Monday, 7 January 2008

AS CASCATAS (II) DE ALEXANDE CHAUQUE

Achei este texto interessante! Nao e todos os dias que falamos da morte. Essa companheira nossa inseparavel e quica natural que recusamos a assumir, como se nos tivessem consultado se queriamos nascer ou nao!




Falemos então das minhas morte

SEMPRE que morro farto-me de rir daqueles que me acompanham ao cemitério, chorando por um ente que eles sempre seguiram e amaram. Mas ao mesmo tempo fico triste por saber que, em cada segunda-feira (dia elegido para compartilhar as paranóias da minha alma com os leitores que sempre estimei), lá não estarei no espaço onde semanalmente me encontro com aqueles que me seguem e com aqueles que se encontram comigo casualmente nesse espaço, passando, por isso, a partir daí, também a seguirem-me. Sou uma espécie de ser que vive de morte em morte, daí que nunca me preocupei com essa parte importante da vida, pois sei que vou me sublevar na etapa a seguir. E voltar a viver de pé.
Maputo, Segunda-Feira, 7 de Janeiro de 2008:: Notícias

Mesmo assim, o importante hoje não é falar da vida, mas da morte, que nos habita todos os dias à espera que o sino toque para ela nos devorar, inteiros ou aos pedaços. A morte tem essa beleza, essa levitação, mesmo que seja ordenada pelos juízes e despejada pelos verdugos, ou ainda orientada pela crueldade das navalhas ou do fogo. A morte: ela por vezes fica dos dois lados da calçada sobre a qual caminhamos. E não podemos cair nem para um lado, nem para o outro, porque dos dois lados existe a morte, acompanhando os nossos passos pequenos como os nossos próprios corpos e espíritos.
Farto-me de rir, sim, e regozijo-me, pois, depois de mais uma morte da minha vida, cá estou eu novamente, agora com a morte no regaço, ou com a morte sobre a minha cabeça, não sei bem, pronto para morrer outra vez, não para viver, pois eu vivo desde que nasci do ventre da minha mãe. O que importa neste momento é estar preparado para receber outra vez a morte, que me esmagará os órgãos genitais até não restarem nem as minhas mãos para continuar a fazer coisas e amar a vida, que me terá abandonado para sempre. Mas eu estou me marimbando para isso: o que eu quero é estar preparado para sucumbir perante a morte que trago no regaço ou a morte que trago sobre a minha cabeça, não sei bem.
Recebam-me como me receberam sempre. Aceitem que eu caminhe assim: de morte em morte. Até que morra em definitivo, para nunca mais voltar a experimentar essa sensação formidável que é a morte. Já morri muito, mas não me farto de morrer. Quero morrer mais, para voltar a experimentar o gozo do riso. Rio-me muito quando você me mete nesse estúpido caixão da tua cabeça e leva-me ao cemitério, deitando lágrimas em cataratas, chorando por mim, não querendo que eu vá.
Mas eu quero morrer mais. E você nunca vai perceber as minhas mortes. O que você pensa que percebe é a minha vida, mas as minhas mortes nunca entenderá, porque elas são superiores a todos esses lagos de lágrimas que você jorra, na altura em que contempla o meu corpo feito esfinge, deitado de costas, numa estúpida caixa de madeira construída com dinheiro de ouro. E tudo isso me dá um gozo do caraças.
Estou muito feliz por estar aqui de novo, depois de mais uma minha morte. Recebam-me como sempre me receberam nos vossos corações. E me perdoem por vos não ter despedido aquando da minha última morte. Mas também quem vos disse que se despede quando se vai morrer? A morte não se compartilha, não se avisa. Eu quando quero morrer vou sozinho. Não levo ninguém, nem no regaço, nem por cima da minha cabeça. Até porque não sei bem onde é que está a minha morte: se no regaço ou se por cima da minha cabeça. Não importa. O que conta é que vou sozinho com a minha morte. Vou sozinho. Mas estou feliz agora, muito feliz, porque voltei ao vosso convívio. Recebam-me, por favor.
ALEXANDRE CHAÚQUE IN NOTICIAS

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