JUSTIÇA COM SABOR POLITICO E AS DETENÇÕES CIRÚRGICAS
Beira (Canal de Moçambique) - Justiça condicionada e executada ao sabor do que os políticos determinam é a principal característica da situação que vivemos em Moçambique. Sendo 2008 e 2009 anos de eleições, é de esperar que muitos dos casos que de quentes até já são dados como frios, não se resolvam porque não convém manchar o partido no poder através de possíveis condenações de alguns de seus membros. Os casos quentes podem apodrecer nas gavetas ou arrefecer desde que isso garanta que o poder não fuja de determinadas mãos.
Casos judiciais quentes em Sofala não são julgados durante anos consecutivos e aparecem os casos de ofensas menores ou artificiais a serem sumariamente julgados e os respectivos réus condenados. O rumo e natureza da administração da justiça no país com isto começa a preocupar, por estarem a ser claramente discriminatórios.
Quando candidatos a presidentes de município são detidos por falsificação de documentos e outros impedidos de concorrer a mando de uma justiça que não se faz para membros do partido no poder só se pode dizer que a justiça se coloriu de vermelho em Moçambique.
Prender estrategicamente uns e deixar impunes outros mesmo quando existe matéria suficiente é uma das características da justiça que se administra actualmente no país e que já começa a suscitar os mais vivos protestos na opinião pública. Os que dizem que isso não é verdade estão mentindo com os dentes todos e sabemos que mentem no sentido de garantir que suas barrigas continuem cheias. Toda a gente sabe que a maior parte dos políticos e defensores abertos de atropelos à lei fazem-no por motivos que tem a ver com a solução de seus problemas materiais.
Os países crescem, progridem e afirmam-se no contexto das nações em proporcionalidade directa com a qualidade do trabalho dos governantes e governados. Obras acontecendo, processos enraizando-se e a satisfação dos cidadãos sentir-se requer trabalho inteligente, vontade forte e inabalável mas sobretudo coragem de romper com esquemas e alianças do tipo que está-se a assistir na justiça, por vezes diabólicas.
O cidadão comum tem mais força e poder do que normalmente supõe. E as surpresas às vezes acontecem e não deixam espaço tão logo para soluções…
As disputas e conflitos embora façam parte dos processos sociais não tem que ficar sem solução só porque isso prejudicaria fulano ou beltrano, do partidão…
O fatalismo e os apóstolos da desgraça andam quase sempre juntos. Aqueles que publicitam e advogam as aparências de normalidade e que não se cansam de discursar em defesa de se dar tempo ao tempo dormem sempre de papo cheio e para que um punhado continue alegremente vivendo outros estão passando por ter de assistir a estas coisas, até se fartarem e depois ser tarde demais.
Porque não usar as possibilidades existentes para acelerar o fim do sofrimento de largos segmentos da população moçambicana? A maioria dos políticos dirá rapidamente que é necessário mais tempo para que as mudanças aconteçam. Jamais dirão que é preciso trabalhar mais e melhor. A aceitação plena dos erros e omissões cometidos pelos mesmos políticos é extremamente rara. E quando acontece é porque a corda está para partir.
Existe uma percepção e prática arreigados de que o primordial é proteger o grupo, o partido, mesmo que isso seja gravemente errado. Até parece que os crimes dos camaradas não são crimes, da forma viciada e vergonhosa como a Justiça se está a comportar.
Um claro vazio filosófico e intelectual, uma ausência manifesta de ética instalou-se entre nós e isso tem impedido que as pessoas que deveriam agir no sentido de estabelecer uma administração da justiça incolor e imparcial não actuem.
A justiça esta amarrada a interesses pontuais de camaradas e aliados. Não se trata de ignorância ou falta de conhecimento sobre o que está acontecendo. Jamais foi a falta de legislação adequada. Se agora conseguiram prender um ex-ministro do Interior é porque determinados alinhamentos o determinaram. A pressão interna e internacional para que a normalização governativa se concretizem e sobretudo a conclusão de que alguns parceiros externos estavam decididos a avançar com cortes ao Orçamento Geral do Estado e foram elas, pelo menos é essa a percepção geral, que terão criado as condições para algum movimento judicial.
As eleições também têm estado viciar processos, tentando fazer esquecer uns que não convém a uma justiça totalmente partidarizada e inventando arguidos em tempo de eleições. Uma autêntica vergonha!!!...
A julgar pelas aparências do que são os relacionamentos entre camaradas parece que algumas fricções e clivagens determinadas pela titularidade efectiva do poder criaram as condições essenciais para que uma acção mais contundente fosse autorizada. Os que afirmaram que havia alas na Frelimo não tiveram que esperar muito tempo para que isso se manifestasse e se revelasse claro agora também para os cidadãos. O impensável está acontecendo não porque exactamente se tenha o interesse de perseguir o assunto até às suas últimas consequências. Há um posicionamento estrategicamente determinado pelas circunstâncias. Houve que ceder mas no fundamental tudo continua na mesma. O montão de processos acumulados no Tribunal Supremo e em outros níveis mostra claramente o que se pretende e o que guia a acção judicial neste país. Concluir através daquilo que se diz é uma coisa. Concluir pelos factos conduz-nos à verdade. A alegação de limitações em recursos continuaram a encher as páginas dos discursos de fim de ano e de arranque do ano judicial. Esta demonstrado pela celeridade que alguns casos tem merecido. O sistema judicial sempre que receba ordens ou tenha interesse directo no assunto o mesmo vai rapidamente para julgamento. Se o poder político que continua a submeter o judicial manda, os resolutos continuam a existir como pardais.
Engana-se e ilude-se quem pense que é possível desenvolver um país sem que exista um sistema de justiça actuando segundo os preceitos característicos de uma situação em que a lei está acima de tudo e de todos.
A supremacia dos interesses de uma minoria consubstanciada em políticas económicas aparentemente liberais e de mercado enganou muitos moçambicanos durante alguns anos. Quando se foi a ver, uma elite fortemente baseada no partido no poder tinha açambarcado tudo e se tinha transformado em accionista de tudo o que era o parque estatal entretanto privatizado. Tudo aconteceu sem qualquer justiça social ou económica. Os que tinham o poder e se declaravam defensores indefectíveis do socialismo transformaram-se em capitalistas de todos os costados de um dia para o outro e continuam a viciar as regras mais elementares da boa governação e administração da justiça.
A justiça elementar passou a estar condicionada a novos interesses e passamos a ter as pessoas de costas quentes a quem a justiça não toca. Foi ao nascer este ambiente que se multiplicaram crimes e seus executores jamais foram chamados a barra dos tribunais. E deste modo a credibilidade do país foi-se corroendo e está agora a atingir o pico com as pessoas todas a entenderem já muito bem que a Justiça não é para todos.
Agora, tentar cirurgicamente prender, julgar e condenar alguns só tem a função de fazer os incautos acreditarem de que se pretende entrar numa fase nova. E isto pode dar para o torto de um momento para o outro. Preocupa-nos!...
Enquanto não se verificar uma reviravolta completa na maneira como a justiça é administrada, as hipóteses de mudanças reais no país continuarão adiadas e pode ser que de um momento para o outro já não haja mais tempo para se evitar o pior. Preocupa-nos!..
Combater a pobreza passa pela justiça e pela democracia política e económica. O resto é papo furado. Chega de nos andarem a enganar, não acham?!...
(Noé Nhatumbo)
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