Imposições de doadores são cada vez menos chocantes
"Problema com os doadores é mais de ritmo do que de princípio"
Em que fundamentos assenta a nossa política externa e como é que define os objectivos e as estratégias da política externa de Moçambique?
A política externa de Moçambique assenta em diversos pilares: a defesa da soberania do país, a defesa dos interesses nacionais, a obtenção de recursos para o desenvolvimento, o alinhamento dos princípios universais nas relações internacionais que têm que ver com o respeito da soberania e integridade territorial, a questão da igualdade, os benefícios mútuos nas relações internacionais, o respeito pela paz.
O ex-presidente Joaquim Chissano disse, numa palestra proferida recentemente na Universidade A Politécnica, que o princípio orientador da política externa de Moçambique na sua época era de ganhar novos amigos sem perder os velhos. Este princípio continua válido?
Sem dúvida continua válido. Os princípios da política externa de Moçambique são consolidados ao longo de um período histórico relativamente curto, mas intenso, e essa afirmação do ex-presidente Chissano foi enriquecida porque, para além de se procurar ganhar mais amigos e não os perder, foi reforçada com a expressão “fazer novas parcerias”. E isto traduz um princípio fundamental de que importantes relações político-diplomáticas ou não, também importante ou menos importante o aspecto “cooperação”, daí a expressão novas parcerias.
Nesta era pós-Guerra-Fria, em que as questões político-militares estão a ser substituídas pelas questões de desenvolvimento, qual é o principal desafio da diplomacia moçambicana?
Com o fim da Guerra-Fria, os desafios de Moçambique estão naturalmente na frente do desenvolvimento. Mas devo dizer que mesmo no tempo da Guerra-Fria o princípio a que nos referimos há pouco foi sempre observado ou procurou-se sempre observar, daí que o país procurou sempre fazer parte do movimento dos não-alinhados, que continua a existir ainda hoje, embora com uma agenda diferente e que responde à sua pergunta. Com o fim da Guerra-Fria houve uma concentração em acções de desenvolvimento económico-social, de consolidação da paz e estabilidade. Estes são os principais desafios actuais.
Olhando para o Orçamento do Estado, que tem uma fatia considerável que provém dos doadores, até que ponto somos soberanos na definição da nossa política externa?
Tem sido política de Moçambique desde a sua independência ter uma postura digna e tranquila e exigir reciprocidade. Nos princípios que eu enunciei, há uma série dos mesmos que determinam a convivência internacional, e um deles é o princípio da igualdade/liberdade.
Há uns anos víamos os países do mundo desenvolvido que nos têm apoiado meramente como doadores, e hoje vêmo-los como parceiros. Não é uma mera mudança de palavras, mas também do conteúdo.
Ou seja, estamos hoje num mundo globalizado, e num mundo como este a partilha é absolutamente fundamental, é a pedra angular, por isso guiamo-nos pelos princípios a que antes me referi, e à luz do Direito Internacional temos que ser respeitados, assim como respeitamos os outros.
Do ponto de vista prático, se o direito internacional consagra o pressuposto da igualdade, para um país que tem de ir anualmente ao Clube de Paris para apelar por recursos, como é que salvaguarda a questão dos condicionalismos e da soberania?
Nós temos que ver isto numa perspectiva dinâmica. Isto tende a ser uma verdade cada vez menos chocante. Logo à seguir à independência, com os diferentes conflitos que fomos tendo, hoje a fatia de dependência é menor e melhor em relação àquele período. E, por isso mesmo, o facto de o país ter a reputação que tem, sendo um caso de sucesso, interessa proteger, preservar. Não só, mas também para servir de exemplo de motivação para outros países, nós fomos conseguindo impor com maior firmeza as nossas posições. E a tendência é à medida que essa dependência for reduzindo, a nossa voz também ser ouvida. Mas a tentativa de se fazer ouvir existiu sempre. Havia essa fragilidade e pode-se recordar a história do caju, em que fomos levados a tomar aquela medida, mas que hoje cada vez menos vai sendo implementada.
Muitas vezes, o Banco Mundial e o FMI referem que Moçambique é um bom exemplo na forma como aplica os recursos que recebe. O nosso país não está a adoptar facilmente os princípios dogmáticos de Bretton Woods?
