão 0.8% do orçamento total. O Fundo de Compensação Autárquica (FCA) é agora de 1.5% como vem estipulado na Lei e o Fundo de Investimento foi mantido. Em média (em termos absolutos) o FCA aumentou em 250% desde 2005. Gurué, Inhambane e Manhiça receberão quase 5 vezes mais, enquanto Milange e Quelimane permanecem bem abaixo do crescimento médio. Inhambane (+ 1200%), Catandica, Gúrue e Manica receberão bem acima da média, enquanto Maputo, Beira, Xai-Xai e Monapo permanecem bem abaixo do crescimento médio.

Algumas Ilações Retiradas do Orçamento da Governação para 2009

· A alocação de recursos reservada ao Sector da Boa Governação verificou um decréscimo em 2009 como % do total da despesa.

· O crescimento da despesa no sector entre 2008 e 2009 é muito modesto.

· As desigualdades geográficas na distribuição de recursos ainda persistem.

· Verificou-se uma tentativa de maior equidade na distribuição de recursos nos subsectores da Boa Governação: Segurança e Ordem Pública, Administração Pública e Sistema Judicial.

· A ligação entre o PES (Plano Económico e Social) e o CFMP com a Proposta de OE 2009 ainda é muito fraca assim como é necessário entender melhor as implicações no sector na introdução do Orçamento Programa.

· Várias questões criticas foram identificadas e que devem ser monitoradas durante a execução do OE 2009, nomeadamente as relacionadas com a introdução da EITI (Iniciativa de Transparência das IndústriasExtractivas).



Outras Questões Criticas

As seguintes questões devem ser seguidas de perto na execução do OE 2009:

A não existência de uma correlação directa entre os sectores/subsectores considerados no PARPA II com a Proposta de OE 2009, considerando adicionalmente que alguns deles têm componentes transversais.
Necessidade de maior clareza sobre o conceito de Orçamento Programa e, consequentemente a definição de programas no Sector da Boa Governação; Como serão tratadas as questões transversais do Sector?
Receitas provenientes de Mega Projectos e Concessões de Recursos Naturais: EITI e outras questões de reporte da cobrança de receitas provenientes da exploração de recursos naturais.
Existem desvios nos limites apresentados no CFMP e, por conseguinte, falta de coerência entre o CFMP e a proposta de OE 2009.
Também é fraca a correlação entre as actividades previstas no PES e o custeio de actividades efectuado na Proposta de OE – será que todas as actividades previstas no PES foram devidamente custeadas na Proposta de OE?
Porque existe tanta concentração de recursos no nível central (sejam despesas de funcionamento e investimento)? Isto acontece por se reconhecer falta de capacidade de implementação nos níveis provincial e distrital? O que está a ser feito para inverter esta situação?


O CIP é uma organização da sociedade civil moçambicana estabelecida em 2005 com o objectivo de contribuir para a promoção da transparência, boa governação e integridade em Moçambique. O CIP actua na área da governação através da pesquisa, advocacia e monitoria, promovendo igualmente actividades de consciencialização pública. O CIP interessa-se concretamente pelas temáticas da descentralização e governação local, financiamento político e eleitoral, transparência fiscal e orçamental, procurement, controlo social, oversight e anti-corrupção, ajuda externa e dependência.





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