Pela net recebi uma entrevista interessante sobre o Zimbabwe. A entrevista foi consuzida pelo 'Sem Terra' ao Dr. Sam Moyo, especialista em questoes agrarias. Moyo tem varias publicacoes lidando com a questao da terra no Zimbabwe, sendo o mais famoso o The Land Question in Zimbabwe, uma obra quase biblica para quem quer perceber os contornos da questao zimbaweana. Sam Moyo foi meu docente e director do SARIPS durante varios anos. Hoje dirige o Instituto Africano de Estudos Agrarios.
Apesar de curta, a entrevista traz alguns elementes interessantes que achei importante compartilhar convosco.
'No coração da África, o Zimbábue, ex-colônia britânica com o nome de Rodésia, enfrenta um momento-chave em sua história. O herói da luta pela libertação, Robert Mugabe, transformou-se em líder repressor e autoritário, e agora resiste em ceder o poder após uma eleição que, segundo todos os indícios, ele perdeu. Mas o resultado definitivo só será decidido no segundo turno e o país está dividido entre Mugabe e Morgan Tsangarai, principal candidato da oposição, que já concorreu à presidência nas últimas eleições.
O Sem Fronteiras conversou com Sam Moyo, diretor-executivo do Instituto Africano de Estudos Agrários, sobre as raízes desta divisão política. Sam Moyo participa no Rio de Janeiro do seminário sobre Desenvolvimento e Movimentos Sociais nos Países do Sul, organizado pelo Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso): - Basicamente, é um confronto de problemas históricos que remontam à descolonização do Zimbábue, em 1980, uma formação política e um movimento social que vêm exigindo que alguns aspectos da descolonização sejam concluídos. Especialmente, a redistribuição de terra, que pertencia a uma minoria de proprietários brancos, incluindo distribuição igualitária de recursos, relacionada à terra. A divisão se expressa principalmente entre os pobres do campo e a classe média urbana, trabalhadores, mobilizados pela oposição política. O Partido no governo (ZANU), o partido do presidente Robert Mugabe, representa uma coalizão de pessoas que estiveram envolvidas na luta pela liberação. São veteranos do Zanu PF, o partido político, diferentes grupos de interesses de associações rurais, que participaram há nove anos do processo de ocupação das terras para recuperar a terra. O que acabou acontecendo foi que o Zimbábue, apesar de injusto e com grande desigualdade, era um dos países mais ricos da África, e agora parece que a economia está se desagregando, o que o senhor tem a dizer sobre isto?
SAM MOYO- No que diz respeito ao porquê desta situação? Seria de se esperar que quando há redistribuição da produção, há um declínio e se tudo correr bem, depois de alguns anos há recuperação. A recuperação tem sido muito lenta no Zimbábue. O deslocamento em si, o estabelecimento dos novos fazendeiros tem tomado tempo para começar a entrar na produção de produtos a que não estavam habituados a produzir. Tem havido outros obstáculos também. Nos últimos oito anos, quatro das sete colheitas sofreram com grandes secas, que afetaram todo o sul da África e não só o Zimbábue. Apesar de que o Zimbábue continua a importar alimentos. Houve também um declínio geral da economia, que também conduziu à falta de produtos químicos e de fertilizantes. Então até os produtores tiveram pouco acesso aos implementos, e estes problemas da economia em geral afetaram a recuperação.
O senhor acha que está recuperando, mas não importa quem venha a ser o presidente, o que qualquer governo pode fazer para recuperar a economia, no que se refere à inflação, ao desemprego, a todos estes problemas que o Zimbábue enfrenta agora?
Uma das coisas que precisa ser considerada é que nos últimos oito anos o Zimbábue tem sofrido sanções econômicas, não comerciais, mas financeiras. Há um decreto, um ato americano, que diz especificamente que enquanto o Zimbábue não devolver a terra expropriada, nenhuma instituição internacional deve liberar financiamento, empréstimo, crédito, etc. Atualmente, os maiores financiadores da oposição política são exatamente os americanos, os britânicos e alguns países europeus. Fica evidente pelas declarações deles que se a oposição ganhar, vão liberar muito dinheiro para a recuperação, permitir que voltem os empréstimos etc. Em alguns aspectos as ações de Mugabe têm sido radicais especialmente neste clima onde os parâmetros de pensamento são neoliberais. Ele também foi muito direto na ocupação e expropriação da terra e francamente no processo de reivindicar a terra houve confrontos físicos e violência.
O senhor diria que Mugabe explorou o conflito ou perdeu controle?
SAM MOYO: Acho que foi uma combinação de processos. Havia pressões de diferentes grupos que queriam forçar a ocupação da terra. Assumiram a posição de que a negociação com britânicos, com os fazendeiros, não estava funcionando. Naquelas circunstâncias, a emergência da oposição política, apoiada pelos proprietários de terra, financiados externamente, acabou culminando num confronto. O governo de Mugabe escolheu apoiar o Grupo de Liberação Nacional e, de fato, até certo ponto apoiou diretamente algumas das ocupações. Mas tudo foi muito além do que se poderia imaginar e nossa análise é de que demorou anos para o governo do Zimbábue assumir o controle deste processo de ocupações, garantir estrutura, e usar os instrumentos legais de expropriação da terra, administração do Estado para realocação da terra. A mobilização das bases conduziu, usou e acabou por beneficiar o partido político que apóia a Mugabe, mas na verdade é ambição real deste partido político redistribuir terra. O método tem complicações e dificuldades mas o princípio está lá. Há erros que ocorrem nestes processos, o que não invalida todo o processo, nem significa que seja caótico. Assim como a oposição tem se firmado e se beneficiado com a economia estrangulada. Inflação etc. são pressões suficientes para mobilizar o voto contra o partido no poder. A divisão está relacionada com esta diferença imediata dos problemas de administração dos problemas econômicos, as dificuldades sociais e o processo de descolonização e o fortalecimento da luta dos povos nativos.
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