O país tem sempre estratégias a curto, médio e longo prazos para enfrentar tais situações, o que faz com que sempre nos saibamos posicionar de acordo com os nossos interesses. Enquanto estivemos em guerra, o objectivo principal era procurar manter o país à tona, por via da assistência humanitária, ao mesmo tempo que suportávamos o esforço da guerra, mas sem deixar de produzir e de ter acções de desenvolvimento onde fossem necessárias.
À medida que a guerra foi caminhando para o fim, permitindo acções de produção, começámos a transformar acções de natureza humanitária em acções de desenvolvimento. Recordo, aqui, o Programa Sementes e Utensílios; o Programa Comida pelo Trabalho, que permitia a reabilitação de infra-estruturas básicas com recurso ao trabalho dos interessados em troca de comida.
Essa fase já está ultrapassada. Hoje temos uma economia maioritariamente monetarizada. Portanto, há uma evolução tal que nos permite, com a firmeza que já tinha referido há bocado, começarmos a impor os nossos pontos de vista ou a sermos ouvidos.
Depois, algumas das mediadas que nos terão sido impostas nessa altura provaram, a prazo, terem sido erradas. Isto também nos dá uma autoridade também acrescida para sermos ouvidos.
O que é que nos exigem como moeda de troca do ponto de vista político os 19 Parceiros de Apoio Programático que sustentam o Orçamento do Estado?
O que nos é exigido não nos é imposto. O combate à pobreza absoluta e à corrupção são desejos nossos e não de doadores; a melhoria da qualidade de educação e dos cuidados de saúde são desejos de sempre, são as nossas razões de ser, como forma de garantirmos que todo o povo moçambicano tenha melhores condições de vida. Agora, aqui há um problema de ritmo e o que nos é exigido é um ritmo mais acelerado, dentro de um modelo mais complexo.
Por exemplo, na área da justiça, temos sido fortemente criticados e reconhecemos que temos grandes lacunas. E começámos a trabalhar.
A questão dos quadros é fundamental para a resolução dos problemas não só neste sector, mas em qualquer outro, e o ritmo de formação de quadros para a justiça leva o seu tempo. Então, como é que saímos deste ciclo vicioso? É mais uma questão de ritmo do que de princípios.
Qual é a posição de Moçambique sobre o que estava a suceder no Zimbabwe?
A posição de Moçambique em relação ao que se estava a passar no Zimbabwe sempre procurou ser clara. Moçambique conquistou a sua independência da forma como o fez, e comprometeu-se a apoiar a todos os movimentos de libertação. Neste sentido, o nosso país apoiou a libertação do Zimbabwe. No interesse nacional, nós estaremos prontos a jogar o nosso papel para garantir que na região haja sempre paz e estabilidade.
O processo zimbabweano não começa agora. Na independência, quando se foi às negociações de Lancaster-House, Moçambique foi um dos países que influenciou fortemente os zimbabweanos a assinarem o acordo, que não lhes satisfazia por completo, porque não resolvia todas as questões, incluindo a terra. Mas eles perceberam e assinaram.
O processo correu com virtudes e defeitos que ocorreram durante a implementação e chegamos a um ponto em que o processo, do ponto de vista político, começa a conhecer perturbações. Depois, houve eleições, tendo as legislativas sido aceites por todos e as presidenciais não, resultando daí a crise.
Perante a situação, Moçambique optou por uma actuação coordenada com a região e não de forma individual. Mesmo no interesse nacional, não nos interessa que a solução no Zimbabwe seja uma solução que não tenha elementos fundamentais que nos garantam que a paz e estabilidade serão restabelecidas.
O primeiro passo é estimular o diálogo entre os zimbabweanos para se entenderem entre eles, porque os processos só são estáveis quando são assumidos pelos próprios nacionais. Dialogámos com todas as partes e dessa concertação saiu o acordo.
Importa salientar que em todo o processo negocial é importante ter duas linhas de actuação, e nós actuamos no contexto da organização (multilateral) e no bilateral. Houve várias vezes em que membros do governo de Moçambique se deslocaram ao Zimbabwe, em várias sessões, à margem de eventos internacionais, para tentarem perceber as partes num envolvimento directo.
