Um insulto para África
Estou escrevendo esta crónica semanal num dia de tempo estival, com um calor intenso em que os termómetros atingiram 39º graus. Porque o pensamento não para, mesmo com o corpo suado de tanto transpirar, venho, em torno da confusão financeira no País mais poderoso do mundo, falar de algumas reflexões arrepiantes que não passam, necessariamente, pelas tentativas que o Bush filho faz para conseguir o acordo do Senado e da Câmara, usando a sua principal arma: terror e dramatismo nos discursos!
Nada disso teria interesse em mim se não tivesse acompanhado que a meses atrás o tema em voga nas manchetes relacionava-se à chamada “crise mundial dos alimentos”. Crise pelo aumento expressivo no preço de produtos alimentícios (trigo, milho, arroz, leite, carne, soja etc.) indispensáveis para os seres humanos, que têm uma “necessidade biológica” de comida – todos nós precisamos de comer, tal como precisamos de água e de ar, para poder viver, e que o mundo, apenas, reservou angariar 7 biliões de dólares para ajudar os pobres.
Sabendo nós que, nos últimos 3 anos, segundo o Banco Mundial, os preços dos alimentos subiram em média 83% e que essa inflação de preços trouxe consigo impacto directo nas famílias pobres, especialmente aquelas que vivem em países importadores de alimentos e que costumam gastar a absoluta maioria de seu orçamento doméstico na aquisição de alimentos, convém aqui fazer uma reflexão dessas crises tendo em conta o facto da crise financeira, que afecta directamente um punhado de ricos, beneficiar de uma injecção monetária de 700 biliões de $USD em tempo recorde, e os milhões de pobres no mundo – 925 milhões segundo a FAO, clamarem ainda por receber a promessa dos 7 biliões anunciados em Roma, na reunião da FAO deste ano.
A primeira reflexão intrigante é saber que a crise alimentar afecta, no mínimo, 925 milhões de pessoas (triplo da população norte americana), com consequências graves visíveis hoje. Desde milhões de pessoas que se mantém cronicamente subnutridas e depois afectadas por uma série de doenças que encurtam a sua vida ou as torna ainda mais pobres. Contudo, com toda essa desgraça visível, apenas foram prometidos 7 biliões de $USD que só saem, se saírem, mediante comprometimento dos países afectados em seguir a letra as políticas públicas desenhadas pelos países ricos e cumprir os “direitos humanos”.
E como são vários parâmetros que se têm de cumprir, as populações que, segundo a ONU, são assistidos o direito a uma dieta saudável e variada como um direito humano básico, ficam a minguar de fome não sabendo onde virá a sua próxima refeição (o que só por si tem um preço psicológico) quando há tanta abundância de alimentos ou dinheiro que pode ser injectado.
É-me difícil compreender como os ocidentais, defensores acérrimos de direitos humanos, continuem a ter uma frágil solidariedade internacional associada à redução da ajuda ao sector agrícola, que contribuí para o enfraquecimento da agricultura familiar dos países em desenvolvimento, mas, em contrapartida, para salvar os ricos (que já tem de sobra) sem pestanejar subsidiam a esses com um valor 100 vezes mais do necessário para erradicar a crise alimentar.
Cépticos virão me dizer que a injecção ao sistema financeiro americano é para salvar a economia duma banca rota no futuro. No futuro!!! Que contra-senso, se hoje já nos debatemos com uma crise alimentar de anos que traz consigo respostas populares sob a forma de manifestações e motins, condicionantes para uma estabilidade dos países e nada é feito!! Isso não diz nada? Mais, o flagelo da fome e subnutrição impedem o desenvolvimento mental e físico das crianças prejudicando-as para o resto da vida. E como as crianças são a força motriz do amanhã, o que se espera da economia dos países dessas crianças? Porquê esperar resposta, se mesmo a promessa de uma Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) de 0,7% até 2015 continua a uma distância luz dessa meta, concedendo os ricos apenas 0,3% do seu PIB há mais de 15 anos?!
Sendo África o Continente mais pobre do mundo, onde mais de 60% da população vive com o vírus da SIDA, precisando, por isso uma injecção de todo tamanho para minorar os efeitos da desnutrição, os 700 biliões de dólares injectados pelos americanos para manter os capitalistas ainda maia ricos representa verdadeiramente um insulto aos Pobres (Africa inclusive), que vê os ricos assisti-los, passivamente, a morrer de fome!
miko cassamo
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