Monday 18 February 2008

SUBSIDIOS AOS CHAPAS: NAO SERA UM 'PENSO RAPIDO' ?





O Governo decidiu subsidiar os preços dos combustíveis aos transportes urbanos
privados (vulgo, chapas) como forma de aliviar o preço suportado pelos passageiros.
As questões que se me colocam são: não será este apenas um penso rápido para
estancar o sangue da ferida resultante das manifestações populares de 5 de
Fevereiro último, no Grande Maputo? Qual será a sustentabilidade deste medida a
médio-longo prazo? Qual será o mecanismo de implementação que será adoptado
com vista a minimizar o risco de “fraude” associado a este subsídio e garantir que os
transportadores beneficiem efectivamente do mesmo.

Proponho-me a reflectir sobre esta problemática neste artigo, começando por discutir os problemas relacionados com os preços dos transportes urbanos privados, passando pela análise da solução actual encontrada pelo Governo, e terminando com uma perspectiva do cenário a longo prazo. Este análise basear-se-á na realidade do Grande Maputo. O sistema de transportes urbanos privados depara-se com, pelo menos, dois grandes constrangimentos: (i) a fixação administrativa dos preços por parte do Governo; e (ii) subidas constantes dos preços dos combustíveis e pesada carga fiscal nos mesmos;

Fixação dos Preços


O Governo chama a si a responsabilidade da fixação dos preços dos transportes urbanos privados. A teoria económica demonstra que a intervenção do Estado na economia através da fixação dos preços, mínimos ou máximos, gera efeitos perversos, sendo, pelo facto, recomendável deixar que os mecanismos do mercado estabeleçam os preços. No entanto, de notar que para a materialização dos objectivos sociais, os Governos respondem a esta problemática com sistemas de transportadores público acessíveis. O agravante neste processo, na nossa realidade, é a inexistência de instrumentos que estabeleçam os mecanismos, critérios e periodicidade dos ajustamentos destes preços, pelo que as revisões que têm sido feitas são resultantes das fortes pressões exercidas pelos transportadores.
A fixação administrativa dos preços tem sufocado quer os transportadores quer os passageiros, fundamentalmente pela periodicidade com que ocorrem os ajustamentos. O Governo começa por “congelar” os mesmos por dois-três anos com prejuízos incalculáveis para os transportadores, e para depois, numa assentada, ajustar em mais de 50% passando a sufocar os passageiros.
Senão vejamos: a última actualização ocorreu em 2005, e, desse período a esta parte, os preços dos combustíveis aumentaram em mais de 100% e o salário mínimo (pago à maioria dos cobradores, e que serve de referência para o estabelecimento dos salários dos motoristas) aumentou em quase 50%. Não precisamos de ser economistas para prever quais terão sido as implicações destes aumentos nos resultados operacionais, eventualmente minimizado com os encurtamentos de rotas.
Por outro lado, vamos assumir um cenário hipotético com os seguintes pressupostos: um passageiro trabalhador, aufere salário mínimo (1,645.00 Mtn), apanha dois chapas, trabalha 22 dias úteis por mês. Neste caso, o peso de custo de transporte no seu rendimento era de 40%, em 2007, e a partir de 5 de Fevereiro do ano em curso este passaria para 53%. É, naturalmente, insuportável.
Preços de Combustíveis

As constantes subidas dos preços dos combustíveis no mercado internacional constituem um nó de estrangulamento para a economia, pelo seu efeito nos preços do mercado doméstico. Porém, este é um factor externo e fora do controlo do Governo. Quando se começou a aventar a possibilidade de o Governo subsidiar o preço dos transportes urbanos privados, decidi analisar a estrutura de preço de combustíveis no País. O ponto é que, de acordo com os dados da
FEMATRO – Federação
Moçambicana de Transportadores, o peso do custo de combustível na estrutura de custos operacional das chapas situava-se na ordem dos 54%.