Passou uma imagem de que houve muita condescendência em relação a Mugabe, que perdeu as eleições, mas mesmo assim quis manter-se no poder à força, com o apoio dos seus amigos históricos. Qual é a outra dimensão desta história?
Trata-se de uma questão de percepção. Num processo negocial em que as partes estão profundamente divididas, a solução não é tomar partido de nenhuma das partes, porque se corre o risco de se perder a credibilidade e deixa-se de ser um interlocutor válido para as partes.
Para se alterar uma determinada situação, é imperioso que sejam conhecidas as suas causas e depois ver qual é a situação num determinado momento.
Ora, o governo da ZANU-PF liderou aquele país durante muito tempo, tem o domínio das forças armadas e das forças de segurança, pelo que a mudança implica igualmente uma mudança de vontades. Na resolução da questão do Zimbabwe, prevaleceu a questão do interesse nacional, dado que nós conhecemos o preço da estabilidade (...). Queremos os nossos corredores de desenvolvimento a funcionarem normalmente, especialmente o Corredor da Beira, que foi concebido para servir o Zimbabwe e que está com níveis de funcionamento muito baixos.
Qual é a melhor solução para o restabelecimento da ordem constitucional no Madagáscar?
A intervenção que foi feita foi a correcta, embora não tenha resolvido o problema. De lá para cá, tem havido inúmeras missões conjuntas entre a União Africana, SADC e ONU.
Nas várias missões levadas a cabo a nível da Troika da SADC, tratou-se de se falar com todas as partes interessadas: partidos políticos, igrejas, novas autoridades de facto, representantes do presidente deposto e até com os próprios militares. No caso deste país, não houve violação ou falta de respeito pelas eleições.
O que houve foi um golpe de estado sui generis e com características muito próprias e inovadoras, mas foi um golpe de estado.
Trata-se de alguém ilegítimo que substituiu uma pessoa legitimada pelo povo, sendo que a condenação foi imediata. Quando a SADC suspendeu o Madagáscar, foi no sentido de pressionar suficientemente o novo regime.
Mas com os actuais desenvolvimentos, impõe-se a necessidade de se analisar com maior cuidado a situação naquele país, porque aparentemente o novo regime tem um apoio substancial do ponto de vista popular, pelo que a estratégia de imposição de Marc Ravalomana como presidente do país por via da SADC não seria a melhor estratégia. Cada caso é um caso.
Na situação do Zimbabwe, era preciso garantir que a solução que saísse fosse estável, e é por isso que o acordo alcançado não estabelece um governo normal, mas sim um governo de transição, para preparar as condições da realização das eleições.
O estabelecimento do governo inclusivo no Zimbabwe não era um fim em si, mas um objectivo intermédio, mas na fase preliminar. Num país existe um governo com 29 anos e totalmente enraizado naquilo que é a realidade do país, e a remoção de um governo destes não pode ser de modo a que se crie condições de utilizar os seus meios para tentar voltar.
GOVERNO DA UNIÃO AFRICANA
Como avalia a evolução da Organização da Unidade Africana (OUA) para a União Africana (UA)?
A mudança da Organização da Unidade Africana para União Africana assinalou um salto qualitativo. A organização, em tanto que tal, tinha crescido de tal forma que o acto constitutivo já não respondia a muitos desafios que o continente enfrentava.
Chegou uma fase em que houve necessidade de uma direcção mais unificada de África e começou a falar-se da necessidade de um governo, o que mereceu um consenso.
Mas a maior questão colocou-se no ritmo da instituição do mesmo. No debate da instituição do governo da UA surgiram duas correntes: a dos imediatistas e a dos gradualistas.
No âmbito das duas correntes existentes, Moçambique assume a posição dos gradualistas, que defendem um crescimento sustentado.
A construção do governo da União deve ser feita com base na consolidação dos blocos regionais, o que depois vai sustentar o crescimento de um governo continental, dadas as actuais assimetrias existentes tanto a nível dos blocos como dos países que os compõem.
O PAÍS – 21.05.2009
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