Sunday, 20 January 2008

Sonhos frustrados

Zoe Murphy
BBC, Chimoio


Kevin Gifford deixou a sua fazenda no Zimbabwe há seis anos, na esperança de fazer a sua fortuna no vizinho Moçambique. O seu plano era criar uma fazenda de tabaco.
Ele foi um dos 4000 fazendeiros que perderam as suas terras ao abrigo da controversa reforma do Presidente Robert Mugabe.

Apesar dos argumentos do Presidente Mugabe de que estava a lutar pelos direitos dos africanos contra os imperialistas, Moçambique recebeu de braços abertos um pequeno grupo de fazendeiros brancos do Zimbabwe.

A esperança era que a sua experiência e investimentos criassem postos de trabalho cruciais e rendimentos das exportações feitas a partir das suas vastas e produtivas terras.

"A minha família foi uma das pioneiras na então Rodésia em 1894. Vejo-me hoje como a minha família naqueles tempos. A única diferença é que tenho a tecnologia do meu lado. Em termos de agricultura, não tínhamos nada quando chegámos a Moçambique," diz Gifford.

A casa para onde Kevin Gifford se mudou era uma ruína dos tempos dos colonos portugueses, sem água corrente ou energia eléctrica.

Durante o período do boom moçambicano, novos bancos e bombas de gasolina surgiram na província central de Manica.

A água corrente e a energia eléctrica também acabaram por chegar à área; a população tinha bicicletas e rádios.

Mas agora, os sonhos dos fazendeiros do Zimbabwe e dos moçambicanos não passam de um fracasso.

Ridículo

Do grupo de Kevin Gifford, ele diz que três fazendeiros mudaram-se para a Austrália, um morreu, um desapareceu e um outro acabou por não sair do Zimbabwe.



Os nossos preços não eram competitivos... esta é uma das razões porque fomos afastados do jogo


Brendon Evans, fazendeiro

Os zimbabweanos que permanecem em Manica empregam apenas cerca de 300 pessoas, das 4345 que tinham em 2004.

"Parou tudo subitamente. Havia grandes expectativas e muitas pessoas sentem-se traídas porque perderam os seus empregos," diz Gifford. Ainda assim, ele não desiste.

"Moçambique ensinou-nos a trabalhar - essa é uma coisa positiva em relação a este país," diz.

Tal como muitos dos zimbabweanos que vieram para Moçambique, Kevin Gifford estava envolvido numa iniciativa patrocinada por uma companhia internacional de tabaco.

"Eles viram, com toda a lógica, que os volumes de tabaco [no Zimbabwe] iam desaparecer e precisavam de suster esses volumes para manter a sua fatia do mercado."

Em troca de capital inicial e empréstimos, os fazendeiros foram contratados para produzir uma quota fixa de tabaco durante um período de vários anos.

Mas as quantidades produzidas eram substancialmente mais baixas do que fora projectado. E a qualidade era fraca.

"Recebemos 'luz verde' para começar a cultivar em Agosto de 2002 e devíamos ter, até Novembro, uma plantação de 100 hectares de tabaco.

Retrospectivamente, era um plano ridículo," diz Gifford.

A maior parte dos materiais teve que ser adquirido na África do Sul, o que causou um grande dispêndio com transportes, impostos e direitos aduaneiros.

Isso provocou a subida astronómica dos custos de produção.

Cedo os fazendeiros começaram a acumular dívidas, até que muitos deixaram de cultivar tabaco, e as firmas saíram do país.

Brendon Evans, um outro fazendeiro do Zimbabwe que inicialmente ganhou a vida com o apoio das companhias de tabaco, diz que o governo moçambicano podia ter feito mais para os ajudar.

"Os nossos preços não eram competitivos... esta é uma das razões porque fomos afastados do jogo. Infelizmente, muita gente foi embora por causa disso," diz.

Choque

Moçambique fez progressos significativos desde 1992, quando emergiu de décadas de guerra - primeiro pela sua independência do colonialismo português e depois de uma prolongada guerra civil contra os então rebeldes da RENAMO.


Os zimbabweanos estão a tentar desenvolver a agricultura sem grandes apoios do Estado - algo que nunca foi feito


Joseph Hanlon, analista

A sua economia cresceu a uma média anual de 8% desde 1996.

Mas analistas dizem que Moçambique continua a depender fortemente da ajuda e dos investimentos estrangeiros e que a economia nacional não conseguiu desenvolver-se.

Perto de 70% dos moçambicanos, muitos deles pequenos agricultores em áreas rurais, vivem na pobreza.

O analista Joseph Hanlon descreve a situação como "um desperdício".

Ele diz que muitos dos fazendeiros comerciais de Moçambique poderiam também melhorar a sua situação com a ajuda do governo, o que, por sua parte, criaria postos de trabalho e ajudaria a combater a pobreza.

"O grande choque para os zimbabweanos foi que as estruturas de apoio que tinham tido no seu país simplesmente não existiam em Moçambique," diz Hanlon, um professor de desenvolvimento internacional na Universidade Aberta do Reino Unido.

Não havia empréstimos do governo para a irrigação ou para a electrificação, e não havia disponíveis quaisquer estudos do Ministério da Agricultura sobre, por exemplo, a melhor variedade da milho para plantar.


As fazendas empregam agora apenas cerca de 300 moçambicanos

"Os fazendeiros comerciais privados só prosperam quando há um enorme nível de apoio do Estado. Os zimbabweanos estão a tentar desenvolver a agricultura sem isso - algo que nunca foi feito."

O recém-nomeado Ministro da Agricultura e antigo Governador da província de Manica, Soares Nhaca, declinou comentar a situação dos zimbabweanos.

Mas, numa declaração, o Ministério da Agricultura disse que estava a trabalhar no sentido de estimular uma "revolução verde" para combater a pobreza rural através da eliminação da falta de produtos básicos e da geração de empregos nas áreas rurais.

Disse também que a comercialização do sector agrícola desempenharia um papel importante nisso mas acrescentou que essa não era a única solução.

Novos planos

Para sobreviverem, os restantes zimbabweanos tiveram que se transformar em "capitalistas empreendedores".


A fábrica de queijos do casal Evans foi inaugurada pelo presidente moçambicano

"Queremos continuar a fazer negócio, por isso diversificamos - fazemos uma série de pequenas coisas que nos dão algum dinheiro para ajudar a suster o avanço das operações de maior monta," diz Kevin Gifford.

Ele plantou papaieiras e árvores para madeira; e está a melhorar o valor comercial do gado local cruzando-o com touros de qualidade. Ele também cria ovelhas e tem uma pequena plantação de tabaco.

Eles conseguiram ultrapassar as, por vezes, traumatizantes burocracia, leis laborais e questões de propriedade da terra - em língua portuguesa.

Alguns também alegam extorsão por parte de funcionários locais corruptos.
A malária também causou problemas, com os fazendeiros a serem afectados por repetidos ataques dessa doença.

Apesar dessas dificuldades, este grupo resistente de fazendeiros zimbabweanos está determinado em ter sucesso.

Até finais de 2008, o objectivo da família Evans é ter uma instalação fabril para a esterilização de leite e começar a fornecer o mercado moçambicano com produtos lácteos.

Entretanto, Kevin Gifford está a investigar o potencial comercial da criação de crocodilos.

Imagens de www.stevefranck.com

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