Que política temos, afinal?
Por Ericino de Salema
A alguns dias do início da campanha eleitoral, tendo em vistas as eleições presidenciais, legislativas e das assembleias provinciais marcadas para 28 de Outubro, começam a surgir sinais evidentes de que a Frelimo e a Renamo insistem em não pautar pelo civismo político. Parece que não é preciso ser-se profeta para se vaticinar uma campanha de sangue, temperado por mentiras e improvisos. Nestas pequenas notas cívicas, tentaremos discutir questões como ‘mercado político’, ‘competição política’ e ‘factos versus ética política’.
Mercado político. Este conceito, instituído pelos cultores da teoria de escolha racional, ensina que o espaço político é, por natureza, caracterizado pelo confronto de empresas políticas, consideradas como empresas de interesses, sendo ele – o mercado político – o lugar no qual se trocam votos por promessas de intervenções públicas. As promessas são comumente documentadas em sede de manifestos eleitorais.
A Frelimo e o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), dois dos três partidos que irão concorrer às presidenciais, já apresentaram ou os seus manifestos ou os pontos basilares que os irão corporizar. Coincidem, estes dois partidos, na eleição da juventude, segurança pública e habitação como questões prioritárias. Tudo, convenhamos, para obter votos.
Na verdade, no caso concreto do mercado eleitoral, há ofertas públicas e/ou mediatizadas de programas, que funcionam como ‘iscas eleitorais’, (des)valorizando- se, nisso, o papel dos valores e da fidelidade partidária. Aqui, subjaz a ideia de eleitor individualista (o fanático) ou racionalista (que é o que efectua, antes de votar, um cálculo estratégico).
A ideia de mercado político funda-se, em rigor, no facto de os políticos entrarem em concorrência agindo segundo uma lógica racional equivalente à dos empresários económicos. Na verdade, o empresário cria firmas para obter lucro – e não para dar emprego, como amiúde se diz – enquanto que um político procura alcançar, exercer e manter o poder. O advogado Máximo Dias, que já não está preocupado com o poder, faz bem em pretender transformar o seu MONAMO numa organização filantrópica.
Competição política. A competição, que provém do latim petere, que é qualquer coisa como tender para um determinado objectivo, existe quando duas ou mais pessoas ‘correm’ em conjunto, visando alcançar um mesmo objectivo. O poder, em se tratando da competição política. Compete-se, quase sempre, por um bem escasso e exige-se uma ideia de jogo, o que implica a existência de certas regras [de jogo], dentro das quais se exerce a competição, devendo existir um árbitro capaz de garantir o fair-play.
Jean Luca escreveu, certa vez, que a política será a actividade pela qual um grupo pretende impor pela força ou pela influência numa competição, um conjunto de soluções aos problemas de uma sociedade. M. G. Smith acrescentaria que a acção política se distinguirá da acção social quando entra no domínio da competição para o controlo ou para que tenha influência nas decisões respeitantes aos negócios públicos.
Bem vistas as coisas, tanto a Frelimo como a Renamo, os dois maiores partidos do xadrez político nacional, estão a pretender, pelo menos nesta fase de pré-campanha eleitoral, aliciar o maior número possível de eleitores, como forma de ganharem tranquilamente as eleições. Nisso, falta-lhes o civismo político, ou, em linguagem desportiva, o fair-play. Cada um destes partidos – os seus porta-vozes, em particular – actua como lobo do outro.
Não fosse o campo político, como teorizou Pierre Bourdieu, o lugar de uma concorrência pelo poder que se faz por intermédio de uma “concorrência pelo monopólio de falar e de agir em nome de uma parte ou da totalidade dos profanos”. Obviamente que os media tem, neste domínio, um papel instrumental…
Factos versus ética política. Por uma questão meramente metodológica, não iremos ‘mapear’ todos os factos políticos recentes em que pelo menos dois partidos se evidenciam negativamente no campo político. O que a imprensa reporta como tendo sucedido esta terça-feira em Majaua, distrito de Milange, província da Zambézia, se nos afigura bastante para este modesto exercício cívico.
Num dos jornais que reportou o assunto, Fernando Mazanga, porta-voz da Renamo, é citado a dizer que “homens armados saíram da sede da Frelimo disparando contra a caravana”, Edson Macuácua, seu homólogo da Frelimo, é citado a afirmar que “Dhlakama disparou um tiro com o seu próprio punho, o que é inaceitável”.
