Sunday, 17 February 2008

CONJECTURAS -o CUSTO SOCIAL DE 'BONS CUMPRIDORES'


Esta de parabens o sociologo Rogerio Sitoe! Uma cronica que levanta questoes interessante!

Vale a pena le-la! Bem vindo! Parece que o repouso valeu a pena !

Um abraco,

MA

DEPOIS de um período de repouso, o meu regresso à actividade laboral efectiva é marcado pelo resquício de uma convulsão social que, no essencial, parece centrar-se na incapacidade prolongada de as pessoas satisfazerem as suas necessidades básicas de vida, no quadro de um ambiente social cada vez mais dependente de relações monetarizadas, mas que em contrapartida, estruturalmente, poucas oportunidades têm oferecido aos seus actores sociais para o enfrentar.
Maputo, Sexta-Feira, 15 de Fevereiro de 2008:: Notícias

Lamentavelmente, grande parte do espaço público está mais concentrado nos efeitos e menos nas causas profundas que originaram tal convulsão social. É compreensível, porque é mais fácil e cómodo. É mais fácil contemplar o fogo dum vulcão e concluirmos ser perigoso e mortífero, porque o vemos, do que nos concentrarmos nas forças da natureza que produzem o fogo e a lava. Por isso, não me parece que dançarmos com palavras à volta dos pneus, dos paus e varapaus, das montras partidas, dos mortos e feridos, dos marginais e crianças nas manifestações, ou não, e dos prováveis aproveitamentos políticos, ajude muito seja a quem for. Nem a quem governa, nem aos governados.
O fogo do vulcão, para, a lava seca. Mas tarde ou cedo o fenómeno se repetirá. Logo, importa compreender as forças que os impelem, porque as causas profundas que geram o fenómeno à superfície, continua latentes, e vão muito para além dos Mercedes e das benesses de ministros que, retirados, tão pouco resolveriam as carências dos desempregados da Polana Caniço e Maxaquene, quanto mais dos milhares de carentes de todo o país.
Naturalmente são várias as causas profundas que geraram esta convulsão social. Como não é possível esgota-las nem trata-las neste espaço, longe de mim tal ambição desmedida, delimitei duas: a forma religiosa como aplaudimos e aceitamos as prescrições do Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional para um ajustamento estrutural mais preocupado com questões macroeconómicas e menos nos efeitos sociais, versus a nossa dificuldade de negociarmos para a nossa realidade objectiva e para o nosso destino.
Em grande medida tal seguidismo passivo nos terá valido os rótulos de “bons cumpridores, o melhor exemplo africano para ser seguido por outros países, país eleito, etc.” Toda essa adjectivação no geral se centrou durante largos anos em indicadores macroeconómicos, como seja o PIB, as exportações, o controlo da inflação. Tudo bem para efeitos estatísticos e menos para o impacto social directo.
Muitas das prescrições destas instituições multilaterais, passados estes anos evidenciaram-se como tendo sido autênticas receitas envenenadas. Vejamos: privatizamos empresa mas no seu lugar não foram repostas as médias e pequenas empresas, que de facto geram empregos e impulsionam de forma real a economia. Em contrapartida, a pretexto de atrair investimentos foi impingido o pressuposto dos megaprojectos que, pela sua natureza, usam tecnologia de ponta, sendo que os poucos postos de trabalho que abrem absorvem uma quantidade insignificante de mão-de-obra.
Sob o conceito de “vantagens comparativas”, foi nos aconselhado a “destruir” a indústria de caju. Alegou-se, de acordo com as receitas políticas neoliberais, que era mais vantajoso para Moçambique não investir na industrialização e dedicar-se exclusivamente à exportação da castanha não processada. Falou e remeteu-se pelo menos 10 mil pessoas para o desemprego.
Nas zonas rurais insistiu-se na primazia das infra-estruturas e menos no investimento directo ou indirecto ao indivíduo para que se criasse condições destinadas à emergência de produtores de larga escala no sector agrário.
Por conseguinte, a ausência de políticas pragmáticas no sector agrário, que diga-se de passagem nunca foram prioridade nas receitas do BM e FMI, excepção feita à produção de matérias-primas, contribuíram sobremaneira para empobrecer o campo e catapultaram a migração para as cidades, sobretudo dos jovens.
Nas cidades, onde as novas famílias de imigrantes chegam e se concentram nas periferias, juntam-se a milhares de desempregados que a indústria de caju, as empresas privatizadas e mortas deixaram ao “ deus dará”. É um exército de desempregados que conta ruas, amaldiçoa a governação, revolta-se contra tudo, porque tem fome, pouca esperança sobre o futuro e não têm paciência para esperar mais.
Pode parecer anacrónico recorrer a estas causas, aparentemente dum passado, mesmo que recente e em contextos objectivos diferentes, quando o que se pretende é olhar para o futuro. Há uma razão fundamental que leva a este procedimento.
Na inércia de tais receitas envenenadas, continua-se a sentir um forte entusiasmo pelos megaprojectos e menos uma política consistente para a industrialização do país que gere empregos sustentáveis. Continuamos a seguir e a reproduzir de forma acrítica as teorias Ricardianas das “vantagens comparativas”, mesmo quando se trata de termos que produzir para não sermos bazar da África do Sul no quadro da integração regional nem somente transformarmo-nos numa estância balnear, onde os pobres até para o emprego são substancialmente excluídos.
Continuamos a ser lentos e pouco audazes para criar políticas claras e efectivas que diferenciem entre intervir na produção familiar com efeitos para melhorar a vida das famílias e o investimento, necessário no sector agrário para gerar empregos nas zonas rurais, constituindo-se em atractivo à retenção das pessoas no campo.
Seja como, os sete milhões alocados aos distritos, quase que à revelia dos parceiros externos, o subsídio aos chapas, embora problemático a médio prazo, são pequenos sinais de que é possível não olhar as prescrições do Banco Mundial e FMI como versículos duma bíblia. Quer o Banco Mundial quer o FMI não intervêm no nosso país e em país algum, pela beleza dos nossos olhos ou por sermos um povo simpático. Têm interesses que incluem abrir as portas para o grande capital internacional. Nós somos apenas um subproduto.
É preciso desenvolver a capacidade negocial, que permita traçar políticas mais próximas dos problemas económicos e sociais contextuais do país, pois ao fim do dia quem assume totalmente o ónus político e social é o governo, enquanto eles dirão simplesmente dez anos depois, por exemplo, que “reconhecemos que falhamos com a política do caju e com a agricultura”. A questão é antes cá dentro do que fora.
O 5 de Fevereiro pode ser o exemplo mais desse facto.
Rogério Sitoe - sitoeroger@yahoo.com

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