Nesta minha análise, e fazendo fé na informação disponível, os resultados são, no mínimo, arrepiantes. Em Dezembro de 2007, cerca de 64% do preço da gasolina era resultante de impostos (e taxas), isto é, dos 32.84 Mtn cobrados por litro 21.06 Mtn eram referentes a impostos, conforme revela o Quadro 1. Na mesma altura, o peso do Diesel situava-se em 60%.
Impostos na Estrutura de Preço de Combustíveis ( Dez. de 2007)
Gasolinas Auto Diesel
Mt/litro
Direitos Aduaneiros 0.80 0.70
IVA na Importação 2.82 3.00
IVA no Distribuidor 3.36 3.54
Taxa sobre Combustíveis 6.91 3.83
IVA no Diferencial de Transporte 3.40 3.59
IVA no Retalhista 3.77 3.95
Total Impostos e Taxas 21.06 18.61
Preços Finais 32.84 31.02
Peso dos Impostos e Taxas* 64% 60%
Fonte: Ministério da Energia,
*cálculos do autor
É compreensível que um Governo cobre impostos nos combustíveis, essencialmente para garantir construção e manutenção de estradas, e para minimizar os efeitos ambientais resultantes da utilização destes. Agora, o peso deste situar-se em mais de 60% nas condições económicas do país não faz sentido algum, e, mais do que isso, está a gerar graves problemas para as economias de alguns sectores como transporte, pescas e agro-industrias.
Infelizmente, não me foi facultado o spread sheet contendo a estrutura do preço dos
combustíveis, mas sim as tabelas dos impostos suportados. Porém, tenho a sensação de que alguma coisa está errada nestes cálculos, particularmente no concernente ao IVA. O somatório dos valores de IVA suportados pelos diferentes agentes na estrutura de preço de combustíveis totalizava 13.35 Mtn/litro em Dezembro de 2007, representando cerca de 41% do preço praticado no período, isto é, acima da taxa de 17% estabelecida pelo Código do IVA. Por isso, recomenda-se que os peritos na matéria revisitem o modelo de cálculo.
Sustentabilidade dos subsídios
O Governo decidiu por subsidiar o preço dos combustíveis aos transportes públicos privados em 4.00 Mtn/litros. Assim, os transportadores passam a pagar 31 Mtn/litro, contra os actuais 35.00 Mtn. O subsídio per si não constitui uma medida sustentável a médio-longo prazo, mas pode ser, de alguma forma, aceitável a decisão do Governo para “baixar a poeira” enquanto se estudam soluções mais sustentáveis e consentâneas com o desenvolvimento do País. Mesmo assim, levanta-se uma questão sobre este subsídio, nomeadamente em relação ao mecanismo de
implementação que o Governo vai adoptar.
A experiência mostra que a implementação de mecanismos de subsídio de combustíveis no país, como são os casos das compensações na Agricultura e Pesca, têm sido um fracasso. No mesmo diapasão, se pode falar do reembolso do IVA. Assim, torna-se imperioso estabelecer um mecanismo simples, efectivo e com a mínima possibilidade de fraude, pois, caso contrário, vamos começar a comprar combustíveis no mercado negro.
A longo prazo
Abstraindo das questões curto prazo, urge o Governo pensar num plano de transporte urbano para os próximos 10-15 anos. Para efeito, temos que ter em conta alguns aspectos actuais e em desenvolvimento:
i) o nosso sistema de transporte urbano publico (entenda-se, do Estado)
aparece como complementar ao transporte urbano privado, quando deveria
ser o contrário. Por isso, é necessário pensar em criar um sistema de
transportes públicos mais forte e gerido por privados;
ii) o nosso parque automóvel está a crescer de forma assustadora, com a
entrada de viaturas de segunda mão, e o mesmo não tem sido acompanhado
pelo abertura de estradas alternativas. Neste ritmo, vai tornar-se
insustentável andar de carros privados nos próximo anos, devido às longas
filas de carro à semelhança do que já ocorre em grandes cidades como
Luanda e Accra;
iii) Não estão estabelecidas, e muito menos planeadas, estradas para o uso exclusivo de transporte de passageiros, sendo que as longas filas de transporte público e privado, poderá levar os passageiros a optar por andar a pé. Estas e outras questões deverão começar a ser debatidas hoje, para, futuramente, não adoptarmos, mais uma vez, a abordagem de bombeiros: apagar fogos!
Estamos Juntos
PS: Quero dedicar este artigo aos heróis de 5 de Fevereiro que deram suas vidas para despertar o Governo para os problemas económicos e sociais em que a maioria dos Moçambicanos se encontra mergulhado.

2 comments:

Reflectindo said...

Uma excelente análise, caro Manuel de Araújo. Entretanto, questiono-me se não é desta ideia que não devia aparecer como crítica ao governo do dia, mas formulada como alternativa a este governo? Eu não acredito que este governo de um partido que está no poder há quase 33 anos terá alguma solucão sustentável. Esses governantes estão envolvidos e mesmo nas chapas. O que o povo espera é alternativa coisa própria da democracia. E para se alternativa deve haver um programa conhecido pelo eleitor.
Veja que no blog da Ivone Soares houve gente que clamou pelo programa alternativo da Renamo no sector de transportes públicos. E o que diz Dionísio Guelhas, o nosso Ministro-Sombra de Transportes?

Ivone Soares said...

Esta análise do Nelson Scott é mesmo boa, espero que os pontos relevantes sejam tidos em conta pela nossa Bancada Parlamentar. Bjh