CRISE ZIMBABWEANA:
CASCAS DE BANANA PELOS CORREDORES DA UA E DA SADC.
Paulo F. C. Muxanga
“Fiquei chocado com o número de falsidades que aceitei como verdades na minha infância”. René Descartes
O caso zimbabweano tem estado a alimentar nos últimos tempos, os mais calorosos e apoixonados debates um pouco por todos os cantos do mundo. Muito já foi e tem sido dito e escrito sobre este assunto. Eu sou apenas mais um cidadão que pretende trazer o seu ponto de vista sobre este assunto tão complexo, infelizmente, triste e bastante polémico. Mas afinal, o que é que está em causa no Zimbabwe? Na minha opinião, está em causa o respeito pelas regras do jogo democrático que os próprios actores políticos zimbabweanos adoptaram como a única via de acesso ao poder. Há, no entanto, correntes que optam por ampliar o âmbito e ancorar esta situção ao processo de colonização e descolonização do Zimbambwe. Sem querer refutar tal ideia, penso, contudo, que se está a sobrevalorizar em demasia o peso do processo histórico zimbabweano para aquilo que se vive hoje naquele país irmão, desviando a opinião pública da questão fundamental de momento. Aliás, este tem sido o subterfúgio ideal para explicar facilmente tudo aquilo que não nos corre de feição nos nossos países.
O professor Elísio Macamo, que tanto respeito, escreveu um texto publicado no Jornal Notícias do dia 08 de Julho de 2008, no qual faz uma exaustiva revisão do processo de colonização e respectiva descolonização, escalpelindo os contornos desta questão, onde dentre outros documentos visita os acordos de Lancaster House. Fala também do oportunismo da Grã-Bretanha, mas não fala da manipulação da questão da terra por parte de Mugabe, em vesperas de eleições no ano 2000. É compreensível que Mugabe tenha dificuldades de solucionar a questão da terra, visto ela ser complexa, mas já não o é a manipulação da mesma para fins eleitoralistas, como tem sido desde o ano 2000, em que esta questão virou o cavalo de batalha política de Mugabe. Há aqui evidências de manipulação do contexto histórico, económico e político zimbabweano, visando a manutenção de Mugabe no poder. O seu persistente discurso apelando contra um pretenso new colonianism encarnado no MDC que, na óptica de Mugabe, não passa de um auténtico marionete ao serviço de interresses ocidentais, mais concretamente da Grã-Bretanha, é exemplo desta manipulação da realidade no Zimbabwe. Isto leva-nos a concordar com Desmond Tutu quando diz que Mugabe é um novo Frankenstein. A direfença é que o Frankenstein da Mary Shelley era obsecado pela ciência a ponto de pretender ser Deus na terra e criar vida para lá da morte, Mugabe é obsecado pelo poder a ponto de pretende ser o anjo guardião dos interesses do povo zimbabweano, nem que para tal tenha que passar por cima da vontade deste mesmo povo. A próposito, Faoro (2000), refere que o governo é a missão para a qual julgam ter nascido, pelo que, a lei, retórica e elegante, não interessa. Parafraseando o próprio Mugabe, “daqui só Deus pode tirar-me”. Mas afinal, onde fica a vontade popular? O que vai às urnas fazer o povo? Que treta de democracia é aquela? Se, como diria Faoro (2000), a eleição, mesmo formalmente livre, lhe reserva a escolha entre opções que ele não formulou? Contudo, esperamos que Mugabe não tenha fim semelhante ao de Frankenstein, aniquilado pela sua própria obsessão.
Quem lê estas linhas conclui pertencerem a um anti-Mugabe e pró-Tsvangirai, mas enganam-se. Não estou nem sou contra ou a favor de nenhuma das partes, estou sim a analisar os factos à luz dos princípios democráticos assumidos pelas partes como sendo as regras do jogo político. E as regras do jogo democrático incluem liberdade, transparência, justiça, respeito pela vontade da maioria, etc. Bobbio (1986) defende que a regra fundamental da democracia é a regra da maioria que também sustenta a legitimidade. A maioria dos leitores há-de concordar que muito disto falta no Zimbabwe, pelo menos neste momento. Portanto, equivoca-se o professor Macamo quando sustenta que “...o único que se exige para se ser considerado democrata hoje em dia é que alguém dê vivas contra Mugabe...“. O professor Macamo há-de cocordar que, tanto na primeira como na segunda volta das últimas eleições presidenciais e legislativas, muitos dos pressupostos da democracia, tal e qual é vista e defendida até mesmo pela UA e pela SADC, foram simplesmente incinerados. Poucos me crucificariam se ousasse dizer que assistimos nestas eleições a uma espécie de golpe de Estado disfarsado de processo democrático.