Mazanga ajuntaria que se está em presença de “factos mal contados”. Cuidando ele mesmo de os contar “com perfeição”, precisou: “…foram os próprios membros da Frelimo que se infiltraram na reunião dirigida por Afonso Dhlakama, com o intuito de criar uma instabilidade” .
Chamando a si a tarefa de providenciar “dados substanciais” do que ocorreu, Macuácua sublinhou: “O mais agravante é o facto de o próprio líder da Renamo ter incitado, promovido e praticado violência, pois, segundo dados em nosso poder, Dhlakama disparou um tiro com o seu próprio punho, o que é inaceitável, inadmissível e intolerável”.
Das declarações dos dois políticos atrás citados, fica bem explícito que a procissão ainda nem sequer saiu da igreja. Tal como a pequena e pacata povoação de Majaua, que foi transformada em ‘dumbanengue’ político, no lugar de ser um natural mercado político, os demais pontos do país serão, infelizmente, palcos de atrocidades políticas.
Há muito que ficou provado que um político profissional precisa ser eticamente responsável. Max Weber, sociólogo alemão, estabeleceu, em 1919, a distinção entre o que chamou de “Ética da Convicção” e “Ética da Responsabilidade” . Para Weber, quanto maior o grau de inserção de determinado político na arena política, maior é o afastamento de suas convicções pessoais e a adopção de comportamentos orientados pelas circunstâncias. Este afastamento das crenças e suposições pessoais e a adopção de medidas, muitas vezes contraditórias, é determinado pela ética da convicção e pela ética da responsabilidade. Infelizmente, os nossos políticos mais se guiam pela ‘convicção’…
Weber tinha o seguinte entendimento sobre esses dois conceitos: a ética da convicção é o conjunto de normas e valores que orientam o comportamento do político na sua esfera privada, enquanto que a ética da responsabilidade representa o conjunto de normas e valores que orientam a decisão do político a partir de sua posição.
Nessa altura, o sociólogo alemão tomou como exemplo o caso de um governante que tenha a convicção pessoal de que é necessária a redução de impostos. Esse governante pode ter realizado uma campanha eleitoral focada na redução da carga tributária, conforme suas crenças particulares. Porém, uma vez no governo, se depara com a escassez de recursos financeiros para atender serviços básicos como segurança, saúde e educação.
Diante desse dilema, continuou Weber, o governante precisa tomar a seguinte medida: ou segue sua norma particular (ética da convicção), e reduz os impostos sabendo que vai faltar dinheiro para que o Estado cumpra suas obrigações elementares, ou adopta uma medida orientada a partir de sua posição de governante (ética da responsabilidade) e mantém ou eleva as taxas de impostos, viabilizando os recursos necessários para a acção governativa.
O exemplo de imposto oferecido por Weber poderia, no caso concreto do que aconteceu esta terça-feira em Majaua, ser substituído pelo dever que cada pessoa, singular ou colectiva, tem de proteger a vida. Sem isso, as (pré)campanhas políticas facilmente se traduzirão em derramamento de sangue.
Terminando sem concluir. A forma como os principais actores políticos moçambicanos se têm comportado leva-nos a concluir que, embora exista um quadro legal que propicia a salutar competição política no seio do mercado político, a sombra do ‘dumbanenguismo’ político não larga a muitos partidos políticos, alguns dos quais com grandes responsabilidades neste país, daí alguns dos seus quadros abusarem da ‘inocência’ de gente aparentemente sem nada a perder para a promoção de vergonhaças políticas. Uns dirão que são ‘pais’ da democracia; outros jamais se fartam de se apresentar como ‘cultores’ da auto-estima…
PS: A Selecção Nacional de Futebol de Moçambique, “Mambas” de seu nom de guerre, defronta este domingo a sua congénere do Quénia. Diferentemente do que muitos pensam, a meu ver Moçambique terá Moçambique como seu maior adversário, e não necessariamente o Quénia. Do primeiro ao último minuto, a pressão governará os nossos artistas, muitos deles psicologicamente impreparados. Só espero que Mart Nooj não se demore a tomar decisões urgentes, sob pena de se transformar num ‘Mocho da Minerva’, conhecido, como diria o seu companheiro Hegel, por ‘levantar voo ao entardecer’.
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16 minutes ago
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