Intervenção na Gala da STV para a atribuição do galardão do “Melhor de
Moçambique”
Pensei bastante seestaria ou não presente nesta
cerimónia. A razão para essa dúvidaera a seguinte: há três dias a minha família
foi alvo de várias e insistentes ameaças de morte. Essas ameaçaspersistiram e trouxeram
para toda a nossa família um clima de medo e insegurança. A intenção foi-se
revelando clara, depois de muitos telefonemas anónimos: a extorsão de dinheiro.
A mesma criminosa ameaça, soubemos depois, já bateu à porta de muitos cidadãos
de Maputo.
Poderíamos pensar que essas intimidações se reproduzem
a tal escala que acabam por se desacreditar. Mas não é possível desvalorizar este
fenómeno. Porque ele sucede num momento em que, na capital do país, pessoas são
raptadas a um ritmo que não pára de crescer. Esses crimes reforçam um sentimento
de desamparo e desprotecção como nunca tivemos nos últimos vinte anos da nossa
história.
Esses que são raptados não são os outros, são
moçambicanos como qualquer outro cidadão. De cada vez que um moçambicano é
raptado, é Moçambique inteiro que é raptado. E de todas as vezes, há uma parte
da nossa casa que deixa de ser nossa e vai ficando nas mãos do crime. Neste
confronto com forças sem rosto nem nome, todos perdemos confiança em nós
mesmos, e Moçambique perde a credibilidade dos outros.
Esses sequestros estão nos cercandopor dentro como se houvesse
uma outra guerra civil, uma guerra que cria tanta instabilidade como uma
qualquer outra acção militar, qualquer outra acção terrorista.
Este é um fenómeno que atinge uma camada socialmente
diferenciada do nosso país. Mas o mesmo sentimento de medo percorre hoje, sem
excepção, todos os habitantes de Maputo, pobres e ricos, homens e mulheres,
velhos e crianças que são vítimas quotidianas de crimes e assaltos.
Eu falo disto, aqui e agora, porque uma cerimónia
destas nos poderia desviar do que é vital na nossa nação. Não podemos esquecer
queo nosso destino colectivo se decide hoje sobretudo no centro do País, nessa
fronteira que separao diálogo do belicismo. E todos nós queremos defender essa
que é a conquista maior depois da independência nacional: a Paz, a Paz em todo
o país, a Paz no lar de cada moçambicano.
Se invoquei a situação que se vive hoje em Maputo é porque
outras guerras, mais subtis e silenciosas, podem estar a agredir Moçambiquee a
roubar-nos a estabilidade e que tanto nos custou conquistar.
Caros amigos
Estamos celebrando nesta Gala algo que, certamente,
possui a intenção positiva de valorizar o nosso país. Mas para usufruirmos o
que aqui está a ser exaltado, as melhores praias, os melhores destinos
turísticos, precisamos de saber o ver o que nos cerca. Na realidade, e em
rigor, o melhor de Moçambique não pode ser seleccionado em concurso. O melhor
de Moçambique são os moçambicanos de todas etnias, todas as raças, todas as opções
políticas e religiosas. O melhor de Moçambique é a gente trabalhadora anónima
que, todos os dias, atravessa a cidade em viaturas transportados em condições
que são uma ofensa à vida e à dignidade humanas.
O melhor de Moçambique são os camponeses que embalam à
pressa os seus haveres para fugirem das balas. O melhor de Moçambique são os
que,mesmo não tendo dinheiro, pagam subornos para não serem incomodados
poragentes da ordem cuja única autoridade nasce da arrogância.
O melhor de Moçambique são os que anonimamente
constroem a nação moçambicana sem tirar vantagem de serem de um partido, de uma
família, de uma farda.
Os melhores de Moçambique não precisam sequer que os
outros digam que são os melhores. Basta-lhe serem moçambicanos, inteiros e
íntegros, basta-lhes não sujarem a sua honra com a pressa de se tornarem ricos
e poderosos.
Os melhores de Moçambique não precisam de grandes
discursos para acreditarem numa pátria onde se possa viver sem medo, sem
guerra, sem mentira e sem ódio. Precisam, sim, de acções claras que eliminem o
crime e a corrupção. Porque a par deste galardão que distingue o melhor de
Moçambique há um outro galardão,invisível mas permanente, que premeia o pior de
Moçambique. Todos os dias, o pior de Moçambique é premiado pela impunidade,
pela cumplicidade e pelo silêncio.
Caros amigos,
Disse, no início, que hesitei em estar presente nesta
gala. Mas pensei que me competia, junto com todos vocês, a obrigação de construir
um evento que fosse para além das luzes e das mediáticas aparências.Nós
queremos certamente que esta festa tenha uma intenção e produza uma diferença. E
esta celebração só terá sentido se ela for um marco na luta pela afirmação de
valores morais e princípios colectivos. Para que a nossa vida seja nossa e não
do medo, para que as nossas cidades sejam nossas e não dos ladrões, para que no
nosso campo se cultive comida e não a guerra, para que a riqueza do país sirva
o país inteiro.