Entretanto, o mais estranho neste processo zimbabweano é a forma como a UA e a SADC estão a lidar com os acontecimentos. Não estou aqui a defender que estas organizações devessem alinhar suas posições com as dos ocidentais, mas que encarassem a questão de frente, defendendo e fazendo cumprir os princípios que eles mesmos assumiram como sendo os guias orientadores na disputa pelo acesso ao poder e gestão da coisa pública. Pelo contrário, a sua apatia e complacência tem permitido que Mugabe espalhe cascas de banana pelos seus corredores, o que pode transformar, sobretudo a SADC, num auténtico manto de retalhos, sem expressão no seio de seus membros. A SADC pediu o adiamento da segunda volta das eleições zimbabweanas alegando não estarem reunidas as condições para ocorrência de eleições livres e justas, pedido ignorado por Mugabe, tendo a organização respondido a isto e aos acontecimentos subsequentes com um silêncio comprometedor. A UA, por seu turno, na Cimeira realizada no Egipto, ignorou tudo o que tinha sucedido no processo eleitoral zimbabweano e acolheu Mugabe como chefe de Estado, reconhecendo tacitamente os resultados dum processo que tinha atropelado a espinha dos princípios por ela defendidos, para além do assunto ter passado quase ao lado da Cimeira, merecendo apenas um comunicado apelando à negociações. E há quem se recuse a falar de camaradagem e cumplicidade no tratamento da questão zimbabweana. Para mostrar a sua pujança, numa atitude de impunidade, Mugabe desafia os seus pares a apontarem-lhe o dedo se o sentissem sufucientemente limpo para o efeito. De facto, poucos foram os líderes que o fizeram, casos do presidente zambiano, do Primeiro Ministro queniano, por sinal vindo da oposição. Alguns, pelo contrário, ainda consideraram Mugabe herói, meus amigos, isto só na bananalândia.
Por tudo isto, acho justo e legítimo questionar, afinal que modelo de democracia é que se pretende em África. Parece estar a surgir uma nova forma de fazer democracia no nosso continente, e que consiste em forçar a formação de governos de unidade nacional, sempre que os partidos tradicionalmente governantes perderem as eleições a favor da oposição. Mas se for o caso, porquê, então, continuarmos com a farsa eleitoral, ao invés de formarmos estes governos de unidade nacional sem recorrer à eleições? Quem sabe, todos sairíamos a ganhar?!
CASCAS DE BANANA PELOS CORREDORES DA UA E DA SADC.
Paulo F. C. Muxanga
“Fiquei chocado com o número de falsidades que aceitei como verdades na minha infância”. René Descartes
O caso zimbabweano tem estado a alimentar nos últimos tempos, os mais calorosos e apoixonados debates um pouco por todos os cantos do mundo. Muito já foi e tem sido dito e escrito sobre este assunto. Eu sou apenas mais um cidadão que pretende trazer o seu ponto de vista sobre este assunto tão complexo, infelizmente, triste e bastante polémico. Mas afinal, o que é que está em causa no Zimbabwe? Na minha opinião, está em causa o respeito pelas regras do jogo democrático que os próprios actores políticos zimbabweanos adoptaram como a única via de acesso ao poder. Há, no entanto, correntes que optam por ampliar o âmbito e ancorar esta situção ao processo de colonização e descolonização do Zimbambwe. Sem querer refutar tal ideia, penso, contudo, que se está a sobrevalorizar em demasia o peso do processo histórico zimbabweano para aquilo que se vive hoje naquele país irmão, desviando a opinião pública da questão fundamental de momento. Aliás, este tem sido o subterfúgio ideal para explicar facilmente tudo aquilo que não nos corre de feição nos nossos países.
O professor Elísio Macamo, que tanto respeito, escreveu um texto publicado no Jornal Notícias do dia 08 de Julho de 2008, no qual faz uma exaustiva revisão do processo de colonização e respectiva descolonização, escalpelindo os contornos desta questão, onde dentre outros documentos visita os acordos de Lancaster House. Fala também do oportunismo da Grã-Bretanha, mas não fala da manipulação da questão da terra por parte de Mugabe, em vesperas de eleições no ano 2000. É compreensível que Mugabe tenha dificuldades de solucionar a questão da terra, visto ela ser complexa, mas já não o é a manipulação da mesma para fins eleitoralistas, como tem sido desde o ano 2000, em que esta questão virou o cavalo de batalha política de Mugabe. Há aqui evidências de manipulação do contexto histórico, económico e político zimbabweano, visando a manutenção de Mugabe no poder. O seu persistente discurso apelando contra um pretenso new colonianism encarnado no MDC que, na óptica de Mugabe, não passa de um auténtico marionete ao serviço de interresses ocidentais, mais concretamente da Grã-Bretanha, é exemplo desta manipulação da realidade no Zimbabwe. Isto leva-nos a concordar com Desmond Tutu quando diz que Mugabe é um novo Frankenstein. A direfença é que o Frankenstein da Mary Shelley era obsecado pela ciência a ponto de pretender ser Deus na terra e criar vida para lá da morte, Mugabe é obsecado pelo poder a ponto de pretende ser o anjo guardião dos interesses do povo zimbabweano, nem que para tal tenha que passar por cima da vontade deste mesmo povo. A próposito, Faoro (2000), refere que o governo é a missão para a qual julgam ter nascido, pelo que, a lei, retórica e elegante, não interessa. Parafraseando o próprio Mugabe, “daqui só Deus pode tirar-me”. Mas afinal, onde fica a vontade popular? O que vai às urnas fazer o povo? Que treta de democracia é aquela? Se, como diria Faoro (2000), a eleição, mesmo formalmente livre, lhe reserva a escolha entre opções que ele não formulou? Contudo, esperamos que Mugabe não tenha fim semelhante ao de Frankenstein, aniquilado pela sua própria obsessão.
Quem lê estas linhas conclui pertencerem a um anti-Mugabe e pró-Tsvangirai, mas enganam-se. Não estou nem sou contra ou a favor de nenhuma das partes, estou sim a analisar os factos à luz dos princípios democráticos assumidos pelas partes como sendo as regras do jogo político. E as regras do jogo democrático incluem liberdade, transparência, justiça, respeito pela vontade da maioria, etc. Bobbio (1986) defende que a regra fundamental da democracia é a regra da maioria que também sustenta a legitimidade. A maioria dos leitores há-de concordar que muito disto falta no Zimbabwe, pelo menos neste momento. Portanto, equivoca-se o professor Macamo quando sustenta que “...o único que se exige para se ser considerado democrata hoje em dia é que alguém dê vivas contra Mugabe...“. O professor Macamo há-de cocordar que, tanto na primeira como na segunda volta das últimas eleições presidenciais e legislativas, muitos dos pressupostos da democracia, tal e qual é vista e defendida até mesmo pela UA e pela SADC, foram simplesmente incinerados. Poucos me crucificariam se ousasse dizer que assistimos nestas eleições a uma espécie de golpe de Estado disfarsado de processo democrático.
Entretanto, o mais estranho neste processo zimbabweano é a forma como a UA e a SADC estão a lidar com os acontecimentos. Não estou aqui a defender que estas organizações devessem alinhar suas posições com as dos ocidentais, mas que encarassem a questão de frente, defendendo e fazendo cumprir os princípios que eles mesmos assumiram como sendo os guias orientadores na disputa pelo acesso ao poder e gestão da coisa pública. Pelo contrário, a sua apatia e complacência tem permitido que Mugabe espalhe cascas de banana pelos seus corredores, o que pode transformar, sobretudo a SADC, num auténtico manto de retalhos, sem expressão no seio de seus membros. A SADC pediu o adiamento da segunda volta das eleições zimbabweanas alegando não estarem reunidas as condições para ocorrência de eleições livres e justas, pedido ignorado por Mugabe, tendo a organização respondido a isto e aos acontecimentos subsequentes com um silêncio comprometedor. A UA, por seu turno, na Cimeira realizada no Egipto, ignorou tudo o que tinha sucedido no processo eleitoral zimbabweano e acolheu Mugabe como chefe de Estado, reconhecendo tacitamente os resultados dum processo que tinha atropelado a espinha dos princípios por ela defendidos, para além do assunto ter passado quase ao lado da Cimeira, merecendo apenas um comunicado apelando à negociações. E há quem se recuse a falar de camaradagem e cumplicidade no tratamento da questão zimbabweana. Para mostrar a sua pujança, numa atitude de impunidade, Mugabe desafia os seus pares a apontarem-lhe o dedo se o sentissem sufucientemente limpo para o efeito. De facto, poucos foram os líderes que o fizeram, casos do presidente zambiano, do Primeiro Ministro queniano, por sinal vindo da oposição. Alguns, pelo contrário, ainda consideraram Mugabe herói, meus amigos, isto só na bananalândia.
Por tudo isto, acho justo e legítimo questionar, afinal que modelo de democracia é que se pretende em África. Parece estar a surgir uma nova forma de fazer democracia no nosso continente, e que consiste em forçar a formação de governos de unidade nacional, sempre que os partidos tradicionalmente governantes perderem as eleições a favor da oposição. Mas se for o caso, porquê, então, continuarmos com a farsa eleitoral, ao invés de formarmos estes governos de unidade nacional sem recorrer à eleições? Quem sabe, todos sairíamos a ganhar?!
No comments:
Post a Comment